sábado, 29 de dezembro de 2012

UM POEMA PARA PORTUGAL



 


Nasci num país repleto de sonhos de mar,
Gerados em almas da cor das manhãs
E presos à imensidade exata dos séculos…

 
Ai… se as aves me emprestassem o seu esvoaçar sem fim
E a cor verde da esperança me cobrisse com o seu manto,
Tecido por mãos que fizeram os muros inquebráveis da história!

 
Escutem! ... Parece que ouvi gritos ávidos de risos e estrelas…
Será a voz do vento a bater nas velas claras das caravelas?

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
Não. Os caminhos percorridos por espíritos destruidores de medos
E de névoas sem rosto
Não rompem os portais do tempo…
Só a teimosia dos quereres, iguais aos de Vieira, Pessoa e Camões,
Podem acordar os fazedores da história
E apunhalarem a mesquinhez deste agora sem luz,
 Estampado nos nossos olhos parados,
Avivando, de novo, a chama que jaz fria dentro dos corações.

 
Basta. A noite não pode continuar a crestar o brilho das madrugadas,
Indiferente a um passado repleto de heróis…

 
Ó Infante sem medo, ó Gama imortal, ó Pedro Álvares Cabral,
Não deixeis roubar as raízes pátrias que engrandecestes…
Firmes como a vontade que vos ata ao leme,
Erguei de novo a espada do império,
Movida por um peito que nada teme,
 E acordai desta noite sem fim
O verdadeiro sonho português.

 
Carlos Afonso

 
 
 
 

 

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

NATAL


 


 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às vezes,
Na frieza dos momentos,
O fundo do desnorte e da pequenez
Aferrolha-nos
Na aspereza da indiferença,
E afoga-nos nas navalhas afiadas dos silêncios.

 
Mas, e porque os ventos também dormem
E as noites desvanecem nas clarezas das manhãs,
Abramos a vontade ao badalar repetido dos sinos,
Quando, nas noites mais frias,
Nos servem as certezas
De que foi em Dezembro
Que se fez o Natal.

 
Crentes nos passos duma estrela
E aquecidos pelos afagos simples dum curral,
Sigamos o rumo certo dos reis magos
E espalhemos,
Por entre as palhas secas da discórdia,
As verdades puras desse amor
Que se ergueu das lonjuras santas de Belém.

Carlos Afonso

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A menina e a estrela de Natal…


 



Amigo leitor, a história que hoje vos quero contar enquadra-se plenamente no espírito de Natal e tem no seu exórdio um acontecimento bem real, ocorrido no Club Fafense, espaço maior da cidade de Fafe, numa altura em que estava a preparar mais um evento cultural. Estávamos em dezembro, era sexta-feira e ainda não passava das seis horas da tarde.

- Ó senhor professor Carlos, qual é a estrela que trago logo à noite? Eu tenho duas muito bonitas, lá em casa – perguntou-me a pequena Joana.

- Olha, traz a mais brilhante.

- Está bem, obrigada – respondeu-me de uma forma afetuosa, para logo de seguida acrescentar mais meia dúzia de palavras – Se precisar de ajuda, diga.

- Para já não preciso. Senta-te nessa cadeira e treina mais um bocadinho o poema que logo vais declamar, está bem?

- Está bem, obrigada.

Sem mais, deixou escapar um sorriso e sentou-se. Desdobrou a folha que tinha nas mãos, concentrou-se no que ia começar a fazer e leu só para ela:

 

«A estrelinha de Natal  

 

No céu apareceu uma estrela

Vinda dos lados do oriente

Três reis vieram com ela

Trazendo consigo um presente.

 

Contentes por seguirem a luz

Que os trouxe até Belém

Os reis encontraram Jesus

Que veio ao mundo para nosso bem.»

 

Joana tem apenas sete anos, anda na Escola Primária, mas a sua graciosidade é tal e o encanto do seu sorriso mostra tanta verdade que nem a estrela mais brilhante, daquelas que incendeiam o céu quente de uma noite de junho, lhe serve como termo de comparação. Como é lindo a realidade de uma criança feliz!

Bem! Depois deste episódio tão salutar, e só para complementar com alguns pormenores, digo-lhe, caro leitor, que a pequena Joana fez uma bela declamação e a noite de Natal que aconteceu no club Fafense, no dia 14 de dezembro, só teve o brilho que teve porque a estrela que ela trouxe de casa brilhou que se fartou.

Ora bem! Quando nessa noite cheguei a casa, e, já embrulhado nos lençóis de flanela, revi o que tinha acontecido no evento cultural. Evento esse que também contara com a participação de alguns dos meus alunos de Literatura Portuguesa, assim como o Coro de Pais e Amigos e outros músicos da Academia de Música José Atalaya, tal como da presença da pequena Sofia, que também foi brilhante no seu papel de atriz. Assim, não só me senti satisfeito como tudo decorreu, como a prestação da minha amiga Joana me trouxe à memória uma outra história muito antiga. Uma história que me foi contada por uma senhora muito velhinha e amada, há muitos anos atrás, na altura em que eu, ainda criança, ajudava a construir o presépio na igreja da aldeia onde nasci, Parada, lá bem no coração de Trás-os-Montes.

Como eu gostava de voltar aquele outrora, meu Deus!

E porque me apetece contá-la, e porque tenho quase a certeza de que foi essa querida velhinha que a inventou, aqui deixo essa outra história, deitada numas palhinhas repletas de saudade, paz e amor!

«Há muitos, muitos anos, numa terra muito distante, um homem e uma mulher tiveram de fazer uma viagem a uma cidade chamada Belém. Essa mulher estava à espera dum filho que estava quase, quase a nascer. Quando chegaram a essa cidade, não encontraram um único quarto para poderem passar a noite, pois todos as hospedarias estavam cheias. Por isso, só conseguiram encontrar um pequeno estábulo para passarem a noite e descansarem da sua longa jornada.

Já bem tarde, e enquanto já toda a cidade dormia, essa mulher deu à luz um lindo menino que encheu de alegria os seus pais. Aquecido pelo colo da mãe e pelo bafo fofinho dum burrinho e duma vaquinha que ali moravam, aquele menino abriu os olhinhos, sorriu e começou logo a brincar.

De repente, e sem que ninguém contasse, uma luz muito brilhante encheu o estábulo e todos os anjos do céu estavam ali para visitarem aquele menino que não se cansava de sorrir e brincar. Cada um dos anjos trouxera como presente uma estrela para oferecer à criança que havia nascido e, por isso, todo o estábulo ficou tão cheio, tão cheio, que não cabia nem mais um fiozinho de luz. Nesse momento, e para espanto de todos, o menino falou e causou alguns embaraços.

 O menino, rechonchudinho de cara, agradeceu aos anjos por lhe terem trazido tantas e tantas estrelinhas, mas disse-lhes com todas as letras que, naquela noite, só queria ficar com uma. Ora os anjos, que tiveram uma trabalheira para arrancar todas as estrelas do céu, admirados, quiseram saber a razão do seu pedido. Eles tinham direito a uma explicação. Com os olhinhos a brilhar e os pezinhos a mexer, o menino disse-lhes que queria que voltassem a colar as estrelas no céu, pois elas tinham que continuar a iluminar as noites dos homens e que, também, elas iriam ter uma outra serventia. Assim, pediu-lhes que todos os anos viessem à terra, no dia 25 de Dezembro, e que trouxessem uma estrela, e que a oferecessem a todos os meninos para que nunca se esquecessem da importância daquela noite, uma noite em que uma criancinha, nascida numa manjedoura, mostrou a todos os homens de boa vontade que o amor é o sentimento mais belo e puro que deve morar nos corações.

Claro que eles concordaram

Desde essa altura, e já lá vão mais de dois mil anos, e sem que nunca se tenham esquecido da promessa, os anjos descem à terra e trazem uma linda estrela de Natal, para que todas as crianças do mundo se lembrem do sorriso daquele menino que nasceu em Belém.»

FELIZ NATAL PARA TODOS e um beijinho para a Joana

                                                                                             

                                                                                                        Carlos Afonso

       

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Uma história de Natal no Club Fafense


Uma história de Natal

 


HOJE, sexta-feira, dia 14 de dezembro, pelas 21h30, o Clube Fafense, de mãos dadas com o espírito de Natal, acolherá na sua intimidade uma noite especial, onde a música, a palavra dos maiores poetas portugueses, os gestos, o coração, a estrela de Belém e o olhar atento de duas crianças serão as linhas perfeitas de uma linda história de amizade e partilha.

Traga a sua família e participe connosco num presépio de Natal verdadeiro e atual.
 
NB. Se por acaso encontrar alguma semelhança entre esta história e o que aconteceu em Belém, na Judeia, há 2000 anos, será mera coincidência.

 

                                               ******

 

Participação especial:

            - Coro de Pais e Amigos da Academia de Música José Atalaya com direção artística de Tiago Ferreira,

            - Piano: Giosuè De Vincenti

            - Flauta: Ana Catarina Costa

            - Percussão: Jorge Silva

            - Violoncelo: Inês Andrade, Luís Cruz

            - Guitarra: Jorge Silva

            - Violino: Joana Martins

             - Augusto Lemos

            - Jovens poetas e atores das «Vozes da Secundária»

            - Duas crianças, filhas de elementos do coro.

 

Coordenação do evento: Carlos Afonso

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A última rosa


 

 
          O mês de dezembro é, por natureza e destino, um mês frio, algo apático, mas, porventura, bastante abençoado, se tivermos em conta o espírito natalício que o veste já na sua reta final. Talvez seja por isso que é neste período de tempo, altura em que nevoeiros enfadonhos se misturam com chuvas fartas e aqueles raios de sol resistentes mas envergonhados, que certas histórias diferentes acontecem e que alguns caminhos insuspeitos se cruzam.

Ora bem! O enredo que hoje quero partilhar com o leitor amigo tem como pano de fundo dezembro, mais precisamente o seu primeiro domingo. O espaço onde tudo aconteceu centra-se bem no coração de Fafe, no Jardim do Calvário, lugar que procuro muitas vezes para me encontrar comigo mesmo e sentir um pouco daquela paz que nos recompõe a existência.

Ainda não eram quatro horas da tarde e por toda a envolvência do jardim apenas se viam não mais de uma dezena de indivíduos com consciência, porque ao sabor das águas do lago, dois cisnes, a quem roubaram a descendência, deslizavam saudosos na sua monotonia. A aragem outonal e a folha persistente de algumas árvores faziam ignorar o parco sol que ainda se desprendia do horizonte. Do longe, escutei o toque estridente de uma ambulância. Quem será o desafortunado ou a desafortunada que ela transporta? Não sei bem porquê, mas passou-me pela cabeça que muito provavelmente devia ser algum homem dos seus quarenta anos que fora colhido por algum AVC.

No parque infantil, do lado esquerdo do Jardim do Calvário, se tivermos em conta a minha orientação, duas crianças brincavam, vigiadas atentamente pelas respetivas mães. Num banco mais encostado ao muro, um par de namorados, entrelaçados numa azáfama ousada, deslocavam-se noutras dimensões. Bem perto de um canteiro, duas senhoras de meia-idade, sentadas e com sobretudos quase da mesma cor, falavam nervosamente e sem preconceitos. Não sei porquê, mas pareceu-me que estavam a relembrar algo que lhes acontecera na feira, mas, se calhar, foi apenas impressão minha. Mais à frente, por cima da pequena ponte, que nunca se cansa da sua intemporal e incómoda postura, um senhor, que me pareceu conhecido, olhava para um tempo que não consegui enxergar, enquanto rodopiava o chapéu nas mãos levemente viradas para a esquerda. Finalmente, e agora preciso de o evidenciar, pois estou a assinalar a protagonista desta crónica, examinei uma velha senhora que jazia inclinada bem por cima de uma roseira.

Pé ante pé, aproximei-me da velha senhora e notei que a sua mão esquerda tentava segurar uma rosa, a que inicialmente não reconheci a cor, pois só passado algum tempo é que visualizei que a sua tonalidade era de um avermelhado vivo. Por incrível que pareça, era precisamente da mesmíssima cor das luvas de malha da dita senhora, pormenor que, na altura, me sugeriu uma leve simbologia de aproximação de sentimentos. Já bem perto do quadro que estou a descrever, tive necessidade se suster uma súbita vontade de tossir. Graças a Deus que o consegui, pois, caso contrário, teria assustado esta encenação verdadeira e não poderia continuar a usufruir do momento.

Parado e o olhar o que me deliciava, notei que a velha senhora acariciava com respeito a rosa, que quieta e bela não protestava, ao mesmo tempo que ia balbuciando, repetidamente, algumas palavras que não consegui entender. Só sei, que de vez em quando ela sorria, (ela… a senhora, claro está) evidência que aconteceu mais do que uma vez. Sem me mexer, deixei-me ficar quieto no meu exterior, mas demais ágil e apreensivo no meu íntimo de observador. Como é que vai tudo isto terminar?

Como o tempo não ligasse ao que de fascinante e mágico estava ali a acontecer, insensível, permitiu que uma vespertina névoa escurecesse um pouco a tarde, circunstância que levou os visitantes do jardim a mudarem os seus desígnios e decidirem regressar a suas casas. As crianças correram apressadas para o portão de jardim, seguidas logo das suas mães que quase corriam também. O par de namorados, apesar de caminhar lentamente na direção de outros encontros, os braços continuavam entrelaçados e aqui e ali um pequeno beijo chamava a atenção do homem de já deixara a ponte e que já pusera o chapéu na cabeça. As duas senhoras de meia-idade também elas seguiram o seu rumo, continuando na sua conversa acalorada. Será que ainda falavam do mesmo assunto?

No jardim apenas ficaram os moradores habituais e, durante mais algum tempo, a velha senhora que, entretanto já deixara de afagar a rosa e eu, que continuava quase imóvel. A dada altura, e porque algo tinha de acontecer ou então a ação não evoluía, a minha companheira de espaço, que sempre soube da minha presença e da minha intromissão, virou-se com naturalidade para mim e disse:

- Sempre que o inverno se aproxima, eu gosto de me despedir da última rosa deste jardim. Faço isto há muitos anos. Sabe, é a minha forma de acreditar que na próxima primavera eu estarei aqui para assistir ao começo de um novo ciclo.

Claro que eu sorri e até prometi a mim mesmo que mal as rosas começassem a florir, eu regressaria ao Jardim de Calvário para contemplar esse novo ciclo da natureza.

Com todo o cuidado, a velha senhora recompôs-se na sua determinação e dirigiu-se à escadaria de saída. Já quase a descer para o primeiro degrau ainda acrescentou:

- A última rosa é mesmo bonita, não acha?

 

Carlos Afonso

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Aconteceu em Fafe...


 


Nessa tarde de Novembro, em plena Avenida 25 de Abril, bem no coração de Fafe, até os carros, os poucos que se davam ao trabalho de correr para o seu destino, pareciam mais cabisbaixos e soturnos. As pessoas, essas então, nem diziam sim nem não, apenas se deixavam levar por alguma conveniência, escondida bem no fundo das suas vontades.

Aqui para nós, e em tom de “mea culpa”, eu era um desses macambúzios que caminhava de mão dada com esta apatia geral. Mas, na verdade, nesta tarde acinzentada, até os jardins circundantes, e que noutras ocasiões têm dado tanto nas vistas pela sua perfumada beleza poética, se escondiam, agora, por detrás de um escorregadio e enfadonho nevoeiro, que envolvia todo aquele passar de horas.

Com as mãos escondidas dentro dos bolsos e os olhos à procura não sei do quê, os meus passos lá faziam o favor de me levar pelos passeios desta extensa avenida, que tem no seu nome, há mais de trinta anos, o rubro vivo da liberdade. E, apesar deste quadro sem muita graça, o meu pensamento, no momento em que esbarrou na abrangência dum espaço tão central de uma cidade de província, deixou-se levar por um leve devaneio, que acabaria por partilhá-lo com a minha disposição. Sentei-me num dos bancos de pedra, que por ali se dispunha, e errei no memorial desta terra, por entre ricos brasileiros, poetas caminhantes, viscondes, morgados, ajustes de contas, e muitos outros momentos da história deste burgo.

Nisto, e no instante em que ouvia, entusiasmado, o discurso de inauguração da chegada do comboio a Fafe, em 21 de Julho de 1907, um grito, aparentemente lúcido, devolveu-me ao meu tempo e a uma tarde que, afinal, e depois de todo um introito que deixava muito a desejar, valeu a pena viver.

(- Ó Costinha, sai da minha frente, se não eu desfaço-te.)

De imediato, os meus olhos, guiados pela estridência do som, colaram-se num vulto que corria, de uma forma desconjuntada, em frente ao café Bar da Praça, na direção do autor do grito, que, entretanto se esquivara por entre a indefinição da obscuridade da tarde.

Para quem não tem o costume de se entrecruzar por estes sítios, provavelmente, ainda não entendeu o que se passou. Mas esta ocorrência, e é com mágoa que o digo, até é bem comum por aqui. Na verdade, a provocação soletrada com malícia e atirada como uma pedra contra o Costinha, agora vou chamar-lhe assim, mas, mais tarde, convém que se diga Sr. Célio Costa, foi mais um dos muitos impropérios lamentáveis, de que este «homem de dom» é vítima. E, ainda antes de mudar de parágrafo para continuar a narrativa, apenas uma certeza em que acredito: é mais lúcido este nosso Costinha, que se move numa involuntária e rija inconsciência, que não o belisca como homem, do que aquele atirador de frases recheadas de uma injuriosa e douta malignidade, e que faz parte desta seita que contamina os carreiros do respeito humano.

Aquela figura de meã estatura, cabelo de um escuro debotado e com um rosto sumido e encardido, corria, assim, numa desorientação turvada, em direção ao seu agressor, que, entretanto se sumira. Os seus olhos tingidos, de um castanho inconsciente, giravam, estonteados, em torno da sua parca parecença e, que de repente, estacaram na minha atenção, fazendo com que a sua correria parasse. Após algum tempo, deixou de me focar e mirou um relógio, que se escondia na manga de um casaco comprido azulado, demorando-se, aí, alguns segundos. (Que horas seriam no seu bendito relógio?) Depois, ao de leve, ergueu o seu olhar, agora mais calmo, voltou-o para mim e sorriu, ao mesmo tempo que proferia um atabalhoado murmúrio, que não percebi. Sem mais, fixou, novamente, o dito relógio, que continuava escondido no tal casaco cumprido azulado, e desapareceu no acinzentado da tarde.

Enlevado com o que acabara de presenciar, olhei o meu relógio, que não estava escondido debaixo do meu casaco, que não era cumprido nem azulado, e reparei que as horas tinham passado. E, após um leve refletir, fixei o espaço por onde o Sr. Célio Costa se havia sumido e sorri também.

Ao longe, o esvoaçar de uma ave mostrou-me que o nevoeiro se esquivara e que as tardes mais enfadonhas não duram eternamente.

 

                                                               Carlos Afonso, 14/11/2009

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A gaivota a quem quiseram roubar o mar…


 

 

        «Era uma vez uma gaivota que morava num velho rochedo, encostado a um mar sem fim. Todas as manhãs, a ave levantava voo e seguia, irrequieta, numa e noutra direcção, mas sempre a roçar a cor do oceano. A sua ligeireza advinha-lhe da amizade que tinha com os ventos norte e leste. A sua beleza foi-lhe oferecida pela maresia. A sua determinação era arrancada, todas as noites, da força das ondas e o seu fado foi-lhe desenhado pelas estrelas. Nunca em toda a sua vida de gaivota deixara de cumprir as suas rotas e desejos, mesmo que se lhe deparassem pela frente tempestades ou sois abrasadores. Mas, numa noite medonha de novembro, o seu destino quase mudou.

            Das profundezas do nada, um nevoeiro muito cerrado ergueu-se, aterrorizador, e envolveu o pobre animal, prendendo o seu fascinante voar. Durante longas horas, a gaivota se debateu com o seu terrível inimigo de cinzento vestido, mais insensível do que as pedras, e nada. A luz dos seus olhos quase se apagou. O seu coração já não sabia o ritmo acertado e as suas penas já estavam cansadas e mortas de sede.

Preocupado, o mar sem fim, que logo sentiu a falta da sua habitual companheira, convocou a força dos ventos, a luz das estrelas e o cheiro da maresia, que, de imediato, se apresentaram, e decidiram por cobro a esta situação.

Como a união faz a força e a verdade dos gestos e do querer é mais vigorosa e bela do que a apatia dos destruidores de sonhos, a ave foi solta e o seu voo foi devolvido ao mar.»

E porque Deus assim o quer, a nossa vida também pode ter finais felizes, basta, para isso, saber reconhecê-los, quando eles nos aparecem bem à nossa frente, ainda que meio sufocados por nevoeiros tingidos de várias cores.

Lutar pelos sonhos em que se acredita é o primeiro passo para a imortalidade.

 

                                                                       Carlos Afonso

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A moeda de vinte cêntimos


     
   Eu nunca imaginei que um homem, numa primeira impressão, me pudesse parecer um pedaço humilhante de gente, principalmente quando me foi contado pelo próprio que, noutros tempos, já fora o rapaz mais valente da freguesia. Quanto ao seu nome, não lho perguntei, muito menos a idade exata que, provavelmente, lhe poderia definir a existência. Apenas lhe gravei o aspeto, a história que me contou e a forma como se desvaneceu na minha realidade.

Estávamos em novembro e as folhas das árvores já tinham pouco préstimo de tão desbotadas que estavam. Fazia frio! Porque me chamou a atenção um quadro sem graça e demais descolorido, parei inesperadamente. Aquietei as mãos nos bolsos e olhei em redor. Pela rua, corriam apressadas algumas pessoas, o mais agasalhadas que podiam, enquanto na pastelaria da esquina, que distava dali uma centena de metros, se aglomerava uma mão cheia de clientes, que não consegui destrinçar o que estavam realmente a fazer. Também não interessa!

De volta à tela revoltada que se me atravessara no caminho, reparei num pobre velho, sentado num banco de jardim, quase encostado a um canteiro despido e sem graça. O seu rosto carcomido, escondido por barbas engrenhadas e sujas, parecia ter mais de cem anos. Os olhos que estendia na minha direção já não tinham cor e não lhe focalizei qualquer certeza ou sentimento. A roupa acastanhada que lhe vestia o corpo perdera há muito a sua utilidade, apenas as suas mãos rugosas e encolhidas procuravam alguma coisa ou talvez não:

- Podia dar-me alguma coisa, por favor?

Aflito, tentei desenvasilhar-me da ocorrência e ainda tentei ignorar o pedido, mas não fui capaz. Com algum discernimento, procurei uma moeda para dar ao pobre homem. Mas… só tinha vinte cêntimos, e… mais nada, pois, se calhar, esquecera-me da carteira em casa. Mas não, não podia ser. Ainda há pouco tempo eu havia comprado o jornal e tinha a carteira comigo. Como tinha o número do telemóvel do rapaz meu amigo, onde comprara o jornal, lá lhe liguei, para ver se a tinha deixado aí, mas nada. Será que perdi a carteira? Onde é que eu a deixei? Será que me caiu do bolso. E agora? Tinha lá os documentos e algum dinheiro. Sem querer passar a minha aflição para o pobre homem que, de certeza, estava em muito piores condições do que eu, peguei na moeda de vinte cêntimos e, com alguma vergonha, sempre lhe estendi a mão:

- Desculpe, meu amigo, mas é só o que tenho. Este é o único dinheiro que tenho. Não sei o que fiz à carteira. Pegue.

Com algum à-vontade, e depois de me olhar com mais afoiteza, pegou na moeda de vinte cêntimos, para logo de seguida ma tentar devolver.

- Desculpe, caro senhor, se essa é a sua última moeda, fique com ela que lhe pode fazer falta. Quanto a mim, agradeço-lhe, na mesma, o seu gesto e que Deus lhe pague. Agora vá para casa e não se aflija porque a sua carteira vai aparecer. Não fique triste.

Claro que eu não aceitei o dinheiro de volta e nem fui para casa. Sentei-me ao seu lado e fiquei por ali mais algum tempo, talvez mais de duas horas. O tempo suficiente para ficar a conhecer a história daquele pobre homem que já fora o moço mais valente da freguesia, e que os seus pais tinham sido uns agricultores remediados lá na aldeia onde nascera. O problema foi a doença que lhe tolheu o futuro e as forças, ainda ele não fizera feito vinte e cinco anos! Contou-me, também, que ficara órfão de pai e mãe, quando tinha apenas dezassete anos, e que não tinha irmãos. Como era de prever, a nossa conversa percorreu vários temas e orientações, facto que me fez esquecer o que tinha acontecido à carteira. Até me contou, sem que eu lho perguntasse, que mais de uma vez estivera para casar, mas que o destino não lho permitira, pois as moças de quem ele gostara, não lhe emprestaram as melhores intenções. Do seu corpo soltava-se um cheiro esquisito.

A dada altura, senti fome, pormenor que me trouxe à memória a carteira, e levantei-me. Mas se eu estava com fome, o pobre velho também devia ter. E agora?

Como que entendesse o que me tolhia o coração, o pobre velho, num esforço que me surpreendeu, ergueu-se a custo do banco de jardim, bateu-me nas costas, circunstância que me fez acelerar o batimento cardíaco, e pediu-me que fosse à padaria e, com os vinte cêntimos que lhe havia dado, lhe comprasse alguma coisa. Mas o que é que se podia comprar com uma simples moeda de vinte cêntimos?

Sem demoras, peguei novamente naquela que já havia sido a minha última moeda e corri para a padaria. Lá chegado, a surpresa foi total, principalmente quando escutei da boca de uma bela jovem de avental azul as seguintes palavras:

-Ó senhor, não perdeu nada?

Meio atarantado, sempre respondi:

- Perdi a carteira, e não sei onde foi.

- Olhe, é esta? Deixou-a aqui um velhote de roupa castanha e com umas mãos rugosas e encolhidas.

- Oh, obrigado! Ainda há gente boa neste mundo! – Acrescentei quase a soluçar.

Claro que aquela carteira era a minha. Que alívio!

Agradeci, mais uma vez, o gesto da bela jovem, verifiquei que ninguém mexera no dinheiro nem nos documentos, e retirei do seu interior dez euros. Depois, comprei um farto lanche que, obviamente, iria matar a fome do meu amigo que deixara no outro lado da rua, e saí apressado. Chegado ao sítio onde devia estar o pobre velho, não vi ninguém. Olhei, tornei a olhar e nada.

Mas onde está o pobre velho?

Como resposta, apenas escutei o silêncio da tarde e um leve calafrio no rosto.

Meti a mão ao bolso das calças, pequei nos vinte cêntimos, que não me pertenciam e coloquei-os, de mansinho, no mesmo sítio onde estivara sentado o pobre velho. Bem ao lado da moeda, deixei também o que havia comprado na pastelaria.

Provavelmente, o meu amigo foi dar uma volta e quando voltar irá encontrará o que era dele por direito.

No dia seguinte, a manhã acordara amena e repleta de sol. Apressado, saí de casa com o único objetivo de encontrar o pobre velho. Dirigi-me ao mesmo sítio onde o vira na véspera e apenas achei o que os meus olhos me mostraram. Sentado no banco, que jazia encostado a um canteiro, estava um simpático rapaz, com um livro numa das mãos e uma pequena moeda na outra, que, de vez em quando, atirava ao ar para logo de seguida a apanhar. A roupa que lhe cobria o corpo era de um tom acastanhado vivo e fino. Quando me aproximei, o jovem olhou-me com clareza e, sorridente, convidou-me para me sentar ao seu lado. Depois, num tom de voz quase familiar, falou-me:

- Bom dia! Então sempre encontrou a carteira?

As suas mãos já não eram rugosas nem encolhidas.

 

 

                                                                                                                                    Carlos Afonso

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Entre a vida e a morte


 

 
Nasce-se de ventres prenhes de esperança,
Donde a clareza sedenta de futuro
Se ergue por entre choros de Vida…

 Depois…
Cresce-se ao sabor dos dias,
Toca-se em cristais de sonho,
Beijam-se luares claros,
Dorme-se no perfume dos lírios
Apontam-se certezas,
Colhem-se encruzilhadas, 
Libertam-se passos definidos,
Erguem-se castelos de areia,
Atiram-se pedradas cinzentas,
Ouvem-se palavras sinceras,
Roubam-se momentos inocentes,
Afagam-se pores-do-sol sem volta,
Dizem-se verdades escondidas,
Semeiam-se searas ao amanhecer,
Sobem-se escadas incertas,
Comem-se frutos amargos,
Constroem-se noites sem estrelas,
Oferecem-se rosas sem espinhos,
Mergulha-se em rios parados,
Tropeça-se em caminhos de enganos
E …
Basta.

  Acabou-se o tempo.
As portas cerraram-se,
O horizonte escondeu-se no ocaso,
As aves perderam-se na escuridão,
E o silêncio…
Ergueu-se por entre choros de Morte.

Carlos Afonso

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O velho poeta


 
 

 
            Conta-se que um velho poeta perdera a inspiração e arte de escrever devido à canseira e insatisfação colhidas na realidade materialista e escura em que o seu país vivia. Muitas eram as vezes em que, e numa forma de esconder a sua existência quase vazia, se sentava numa cadeira de muitos anos e ali passava horas e horas, com as mãos a taparem os seus olhos negros e gastos, numa apatia sem precedentes. Até parecia que já não havia nada a fazer!

Quase sem querer, o velho poeta, numa manhã de Setembro, e já quando as folhas haviam perdido o seu fulgor e substância, sempre arranjou forças e, numa atitude quase de desespero, ergueu os olhos ao céu e implorou a Deus que libertasse o seu país da escuridão e sofrimento em que vivia.

Comovido pela sinceridade de tal pedido, nessa mesma noite, Deus atendeu aos desejos do velho poeta e, sem demoras, colheu as estrelas mais belas do céu, descolou, do seu livro sagrado, as palavras mais perfumadas e escolheu, nos cânticos dos anjos, as melodias mais suaves. Depois, e com todo o poder que O define, transformou tudo em orvalho fino, para, logo de seguida, o espalhar pela terra.

Na manhã seguinte, e quando abriu a janela do seu quarto, o velho poeta reparou que o prado que se estendia à sua frente mostrava uma rara e perfeita beleza de tempos idos, iluminado por um sol ameno e luminoso, mas não havia flores. Reparou, também, que na mesa da sala, num lugar bem visível, se encontrava uma folha amarelada com uma pequena frase e que dizia o seguinte:     

- Velho poeta, mete os pés ao caminho e procura a fonte dos sentimentos e dos sonhos obterás o desejo que anseias. Se a conseguires encontrar, o teu país voltará a ter sorrisos e flores.

Apressado, e sem saber ao certo onde poderia encontrar a dita fonte dos sentimentos e dos sonhos, saiu de casa, pegou num gasto cajado e deu início a uma longa caminhada.

Passado muito tempo, ao passar por debaixo de uma figueira, encontrou uma cigana de rosto seco e com umas mãos tão esguias como o vento. Com algum receio, perguntou-lhe se sabia onde ficava a fonte que procurava. Sem que muitos segundos tivessem passado, a cigana, não lhe dirigiu qualquer palavra, indicou-lhe apenas uma direção perdida na distância. Algo frustrado, fingiu entender o gesto e continuou a sua demanda. E andou… andou…

Quando cruzava um povoado abandonado, reparou numa criança que, solitariamente, brincava com uma bola descolorida que, repetidamente, atirava contra uma parede, uma vez que ela retornava sempre. Também à criança perguntou se sabia onde ficava a fonte dos sentimentos e dos sonhos, mas também ela lhe apontou a distância.

Numa permanente procura que o levou, dias e dias, a percorrer montes e vales, caminhos e outeiros, virando à esquerda e à direita, subindo e descendo, verificava que apenas encontrava figuras solitárias, alheias nos seus afazeres e que lhe respondiam da mesma forma que o fizeram a cigana e da criança. Quanto à tal fonte, nem um mínimo vestígio.

A dada altura, e para seu espanto, constatou que voltara ao ponto de partida, isto é, à sua casa. Cansado e cabisbaixo, entrou, sentou-se na cadeira de muitos anos e por ali se deixou ficar. Lá fora, o sol ainda continuava a brilhar, mas, no que diz respeito às flores, nem uma para a amostra. Bem dentro do velho poeta, continuava a habitar o silêncio e a desilusão. Mas, e como que enviada por uma força superior, uma borboleta de mil cores entrou pela janela e foi pousar numa das mãos do velho poeta. Este reagiu instintivamente, levantando-se de imediato e sacudindo o pobre bicho. Meio embrulhado naquela reação do velho, a borboleta lá se conseguiu erguer no ar e esvoaçar durante algum tempo pela sala, para finalmente pousar em cima de um caderno usado, que jazia caído no chão, para, logo de seguida, voltar a levantar voo e sair pela janela fora.

Como que tomado por um sinal que lhe fora enviado, o velho poeta dirigiu-se para perto do caderno usado, caderno esse que era, nem mais nem menos, o sítio onde costumava escrever os seus poemas, na altura em que tinha vontade de o fazer, tomou-o nas mãos, abriu-o e teve o desejo de voltar a ser um verdadeiro poeta.

Já sentado na cadeira de muitos anos, e numa ânsia já quase esquecida, o velho poeta não cobriu os seus olhos negros e gastos com aquelas mãos repletas de desânimo, que ultimamente o guiavam. Não, bem pelo contrário. Ele, agora, como que sentia correr dentro de si uma fonte farta de sentimentos e de sonhos que o impeliam a gravar nas folhas do caderno um poema que parecia não ter fim. Quando o acabou, continuou com o caderno aberto, ergueu-se satisfeito, aproximou-se da janela, olhou o céu, sorriu e no seu amado país voltaram a nascer flores e esperança.

Afinal, o velho poeta sempre encontrou a fonte, que durante tanto tempo procurara, e que nunca havia deixado de correu bem dentro de si. O problema é que os seus olhos de homem e a negritude, que atrofia os corações dos que não amam, lhe haviam escondido a verdade dos sentimentos e a força dos sonhos.

                                        Carlos Afonso

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Oficina de escrita criativa VIAJAR PELAS PALAVRAS


         Com os objetivos de desenvolver, de forma lúdica, a expressão escrita, promovendo formas alternativas de expressão e de  desenvolver métodos e técnicas de planificação e produção de diferentes tipos de texto, o Núcleo de Artes e Letras de Fafe promove a oficina de escrita «VIAJAR PELAS PALAVRAS» sob a orientação do professor Carlos Afonso.
          As inscrições são limitadas e devem ser feitas ou através do número de telemóvel 964016861 ou dos endereços nalf@sapo.pt   ou carlosferreiraafonso@hotmail.com.
          Esta iniciativa que se desenvolve nos dias 3, 10 e 17 de Novembro, com as sessões "Escrever porquê e para quê", "Pega na palavras e caminha" e "Conta-me a tua história", respetivamente, das 10h às 13h, na Biblioteca Municipal, como se pode ver no programa.
        Como motivação, este evento será antecedido do sarau cultural «As palavras dizem o que sinto» como motivação. Neste sarau motivação, que tem por base um conto original de Carlos Afonso, participam os Escritores: Jorge Oliveira, Artur Coimbra, Augusto Lemos, José Rui Rocha, Pompeu Martins, Carlos Afonso, Acácio Almeida, Conceição Antunes, José Peixoto Lopes, os jovens poetas das Vozes da Secundária e a poetisa brasileira Carmen Cardin que apresentará o seu último livro «A música das estrelas». Para enriquecerem o momento, também participam os Músicos da Academia de Música José Atalaya convidados: Coro de Pais e Amigos da Academia de Música José Atalaya sob direcção de Tiago Ferreira; Ana Catarina Costa (Flauta); Giosuè Di Vincenti (piano); Eduardo Teixeira; Simão Silva; Pedro Marques e Alex Fernandes (saxofone); Filipa Daniela Leite e Tânia Carina Ferreira (Clarinete).
 
“ Escrever é também não falar. É calar-se. É gritar sem ruído”
Duras, Marguerite