sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O gato da mulher que conheceu o seu “home” no comboio de Fafe


           O gato da mulher que conheceu o seu “home” no comboio de Fafe

            Ainda não eram quatro horas da tarde e já o dia dava indícios de se querer acabar, circunstância que era fortalecida pelo cinzento carregado que varria o horizonte em redor. De vez em quando, muitos pingos de chuva faziam-se mostrar, mas só às vezes, independentemente de serem desejados ou não.
 No momento exato em que tudo aconteceu, e na totalidade da hora que se lhe seguiu, do céu apenas escorregaram uma luz baça e húmida e um ou outro pássaro meio incomodado.
 E eu que até pensava que andava sozinho nesse meu passeio pela cidade de Fafe!
Muitos são os pormenores, bons ou maus, que me fazem parar quando ando nestas minhas demandas pela cidade. Na verdade,  gosto de sentir o que me rodeia, nem que para isso tenha de demorar horas a percorrer centenas de metros ou ainda menos. São opções, nada mais. Mas que me tornam mais completo e interventivo. Lá virá o dia em que  a idade ou outro pormenor qualquer me impedirá de ver, ouvir, cheirar, provar e tocar.
Nessa tarde de janeiro, foi a antiga estação de comboio ou, melhor dizendo, o que resta dela, que me fez parar.
Meu Deus, a que estado ela chegou! Bem, o edifício principal ainda continua digno, embora noutras funções, mas os outros acrescentos, que noutros tempos tinham tanta serventia e vida, hoje não passam de um aglomerado de restos e coisas mortas, em final de linha! E foi nesse meu visualizar de desgraças, angústias e acentuadas nostalgias, apesar de não ter o privilégio de ter conhecido esse outrora com comboios cheios de vida, e agora findo, que um gato me saltou para o entendimento e bem para a frente dos meus olhos.
Era um gato acinzentado e com uma fina coleira de onde se dependurava um refinado guiso. Que gato lindo! E que rapidez! Num ápice, e tal e qual como quem o costuma fazer muitas vezes, o esbelto animal passou por mim a correr, saltou quase em claro o gradeado, em forma de portão, que separa o fora do dentro do que resta da antiga estação. Curioso! Não é que o bendito bicho, trepou ao que sobrava de um carro abandonado, no meio de outros, e saltou para o chão. Sem querer parar, contornou, sem ignorar, uns amontoados de pedra de calçada, misturada com terra e areia, e, na sua correria, foi posicionar-se bem na minha frente como que a desafiar-me não sei bem para quê. Ou sei?
- Raio do gato, lá anda ele outra vez com as suas maluqueiras! Qualquer dia…
Quem assim dizia era uma velha senhora, meia despenteada, cosida a um casaco bem castanho e com um guarda-chuva preto na mão. Era a dona do gato.
            - Sabe, senhor, o meu gato é meio esquisito, de vez em quando, prega-me estas partidas. Foge de casa e vem para aqui. Não quer o amigo saber que sempre que chego onde agora estou, ele lá está, precisamente naquela postura. Está ver? Qualquer dia… - adiantou-me, sem papas na língua, a velha senhora.
            Mas o que o é que ela quereria dizer com tão estranha expressão e sempre incompleta? «Qualquer dia…»
            -Sabe – e sem que eu lhe perguntasse nada – eu ainda me lembro de como tudo isto era…Gente a partir, gente a chegar… Este comboio era uma riqueza, uma festa. Agora só há para aqui restos. Qualquer dia…
            - A senhora mora aqui perto! – Perguntei-lhe eu.
            - Moro ali mais abaixo, mas venho muitas vezes aqui, pois o raio do gato… Sabe, foi neste comboio de Fafe que conheci o meu “home”. Eu vinha de Guimarães, eu tinha lá uma irmã… ela já morreu, mas ainda lá tenho dois familiares e… eu acho que era uma sexta e calhou sentar-me no banco do lado esquerdo… não. Era do direito. Não interessa. O que eu sei é que ao meu lado estava um rapaz um pouco mais velho do que eu e… Não desfazendo, era um belo rapaz! A vida tem destas coisas. Só sei que cinco meses depois eu já era a mulher dele.  Coitado, já morreu há dois anos. Morreu ele, morreu o comboio e qualquer dia morro eu. Não quer você saber que o primeiro presente que ele me deu foi um gato igualzinho a este. Este malandrete, que anda sempre “prá`qui” a fugir é descendente desse gato que o meu “home” me deu. Eu às vezes até tenho medo que…
            E mais uma vez a velha senhora não acabou o que ia a dizer. Pois, e mal o gato correu na nossa direção e, com certeza voltava para donde viera, ela apressou-se a segui-lo. Ao longe, ainda consegui escutar de uma forma bem clara, o que já havia dito e redito:
            - Qualquer dia…
            Ora bem! Se o gato foi para casa e a velha senhora também, na altura, pensei para com os meus botões que estava na hora de regressar. É que da estação até ao sítio onde moro ainda era um bom pedaço.
            E porque a história não podia acabar assim, apenas acrescento que seria de bom agrado que se olhasse para o que resta da antiga estação e se desse por acabado todo aquele retrato incompreensível. Está na hora de dar melhores vistas a um espaço que já foi uma porta de excelência de Fafe. Uma porta que trazia o mundo a Fafe e que levava Fafe para o mundo.
Por que não implantar naquele lugar tão emblemático para Fafe uma locomotiva pedagógica ou um museu temático ou algo de parecido… Vá lá, nem que seja em homenagem ao “home” da velha senhora e ao amor que um dia o comboio de Fafe ajudou a nascer.
Senão… qualquer dia…
Para finalizar, e juro que não digo mais nada, amigo leitor, peço uma atenção para um excerto que, num belo dia de 1911, o “Almanaque Ilustrado de Fafe” publicou:
«Como é bom recordar! Parece que foi hontem e já lá vão três annos! Transcrevemos para aqui parte do que sobre tão grato motivo dissemos no nº 749 do Desforço de 1907 (…)
A CHEGADA
Aos primeiros silvos das locomotivas, tudo rejubila. São duas, conjugadas, que se denominam «Porto» nº 5 e «Negrellos» nº 2, a rebocarem 17 vehiculos. Ao apparecimento, na ultima curva, quando os silvos redobram e o penacho de fumo se torna mais intenso, a alegria é então dilerante, chega ao seu auge o contentamento!

E’ uma hora e 20 minutos quando o comboio entra nas agulhas da estação por entre filas de povo. O enthusiasmo, a esta hora feliz para Fafe, é indescritível!
Aquelle acenar de lenços, aquella animação, aquella vivacidade, aquellas acclamações, tudo aquillo que se não pôde anotar, oh! Era sublime!!
Sublime, sim!!
Nós, que fomos uns pugnadores do caminho de ferro para Fafe, que temos anciado para o nosso torrão natal esse melhoramento indispensável, ao ver chegar o comboio inaugural, fomos apossados de tanta alegria, que quasi se nos estonteia o espírito! Ah! É que víamos triumphar uma das nossa maiores aspirações!
E as bandas fazendo ouvir os seus sons musicais, vibrantes, pareciam exprimir o que nos ia n’alma; o dynamite, estralejando nos ares, annunciou ao longe o nosso enorme contentamento.
No comboio inaugural vinha um grande numero de convidados, de que os jornaes diários teem dado nota e que por isso achamos supérfluo aqui reproduzir.
As locomotivas chegaram adornadas com bandeiras e tropheus, a gosto.
A da vanguarda, a nº 5, trazia a dirigi-la o engenheiro sr. Francisco Ferreira de Lima, que trajava de machinista, e o chefe de tracção e officinas sr. Joaquim Lopes.
Acompanhava o comboio uma banda de musica.
Na cauda vinha uma carruagem-salão, em que tomaram logar, alem do pessoal superior da Companhia e outros cavalheiros, a commissão das festas, que daqui foi a Paçô fazer a espera.

Ao apeiaren-se, o sr. Conselheiro Florencio Monteiro foi o que iniciou os vivas, que proseguiram, correspondidos sempre com ardor.
Em seguida, no estrado, onde permanecia a câmara, depois de trocados muitos cumprimentos, discursa o director da Companhia sr. Reis Porto, que, fazendo o elogio da nossa terra declara aberta á exploração a linha férrea.
Termina por levantar vivas a Fafe e ao seu povo.
Seguiu-se-lhe o presidente da câmara sr. Dr. João Leite de Castro, que discursa sobre os benefícios da linha trazidos a Fafe, melhoramento que há muito todos nós aspiramos, e attribue esse melhoramento á boa vontade do sr. Conde de Paçô Vieira e do extinto Soares Velloso, e simultaneamente, á intelligencia e actividade do sr. Reis Porto. Concluindo, saúda o povo de Fafe.
E’ depois lido o auto inaugural pelo guarda-livros da Companhia sr. Francisco Garrido Monteiro, que, cavalheiros de Fafe, Guimarães, Porto we Graga, assignam.
Depois disto, partiu a comissão das festas, pessoal da Companhia e convidados, seguidos por duas bandas de musica, para a villa. Os vivas, que tinham sido levantados no estrado, proseguem – ao sr. Reis Porto, á Companhia do Caminho de Ferro, engenheiro Lima, aos hospedes de Fafe, e outras individualidades, - que são correspondidos com indiscrptivel enthusiasmo. Immediatamente marcha a corporação dos bombeiros com a sua banda, que tinha feito a guarda d’honra.
Muito povo acompanha»

Às vezes, não entendo progresso! São coisas...


Carlos Afonso

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

«Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo», uma obra de todos os tempos




            No passado dia 31 de janeiro, tive a honra de apresentar mais uma obra do meu grande amigo, professor José Augusto Gonçalves, e desta vez, em colaboração do meu colega, o professor Amâncio Novais. Ambos nos debruçamos no assunto/tema, dimensão linguística e visão pedagógica do livro Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo. Sem sombra de dúvida que esta tarefa foi deveras fascinante, tendo em conta a grandeza e a vernaculidade do trabalho em causa.
É importante evidenciar o fervilhar cultural que em Fafe se vive, nestes últimos meses, concretamente no que toca ao assomar, à luz do dia, de certas obras centradas no património regional. Na verdade, e numa altura em que Portugal “Anda c`o a mosca”* e “Andémos p`rá `qui desmangados”,* eis que surgem nos nossos horizontes certas publicações, tal qual pedras vivas e bem rijas da nossa existência, pertença do nosso povo, pregadas às folhas inocentes de vários livros, nestas nossas formosas terras de Fafe. E, como exemplo, podemos salientar as seguintes: «Santa Maria de Aboim, o olhar sincero do Minho», coordenado por mim em coautoria com historiadores e prosadores de Fafe; «Fafe, meu amor» de Artur Coimbra; «Fafe, História, Memória e Património» de Daniel Bastos, Paulo Teixeira e José Pedro, assim como o trabalho do professor João Ferreira, centrado nos dialetos de Fafe, entre outros.
 «Quando o passado não ilumina o futuro, o presente vive nas trevas» - (Alexis de Tocqueville).

- Por que razão, o autor escreveu este livro?

*“Vivências do passado: que nostalgia!
 Costumes do passado: que ousadia!
Linguagem do passado: que categoria!”

            A obra Palavras, “Frases e Expressões do Minho Profundo”, que temos nas mãos, é muito mais do que um aglomerado de páginas pintadas, ele é um dicionário de vidas, contadas oralmente. Um livro escrito com alma, saudades, experiências, histórias, louvor, respeito, amor e CARINHO por todo um povo que habita um pedaço deste Minho profundo e que representa o que de mais puro e belo se encontra no homem, especialmente na sua faceta que o faz chorar, rir, dormir, falar e sentir.
            Sem sombra de dúvida que toda a essência que deriva deste livro escorre direitinha para a certeza de que estamos perante um verdadeiro tesouro do nosso Património Cultural, e que temos a obrigação de preservar.
            E como refere o professor Abílio Peixoto, no seu artigo do Diário do Minho, «José Augusto, apresenta-nos um autêntico “tratado” de fonética (…) de incalculável  valor etnográfico e linguístico”.
            Este Manual de Vida mostra claramente o linguajar de um povo retirado do dia-a-dia dos falantes que habitam no meio dos montes, o Minho recôndito e profundo.
 Na literatura de todos os tempos, a simbologia dos Montes pode remeter-nos para esconderijo, lugar mais inacessível e elevado. Os montes podem oprimir, pela sua faceta de impedir de caminhar. O desenvolvimento pode chegar mais tarde ou não conseguir transpor as ladeiras acentuadas. A ruralidade pode apertar mais os rostos. Mas, e é isso que nos interessa agora, os Montes do nosso Minho escondido salvaguardaram toda uma linguagem oral que já se falava no início da nossa nacionalidade, e que continua com os mesmíssimos sons e sentidos. A vernaculidade do linguajar do nosso povo é deveras fascinante. Até parece que os séculos não passaram.
Igualmente a Lei do menor esforço continua a existir como acontecia há centenas de anos, permitindo que o falar se torne mais rápido e fluído. Esta técnica assentava no suprimir letras/sílabas, ou no interligar de palavras. O nosso povo continua a seguir estes ensinamentos
Podemos dizer que os séculos passaram, mas o linguajar das gentes do Minho profundo continua na sua pureza inicial.
Meus amigos, estamos perante um fenómeno vivo que o tempo não foi capaz de alterar. Os MONTES protegeram as nossas origens, e o professor José Augusto mostrou, com veemência, esta certeza, ao gravar na sua obra todo o linguajar do povo do Minho profundo.
Uma das maiores grandezas deste Dicionário de vidas feito, escrito com sons e coração, é ter a capacidade e ousadia de nos contar histórias que nos fazem rir e chorar, pensar e bailar, sentir saudades e olhar o céu, para além dos montes, tal como acontecia na poesia medieval.
Também podemos encontrar em Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo narrativas, plenamente reescritas com as categorias de qualquer diegese, vividas quase em primeira pessoa, o que prova que não estamos perante um narrador heterodiegético, mas sim um narrador, autodiegético e omnisciente. Acrescentamos, então, que temos à nossa frente um verdadeiro contador de histórias, que pega numa simples palavra e, com o engenho e sabedoria de um alquimista, a transforma em ouro.
 Para concluir, quero apenas adicionar, ao que tenho estado a dizer, que mais do que um produto final, de uma colheita qualquer, Palavras, Frases e Expressões do Minho profundo do professor José Augusto é a semente de futuros esforços a serem promovidos por todos os promotores culturais da Nossa Terra.
É URGENTE continuar a recolher, organizar, vivenciar e divulgar todo o tipo de tradições orais da nossa terra. Contos e poemas populares, lendas, adivinhas, lengalengas, anedotas, provérbios, orações, e canções tradicionais… Todo um património que vai morrendo a cada dia, à medida que morrem os únicos detentores desse conhecimento: os nossos pais, os nossos avós e os nossos bisavós. Todo este trabalho deve ser feito com rigor e coração e sempre com o respeito e o cuidado de preservar aquilo que é a identidade cultural dum povo.

«UM POVO SEM MEMÓRIA É UM POVO SEM FUTURO»

- Parabéns, meu amigo José Augusto, e obrigado.


*expressões retiradas do livro Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo de José Augusto Gonçalves

Carlos Afonso

domingo, 26 de janeiro de 2014

UMA TARDE DE DOMINGO EM MIRANDELA



   (Das minhas lágrimas ao sorriso de um homem velho…)

                Os domingos, às vezes, mostram-nos que as lágrimas e os sorrisos são irmãos gémeos, apesar das circunstâncias que os motivam serem diversas e nem sempre justas.
                Neste domingo de janeiro, dia 26, desloquei-me com a família a Mirandela com o objetivo de visitar uma doente muito querida, que se encontra internada no hospital desta cidade transmontana. A doente de que falo, caro leitor, é a minha madrinha, a Dona Antoninha, uma das mulheres que mais amo neste mundo e a maior doceira de Trás-os-Montes.
Vítima de um derrame cerebral, esta idosa senhora de 89 anos, a minha querida madrinha, recebeu-me numa indiferença não costumeira, apenas porque a maldita doença que a colheu assim lho permitiu. Beijei-a na testa, acariciei a sua mão esquerda com a minha mão direita, e apenas recebi, em troca, um abrir de olhos distante.
Os meus olhos choraram! O meu coração tremeu! Mas a razão, na lucidez que a define, puxou-me o entendimento e pediu-me contenção e uma postura de homem. Querendo fazer figura de forte, tentei obedecer, mas o meu sofrimento queria chorar mais!
 Durante o tempo que estive naquele quarto abafado de hospital, e sempre que olhava a quietude parada e pálida da minha amada madrinha, a minha memória de adulto descontrolava-se de vez em quando e saltava para um passado de muitos anos, e algumas recordações de renome vieram à tona da minha existência. De todas as recordações que se abeiraram de mim, a que me deu mais saudades, no meio da minha angústia, foi aquela em que a minha madrinha, no tempo em que tinha apenas nove anos, me fizera um pedido bem singular.
- Meu filho, queria tanto que fosses padre! Depois eu ia contigo… Sabes, meu filho, amanhã vais comigo arranjar o altar da igreja e…
Não aguentei mais! O tempo voltou aos minutos do domingo de 2013 e as lágrimas voltaram em força. Para que ninguém notasse, fixei a janela e deixei-me levar pelo voo de um pássaro, que não consegui determinar a espécie… Seria um estorninho?
Antes de sair do quarto onde minha madrinha jaz quase sem vida, pois a hora da visita tinha terminado, ainda tive tempo de lhe dar um outro beijo na testa. Nesta despedida já não chorei, mas disse-lhe baixinho:
- Madrinha, tens a pele tão macia… Amanhã eu volto… Sabes, Madrinha, não foi o Duarte que comeu a marmelada, fui eu… Desculpa só dizer-te a verdade, hoje, passados tantos anos, mas…
Como os meus filhos quisessem merendar, mal saímos do hospital, dirigimo-nos para o centro da cidade, calcorreando a ponte velha. O rio Tua dormia no seu leito, indiferente a tudo. No céu, o sol mostrava-se envergonhado. Num passeio, encostada à grade da ponte, uma rapariga olhava para um livro bem aberto. Umas tantas pessoas erravam pelo tabuleiro já gasto. E, sem aviso prévio, do outro lado da velha ponte começou a sentir-se um alarido musical crescente. Eu já sabia a causa daquele barulho todo. Na televisão que estava colada à parede da portaria do hospital, reparei que mostrava um programa televisivo que estava a acontecer em direto do centro de Mirandela. Era o «Portugal em festa» da SIC.
Os meus filhos e a minha mulher entraram numa pastelaria. Eu disse que não tinha fome e que ia dar uma volta. Caminhei na direção do local onde estava a acontecer o programa de televisão.
No jardim, as oliveiras já não tinham o seu fruto de eleição, as lojas tradicionais enchiam-se de «Alheiras de Mirandela», «Azeite de Mirandela», «Pão de Mirandela», «Folar de Mirandela». Não sei porquê, lembrei-me de um pormenor bem evidente em Fafe. Eu nunca vi nas ementas expostas nos restaurantes de Fafe a frase que aí devia estar - «Vitela assada à moda de Fafe». Desculpe, amigo leitor, este leve desabafo.
Bem na confusão do «Portugal em festa», reparei em muita coisa. As crianças dançavam! As mulheres estavam felizes! O apresentador da SIC José Figueiras vestia calças vermelhas. O cantor Toy limpava o rosto com um lenço e…
A dada altura, e quando já decidira regressar e ver se os meus filhos e mulher já tinham lanchado, e podermos, assim, voltar para Fafe, um homem velho, abeirou-se de mim, cumprimentou-me e, com um sorriso do tamanho do mundo, disse-me:
- Sorria, amigo. Olhe que festa bonita! As tristezas não pagam dívidas. Anime-se, homem. Quer ir beber um copo comigo?
Não fui beber um copo com o velho homem, mas, muito a custo, sempre consegui recompor a alma, apagar a leve angústia que insistia em molhar-me o rosto e SORRIR.

Carlos Afonso




quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

E O VENTO VOLTOU E O SONHO MUDOU...





         Na vida de muitas histórias, encontramos certas palavras que, e dadas certas circunstâncias, são obrigadas a mudar de lugar na frase, para que o enredo das mesmas possa evoluir e chegar a um epílogo qualquer, ainda que nem sempre o mais acertado, subjetivamente falando, claro está.
            Ora bem! Este meu parágrafo inicial tem as letras necessárias para um qualquer introito, de uma qualquer história, inspirada num qualquer contexto, ocorrido num dia qualquer, no preciso instante em que o vento nos bate de frente e nos obriga a redefinir o caminho a seguir.


C.A

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O SORRISO DO REI…



“(…)as soluções, às vezes, estão bem perto de nós. Basta, apenas, entender a verdade que nos cerca: as raízes de um povo; a naturalidade das paisagens (…)”


Neste mundo de Deus, e de todos os que o habitam, há muitos enredos de histórias que nos dão interessantes certezas. E esta asserção é tão exata que não é preciso pedir às pedras que falem, aos rios que voem ou às flores que ignorem a primavera. O elementar é saber descortinar as soluções acertadas, a partir de indícios ou sementes que nos lançam para as mãos. Não admira, por isso, que eu queira partilhar convosco o que se me desapegou da inspiração:
«Era uma vez um rei que morava numa terra já quase sem nome, onde os seus súbditos já quase não sonhavam e onde as estações do ano já não sabiam o momento exato para se darem ao desfrute. Não era de estranhar que o monarca, que já governara esta terra no tempo das vacas gordas, agora, nestes acinzentados momentos, não tivesse paciência para escutar os conselhos inconsequentes dos seus conselheiros ou esperar, em vão, que as suas vinhas voltassem a dar suculentos cachos e os seus trigais, muito cereal. Às vezes, quase que lhe apetecia despojar-se da sua realeza e afogar-se na desistência, mas, quando voltava a si, apertava a mão direita de encontro à espada, que já tinha sido do seu avô, e só pensava em queimar a praga peganhenta, que o apertava, e voltar a erguer o seu país.
Um dia, e depois de muito penar no meio de tanta apatia existencial, decidiu por pernas ao caminho e descobrir, por sua própria conta, um final feliz para os seus desígnios. Andou, andou, mas o naco de pão, que levava na algibeira, já não tinha sabor. Andou, andou, mas o cavalo, que o transportava rapidamente, já não tinha mais força. Andou, andou, mas a lua, que lhe emprestava a luz, cegara de vez. Andou, andou, mas o sentido dos caminhos, que lhe apontava a meta, esquecera o rumo. Pobre rei!
Já gasto pela desesperança, ordenou aos seus propósitos que, se não encontrasse um fim desejável para tão insustentável situação, deixaria, e agora sim, de ser o que era e não mais se importaria com o destino dos seus súbditos ou as insígnias do seu brasão. E ponto final.
Passada a noite, e depois a manhã, e no preciso instante em que passava entre um outeiro e um vale, o rei reparou num pequeno espaço, torneado por um insignificante muro de pedra, e que tinha, em todo o seu interior, um verdadeiro paraíso. Com os olhos, que a terra lhe há de comer, enxergou, encostado a uma cerejeira florida, um velho homem a dormir, com um corroído livro no regaço. Em redor do ancião, mas dentro do dito quintal, viu ainda outras árvores repletas de cor e vida, pedaços de terreno com fartos legumes de época, um pequeno poço de água cintilante, algumas alfaias agrícolas, um gato estendido ao sol e muita passarada pousada nos ramos a chilrear. Era, de facto, um ambiente repousante e acolhedor, que contrastava, claramente, com a sua inquietude de monarca aflito.
Num ápice, sua senhoria bateu as palmas para ver se chamava a atenção do velho, mas nada. Repetiu, tornou a repetir o jeito e só lá para quinta vez é que obteve resposta. Perseverante nas suas palavras quis logo ali saber a razão de tamanha acalmia, pureza e fartura. Calmoso, em toda a sua compostura, o velho homem, dirigiu-lhe a atenção, sorriu, abriu o livro, leu qualquer coisa, fechou-o e, sem se levantar, sempre adiantou:
- Desculpe-me a cortesia, mas estava a dormir e os meus ouvidos escutavam outras certezas.
Ainda pertinente, o rei logo contrapôs:
- Mas tu não sabes que os habitantes deste grande reino, de que eu sou o suserano, andam tristes e sem sonhos? E só tu, com essa atitude, pareces viver num mudo à parte? Qual é a razão do seu sorriso?
- Desculpe-me, real senhor, se vos ofendi. Eu moro aqui perto, este é o meu quintal, e o meu sorriso é verdadeiro. Ele vem da felicidade que me mora na alma, dos sentimentos que retiro dos livros que leio, da grandeza a que se apegam as minhas memórias, do perfume que se solta das flores, do canto que oiço das aves, da clareza que me oferece o sol, e de eu continuar a poder dormir as minhas sestas – esclareceu o velho.
O rei, agora com uma voz mais humilde, quase lhe implorou:
- Como já reparaste, eu ando preocupado com o mal que me cerca, e não encontro soluções para o meu reino. Gostaria que me explicasses melhor o que acabaste de dizer.
Perante a insistência do rei, o velho ergueu-se com agilidade, convidou-o a entrar no quintal e pediu-lhe que o acompanhasse até ao poço. Depois, pediu à passarada que chilreasse mais baixo, encheu uma pequena vasilha de água fresca e ofereceu-lha. De seguida, acrescentou:
- Sua majestade, farei o que me pedis, mas antes quero que proveis desta água e depois gostaria que sentísseis a realidade que vos cerca.
Durante algum tempo, o velho e o rei foram conversando, ao mesmo tempo que a tarde ia avançando. Já bem perto da noite, um silêncio especial começou a aproximar-se dos dois, facto que facilitou escutar e ver o que há muito tempo não se sentia: O SORRISO DO REI.»
Caros leitores, pelos vistos o nosso rei sempre encontrou a cura para os seus males. Afinal, e como foi bem percetível na pequena história, as soluções, às vezes, estão bem perto de nós. Basta, apenas, entender a verdade que nos cerca: as raízes de um povo; a naturalidade das paisagens; os ensinamentos de um livro; a espontaneidade das aves; a frescura das nascentes; a história das fachadas; o silêncio de um pôr-do-sol; a fragrância das tílias ou o saber de um velho. É aí, aí que a felicidade existe e o amor sorri…


Carlos Afonso

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

No dia em que os cegos começaram a ver…





Neste mundo de Deus, há vários tipos de cegos: os que não veem, porque os seus olhos se cerraram para a luz; os que não enxergam, porque o seu entendimento não os autoriza; os que não contemplam, porque não lhes interessa ver; os que não descortinam, porque lhes esconderam o sol; os que não avistam, porque lhes arrancaram os destinos e por aí fora. O que vale é que o mundo também se contempla com a alma, os gestos e o coração. Os olhos são apenas uma simples circunstância, no meio da farta paisagem que é o mundo.
Francisco, já farto de tanta insensibilidade, e até algum desprezo insano, por parte dos colegas de administração, deu um murro na mesa, fechou o livro e disse:
- Até amanhã.
Saiu apressado da sala de reunião. Ignorou o elevador. Desceu as escadas. Atravessou o átrio. Não cumprimentou o porteiro. Virou à direita. Contornou o gradeamento da empresa. Entrou no café. Sentou-se na mesa mais afastada do balcão. Pediu um café. Esperou um pouco. Tomou o café de um só sorvo. Esperou mais um pouco. Cerrou os olhos. Ignorou o espaço que o sustinha. Olhou no escuro e, após breves instantes, sorriu.
O que será que ele via? Como se pode justificar tão estranha atitude? Será que uma demência qualquer se apoderou do seu comportamento?
Deixemo-nos de deduções e mergulhemos no seu sorriso.
Bem no fundo da sua fúria, causada pela insensibilidade dos seus colegas que não perceberam as suas reais intenções, um sol esverdeado ergueu-se no horizonte e a empresa onde trabalhava o Francisco deu sinal de si. A quase certa falência da mesma levara a que algumas hipotéticas e necessárias soluções fossem apresentadas na reunião da administração. Claro que Francisco trouxe a sua.
Ora se os brinquedos que a sua empresa produzia não estavam a ter a aceitação desejável no mercado, havia que redefinir as estratégias e promover a criatividade. Talvez assim as coisas mudassem de sentido. Foi a pensar nesta possibilidade que o nosso trabalhador da Brincogal orientou as suas disposições.
E por que não associar aos brinquedos excertos de textos de vertente literária? Por exemplo, inserir, numa face dos pequenos, comboios um excerto do poema de Fernando Pessoa que fala do comboio “E assim nas calhas de roda/Gira, a entreter a razão/Esse comboio de corda/Que se chama coração”. Ou gravar um excerto do poema “ Trova do vento que passa” de Manuel Alegre num brinquedo que sugerisse vento. Ou nos brinquedos de praia, excertos, que falassem de ambientes marítimos, de textos de Sophia de Mello Breyner, e por adiante. Assim sendo, poder-se-ia dizer que se estaria perante textos-objecto, com carácter lúdico, pedagógico, literário, carregados de pedaços de vidas. Um dia, quando o brinquedo perdesse a sua utilidade de brinquedo, poderia transformar-se em recordação de estante ou na alma de um poeta. Um dia, quando a criança já não visse no brinquedo a serventia de brinquedo, olharia para ele como a página de um livro ou um suspiro de coração.
Era este sonho todo que morava nos propósitos de Francisco, e que nesse seu cerrar de olhos conseguiu ver, numa outra realidade. Não é preciso acrescentar que nesse dia, e depois de tomar aquele café, e depois da incompreensão dos seus colegas, que o imaginativo trabalhador salvou a sua empresa. Sem sombra de dúvida que o que ele viu e constatou, bem dentro de si, cheirava a um futuro de verde pintado. E porque podia vir a ser útil, e porque eu, narrador de serviço, lho facultei, o nosso amigo roubou do seu produtivo devaneio uma pequena recordação. Era apenas um velho brinquedo, um pequeno carrinho de mão, já rachado, mas que trazia gravado bem no seu interior uma quadra de António Aleixo: “Porque a vida me empurrou/caí na lama, e então/tomei-lhe a cor, mas não sou/a lama que muitos são.” Era, sem sombra de dúvida, um excelente antigo brinquedo, carregadinho de moralidade e estilo.
Quando Francisco reabriu os olhos, a existência, a que nós lhe chamamos realidade, mostrou-se-lhe benignamente airosa. Mais convicto do que nunca, voltou para a empresa. Cumprimentou o porteiro. Subiu as escadas e foi ao encontro dos colegas de administração, que ainda se encontravam, à procura não sei do quê, no mesmo sítio onde os havia deixado.
Admirados, estranharam este voltar de hoje, e não amanhã, sorridente e, estranhamente, persuasor. Sem mais, Francisco colocou o tal carrinho de mão em cima da mesa, sentou-se e entregou-se ao silêncio.
Cada vez mais atarantados, e sem palavras para dizerem, os companheiros de sala entreolharam-se e repararam que as cadeiras se começaram a tornar incómodas. A dada altura, o colega que estava sentado à sua direita, aquele que mais o gozara na primeira reunião, prestou atenção ao objeto que Francisco trouxera, e sempre disse:
- Que interessante! Onde arranjaste isto?
Certo do que ia dizer, o nosso amigo pegou no que restava do brinquedo, e que agora acolhia a quadra de António Aleixo, e declarou para todos os cantos da sala, assim como para os presentes:
- Como não entendestes a minha proposta para salvar a empresa, e porque o vosso discernimento não vos deixou ver a real natureza do meu projecto, fui buscar a maquete a casa.
Nesse mesmíssimo momento, e tal qual o campo ressequido bebe as prenhes gotas de água, e mata a sede, os companheiros de administração do Francisco abriram os olhos e deixaram de ser cegos.


Carlos Afonso 

sábado, 4 de janeiro de 2014

«Da ideia JORNADAS LITERÁRIAS DE FAFE ao projeto JORNADAS CULTURAIS DE FAFE



(Este texto surge da necessidade de dar algumas respostas e esclarecimentos às muitas perguntas que me têm sido dirigidas, nestes últimos tempos, por parte de professores, Presidentes de Junta, responsáveis de várias associações culturais e outras pessoas em particular, relativamente às próximas Jornadas Literárias de Fafe, a realizar em 2014.)

Um grande poeta português escreveu um dia que os MITOS não se inventam, eles nascem e crescem de acordo com a vontade e a necessidade de um povo. E se assim é, não admira, no meu modesto entendimento, que Fafe também tenha vivenciado esse destino ao longo da sua história.

            Desde há uns anos para cá que em Fafe está a ser construído um projeto cultural, sempre em crescendo, com objetivos claros e dignos, cuja seiva que o vai alimentando advém do suor, sonhos, alma, tempo e coração de muitos fafenses.
 Ainda me lembro a hora e o local como tudo começou. Estávamos em outubro de 2009, numa aula de Literatura Portuguesa, altura em que questionei os meus alunos acerca do que iriamos fazer no Projeto Individual de Leitura, componente obrigatória da disciplina. Numa resposta visionária, uma aluna adiantou-me que podíamos estudar os escritores de Fafe e “(…) fazer algo como umas Jornadas Literárias, professor(…)”. Bendita a hora em que a minha aluna disse o que lhe nascera no entendimento, pois, e a partir daí, a nascente do rio começou a jorrar e nunca mais deixou de correr. Assim, e logo em março de 2010, a Escola Secundária de Fafe, o ventre materno das Jornadas, interligou-se com a Câmara Municipal e, em parceria, começaram a erguer tão importante construção: as Jornadas Literárias de Fafe.

            Se no início o rosto do evento, ainda a dar os primeiros passos, era apenas literário e muito ligado aos escritores fafenses, com os anos, outras metas se foram abrindo e outras vertentes culturais vieram à luz do dia. E tudo foi acontecendo e crescendo, porque mais agentes se associaram ao projeto, concretamente, Escolas, Município, Freguesias, Associações e Instituições. Isto é, todo o Concelho de Fafe, imbuído de um só peito e amor a Fafe, ergueram a sua vontade e têm trabalhado em prol das «Jornadas Literárias de Fafe».
Quando olhamos para a bandeira que define as Jornadas Literárias podemos ler e sentir mensagens lindas, sugerindo toda uma unidade que nasce na diversidade das gentes que habitam as terras de Fafe. As suas reais cores, em forma de telhas, idênticas às que cobrem o casario de traça brasileira que enfeita as nossas ruas, mostram que a verdadeira cultura abarca o fio que ata a existência de todos os fafenses. As Jornadas Literárias abraçam e misturam todas as cores políticas, clubísticas, associativas, administrativas, bairristas, etc… derivando daí uma substância incolor e pura: AMOR A FAFE…
            Se a ideia das Jornadas me foi oferecida numa sala de aula, na Escola Secundária, a ideia de fomentar a iniciativa «Fafe dos Brasileiros» veio à luz do dia, quando numa bela tarde, descendo a escadaria da Casa da Cultura, com o livro de Miguel Monteiro, com um título bem do tamanho de dois continentes e um oceano, debaixo do braço, me foi segredado à inspiração para continuar o que tinha sido começado. Dali, fui tomar um café à Brasileira, onde, com ajuda de um papel em branco e uma caneta quase gasta, escrevinhei a intenção de colocar no programa das Jornadas Literárias uma nova visão. E foi desta forma que o passado começou a movimentar-se num presente com futuro. Uma minha participação na «Rota da Desfolhada», em Várzea Cova, ajudou a definir o que faltava.

            Nos finais do Séc. XIX e princípios do Séc. XX, muitos fafenses fomentaram a demanda entre dois povos, Portugal e o Brasil, numa torna viagem com muitos sucessos. No Séc. XX, 1991, Miguel Monteiro, um homem visionário e com muito querer, colocou em livro histórias e rumos, dando-lhe o único título possível: «Fafe dos Brasileiros». Já no Séc. XXI, e porque tinha de ser assim, tive a sorte de poder dar início a uma outra perspetiva que poderá ir muito longe e imortalizar quem de direito e por necessidade. Comecei, assim, a partir de alicerces bem assentes em factos da história e na lucidez e mestria de Miguel Monteiro, a definir uma outra vertente de «Fafe dos Brasileiros».

            Com a ajuda das escolas, freguesias e associações de todo o Concelho e Município, mais um grupo de amigos, tão enlevados pela cultura como eu, a onda branca assomou na praia e foi de ilha em continente e poderá, se os fafenses assim o quiserem, ir até ao fim do mundo. Foi o acreditar numa visão necessária por parte de todo um conjunto de pessoas com alma e crença que conduziu a que novas peças se interligassem ao projeto cultural que se está a fomentar em Fafe.

E foi assim que «Fafe dos Brasileiros» se apegou às «Jornadas Literárias de Fafe».

            No ano de 2013, as Jornadas Literárias brilharam no campo cultural de Fafe, atingindo um patamar muito alto. E bem dentro de toda a sua abrangência e transversalidade, «Fafe dos Brasileiros» mostrou os seus princípios, e que foram muito bem entendidos e ovacionados, na sua capacidade de entrelaçar a cultura, o turismo e a riqueza económica. Mas, e porque a vida é assim, está na hora de melhorar e afinar o novo horizonte que se avizinha. A forma como «Fafe dos Brasileiros» se assumiu leva a que outros caminhos se percorram, situação que tem de conduzir a um desenhar de forma mais global a cultura que se esboça em Fafe.

            Na verdade, foram as «Jornadas Literárias de Fafe» que “pariram” «Fafe dos Brasileiros», mas, agora, está na hora do “filho” voar noutro sentido para poder crescer. Ao criar-se uma nova denominação, como já há muito tem vindo a ser defendida, leva a que não haja confusões e a que a vertente mais etnográfica não choque com a visão mais literária. Assim, as futuras «JORNADAS CULTURAIS DE FAFE» surgirão do conjunto das novas «Jornadas Literárias de Fafe» e de «Fafe dos Brasileiros», a realizar em alturas diferentes e adequadas às circunstâncias e realidades.

            Ora bem, mas para quando esta nova visão e esta diferente perspetiva?
            Quanto às novas “Jornadas Literárias de Fafe”, assentes numa vivência mais voltada para a literatura, onde a escrita, a leitura e a criatividade assumem linhas de destaque, elas realizar-se-ão nos dias 19,20 e 21 de março, englobando o «Dia Mundial da Poesia». A ligação às escolas e a organismos literários será realçada e fomentada.
            Relativamente a «Fafe dos Brasileiros», centrada numa dinâmica cultural, turística e económica, a sua concretização terá que ser desenvolvida numa altura mais propícia, permitindo uma maior utilização de espaços ao ar livre e contando com a presença dos nossos emigrantes.
        Igualmente, terão de desenvolver-se condições, para que as freguesias, associações e as pessoas responsáveis pela sua realização possam deitar mãos ao trabalho e fazerem de «Fafe dos Brasileiros» uma fonte de riqueza para as terras de Fafe. Não convém esquecer o que acontece em Santa Maria da Feira ou em Óbidos. Nesta nova caminhada, pouco ou nada pode fazer um grupo de amigos, onde eu me incluo, com muita vontade e ideias, mas sem as condições necessárias para arrancar e seguir.

            Se as entidades económicas e políticas que regem o Concelho de Fafe tiverem mais ousadia e vontade, libertas de alguns preconceitos e medos, poderão ajudar a construir uma iniciativa muita frutífera para Fafe. Não esquecer que o Município, Freguesias, Associações e muitas pessoas em particular já mostraram do que são capazes. Com mais ajudas e incentivos poder-se-á fazer muito mais e melhor.
Tenho a certeza que «Fafe dos Brasileiros», e se as pessoas que o podem ajudar a fazer quiserem, poderá ser um excelente meio de promover as tradições, a gastronomia, a música, a arquitetura e as memórias de todo um povo, associando a cultura e o turismo com o desenvolvimento económico.
NUNCA PODEMOS ESQUECER QUE O PASSADO, OLHADO COM CRIATIVIDADE E AMOR, PODE CONDUZIR A UM FUTURO MAIS BRILHANTE E FELIZ.
          


                                                                                               Carlos Afonso