segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“O Sítio Onde Moram as Cores do Arco-íris”



Naquela tarde de fim de primavera, a sala de aula mostrou-se diferente a Maria. As palavras que a professora pronunciara tinham entrado de rompante no seu entendimento, e tudo por causa da estranha pergunta que a professora havia lançado aos alunos.
- Meninos, algum de vocês conhece o sítio onde moram as cores do arco-íris?
A pergunta tão especial, e inesperada, ninguém respondeu. O silêncio tomou conta da sala e todos os lábios se aquietaram receosos. Apenas o olhar azul de Maria se remexeu na sua curiosidade. Na verdade, só a bela menina de oito anos, quase sempre irrequieta na sua forma de ser, mostrou o interesse necessário de descobrir tão mágico lugar.  
Terminada a escola, Maria regressou a casa, entrou no quarto, arrumou a pasta vermelha ao seu canto costumeiro e fitou a luz cintilante que entrava pela janela. O seu olhar continuava inquieto e à procura de uma só resposta. A pergunta que a professora havia feito continuava a percorrer-lhe o pensamento: «Meninos, algum de vocês conhece o sítio onde moram as cores do arco-íris?»
 Sem mais, a pequena Maria espreitou a ver se não havia ninguém e saiu de casa. No céu, duas pequenas aves voavam apressadas e o sol continuava bem amarelo. Ainda não eram seis horas da tarde.
 Ora correndo, ora caminhando apressada, Maria nem sequer olhava para trás. Para a frente era o seu destino. Os campos pintados de verde estendiam-se em seu redor, confortados pela brisa amena que se soltava de leste. A dada altura, e porque o cansaço também faz parte de qualquer demanda, ela sentou-se numa pedra que para ali estava, encostou o rosto ao silêncio do momento e quando já adormecia, uma voz calma e doce trouxe-a de volta.
- O que estás aqui a fazer? – perguntou um velho que, sem se saber como e de onde, ali apareceu.
Um pouco assustada, Maria ergueu-se, fitou o homem e teve medo! Como o rosto do seu interlocutor lhe manifestasse alguma confiança, aquietou o coração e sempre conseguiu dizer:
- Eu…eu ando à procura do sítio onde moram as cores do arco-íris.
Como que já estivesse à espera de tal resposta, o velho colocou um sorriso nos lábios e, com um gesto simpático, apontou-lhe a direção do norte. Entretanto, com uma disposição de perfeita simpatia, tirou de um bolso, do seu gasto casaco, um pequeno mapa, que colocou nas mãos de Maria, e onde se desenhava uma meta assinalada. Depois, sem mais, desapareceu no alaranjado do crepúsculo vespertino que naquela altura se iniciava. Maria levantou-se, agradeceu e seguiu os desígnios que o velho lhe apontara.
Se por entre vales e outeiros, Maria tentava encontrar o sítio onde moram as cores do arco-íris, em casa, seus pais viviam momentos aflitivos. Sem saberem notícias de sua filha, procuravam-na pelos lugares mais óbvios, mas nada. E foi no meio deste alvoroço todo, que um grupo de colegas de Maria decidiu também procurá-la.
Dispostos a encontrar a Maria, o grupo de amigos meteu os pés ao caminho e seguiram a direção do norte. Num dos prados por onde passaram, a cor violeta de umas flores silvestres, acomodadas em redor de um penedo antigo, ainda despertaram a sua curiosidade, mas o seu objetivo era outro e continuaram em frente. Com a noite a romper no horizonte, muitas preocupações começaram a surgir, o que levava a que nenhuma das crianças reparasse que as estrelas já começavam a despertar no céu.
Onde estaria Maria? Por onde andaria a sua colega de escola?
Com a escuridão a cobrir o horizonte e o caminho a seguir, uma gruta na encosta serviu para eles se abrigarem e passarem a noite. Como as circunstâncias não permitiram que o sono habitual chegasse a horas decentes, o contar de algumas histórias e o recordar dos passos que a sua amiga tinha dado nos dois últimos dias, antes do seu desaparecimento, ajudaram a passar o tempo. Só pela madrugada, os olhos se cerraram até ao momento exato em que um estrondo forte os acordou.
Uma invulgar trovoada de maio espraiava-se pela manhã, sem ter de esperar pela tarde, como é habitual acontecer. Se raios e trovões afligiam os espaços, uma chuva persistente obrigou os seis amigos a continuarem no seu local de abrigo. Só por volta da dez da manhã, é que tudo acalmou, e permitiu que se preparassem para continuar a procurar Maria. Mas não foi necessário fazê-lo, porque o destino se encarregou de tudo.
Quando abandonavam a gruta, e para surpresa das partes, deram de caras com Maria que, tal como eles, se abrigara ali perto, numa outra gruta, escavada mais abaixo. Afinal, eles passaram a noite quase juntos, apenas separados por poucos metros, naquele lugar, situado a norte da vila onde residiam.
E porque tinha de ser assim, muitas perguntas surgiram, para uma só resposta.
- Maria, por que fizeste isto?
- Por que não nos dissestes nada?
- Já imaginaste a confusão que arranjaste?
- Não tiveste medo?
Num tom de quem ainda não encontrara o que procurava, Maria fixou-os com o olhar e, sem mais, adiantou:
- Calma. Eu estou bem. Eu apenas vim à procura do sítio onde moram as cores do arco-íris. Qual é o problema?
- Qual é o problema? O problema é que andámos para aqui à tua procura, e agora os nossos pais também devem estar aflitos, - acrescentou um dos colegas.
Como quisessem continuar a discussão, um grito agudo, fez com que todos olhassem o céu já liberto da chuva matinal e agora pintado de beleza.
- Olhem. Lá no alto. Que bonito! É o arco-íris. Tão grande!
                Satisfeita, Maria pregou os olhos no céu, e por lá os deixou ficar por muito tempo. Depois, com um sorriso enorme, disse bem alto:
                - Encontrei-o. Este é o sítio onde moram as cores do arco-íris…

“Nunca encontrarás o arco-íris se estiveres sempre a olhar para baixo.”

Carlos Afonso

                 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um conto de Natal ... « UMA VELA PARA JESUS»



            Na aldeia onde morava, Alcina era a menina mais sorridente e a mais atenciosa para com todas as pessoas. Com apenas sete anos, esta simpática criança de cabelos pretos, e de olhos quase da mesma cor, tinha por costume oferecer gestos meigos e de ajudar a velha Luísa do Largo a dar de comer às suas pombas, que habitavam às dezenas no pombal do Cabeço. As pernas da senhora de setenta anos já não eram o que em tempos foram e a ajuda de Alcina vinha mesmo a calhar. Claro que a velha Luísa não gostava de ficar a dever favores a ninguém, e muito menos à pequena Alcina que, infelizmente, tinha o seu pai desempregado e o dinheiro lá em casa não abundava. Retribuía-lhe a ajuda com bolachas, roupa, alguns trocos que sobravam da reforma, para além de outras pertenças sempre de grande utilidade.
            Com a mãe a trabalhar na vila e o pai à procura de emprego longe da aldeia, quando acabava a escola, Alcina corria para casa, lanchava, dizia olá à vizinha que morava na casa ao lado da sua e depois corria para ajudar a velha Luísa. Os deveres que trazia da escola ficavam para a noite, à espera da ajuda preciosa do pai. E eram assim quase todos os seus dias.
            Com a chegada das férias de Natal, o tempo de Alcina ficou mais sobrado e as suas brincadeiras de criança espalhavam-se por toda a aldeia. Era um regalo ver a felicidade estampado no rosto que Deus lhe deu.
Chegada a noite de vinte e três de dezembro, um pedido de ajuda da catequista Rosa fez com que Alcina ficasse mais feliz. Na verdade, a catequista pediu à criança que, nessa noite, a fosse ajudar a fazer o presépio.
Claro que ela foi, e com muito gosto!
Ainda o relógio da torre não tinha dados as dez horas e todo o presépio já estava prontinho. Diga-se de passagem que nunca o presépio da aldeia tinha ficado tão original e bonito. De certeza que todo aquele bom gosto tinha partido de Alcina. Para além de todas as imagens que enfeitavam a gruta do menino Jesus e encostas em redor, destacava-se, bem lá no alto, um castiçal dourado com uma vela já meia usada. Como não havia estrela, foi o que se conseguiu arranjar.
Será que daria um belo efeito? Só experimentando. E foi o que a despachada Alcina fez.
Com a catequista e as outras ajudantas sentadas no banco em frente ao presépio, coube à pequena o gesto inaugural. Mas, e porque uma vontade, vinda lá do fundo do coração, se espalhou bem à sua frente, a simpática criança, antes de acender a vela, virou-se para a catequista e perguntou:
- Antes de acender a vela, será que posso pedir um desejo ao menino Jesus?
- Claro que podes, Alcina:
E ela… ajoelhou-se, benzeu-se e pediu:
- Menino Jesus, por favor, pede ao teu pai que arranje um emprego ao meu. De certeza que ele, como está no céu, conhece muitos patrões. Obrigado e desculpa!
Depois de se voltar a benzer, levantou-se, acendeu a vela e sentou-se no banco, ao lado das outras, para ver o efeito da vela.
Que maravilha! Como a luz da vela brilhou! Nunca o rosto de Jesus, Maria e José ficaram tão iluminados…
Na manhã seguinte, o telefone tocou, o pai atendeu e...
- Alcina, Alcina, acorda. Tenho de sair já. Por favor, ajuda-me. Tenho de estar daqui a uma hora no emprego, pois amanhã é Natal e eles, hoje, fecham à uma da tarde. Uma empresa de construção civil aceitou-me como carpinteiro. Ai! Quando a mãe souber…
Alcina, levantou-se, abriu a janela e olhou o céu. Depois, baixinho disse:
- Obrigado, Jesus. Agora tenho de ir…


Carlos Afonso

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

SENTIR O CORAÇÃO é mais um desafio que quero abraçar e partilhar…





Ao longo da minha vida, vários foram os momentos em que que peguei nos sonhos e os transportei para a perto da realidade. Na verdade, para que servem os sonhos se não lhe tentarmos dar existência?
Eu sei que os caminhos se fazem caminhando, guiados pela vontade, trabalho, interajuda, partilha e pelo gosto imenso de partir. Porque, mais importante do que chegar é partir. E eu gosto imenso de começar o trilho dos caminhos.
Poderia estar aqui a enumerar os muitos momentos concretizados ao longo deste meio século de vida, mas não o vou fazer, pois, se calhar, ainda estou em pleno andamento na direção de metas ansiadas, uma vez que em cada porto de chegada mora sempre um porto de partida.
As «Jornadas Literárias de Fafe» e o evento cultural «Fafe dos Brasileiros» foram duas iniciativas de que muito me orgulho de ter trazido à luz e de lhes ter apontado a porta para que pudessem iniciar a jornada a que estão destinadas. Nunca sozinho, mas sempre de mãos dadas com Fafe e as suas gentes, (milhares de pessoas), com coração, alma, engenho e memória. A sua jornada é longa, e ainda é necessário continuar a percorrer o destino destas duas iniciativas culturais, essenciais para quem acredita nelas. Eu acredito e muitos fafenses também. Por isso, e enquanto achar que o céu também mora nelas, continuarei a esgravatar em torno do seu significado, interesse e com sabor a Fafe e à cultura. O que seria da vida dos homens se em cada fim de tarde morresse o dia para sempre…
E é neste permanente calcorrear sonhos e nasceres do sol que surge o movimento «SENTIR O CORAÇÃO». Mas que entendimentos se poderão dar a este novo começo. Para mim é algo muito simples e nem sequer é original, pois a solidariedade é uma mais-valia do homem. E ainda bem que assim é!
Partilhando a ideia sonhada com os meus alunos de Literatura Portuguesa e alguns colegas de profissão e outros amigos, veio à ribalta o desejo de pegar na grandeza da palavra e da sua capacidade de se transformar em versos, frases e livros e colocá-la ao serviço de quem dela precisa. Oficinas de escrita, momentos literários, conversas com sentido e partilha de instantes, interligados pelo espírito da amizade, solidariedade e respeito humano, serão o começo para muitas pontes.
Se um dos primeiros objetivos do movimento «SENTIR O CORAÇÃO» é ajudar a construir histórias com final feliz, escritas no papel ou nas vidas, uma outra vertente é construir sorrisos e encontrar o sítio onde foram feitas as cores do arco iris.
O Lar das Crianças de Revelhe, Fafe, será o primeiro porto de partida deste movimento solidário. Contamos com todos para este novo caminhar…

Com palavras se constrói uma história,
Com gestos se alimenta um sorriso,
Com passos se percorre uma vontade,
Com beijos se edifica o amor,
Com sentimentos se sente o coração!

Carlos Afonso








sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O pastor e a princesa das terras de Monte Longo



        

Naquela manhã, Nívea, (vamos chamar-lhe assim para que o anonimato necessário se mantenha), uma minha aluna de Literatura, não estava feliz! Os seus olhos, e ao contrário do seu costume, não deixavam passar qualquer réstia de alegria e o seu rosto inquieto parecia sofrer muito, situação que me deixou preocupado e deveras curioso para o que se poderia estar a passar. Apesar de a questionar acerca do seu estado mais do que uma vez, uma sua indiferença triste nada me disse. Foi a sua colega do lado, que se sentiu na obrigação de ajudar, bem ao de leve:
- É o amor, professor! Nem só Garrett e Camões sofreram por ele!
Admirado pelo que acabava de ouvir e conduzido pelas circunstâncias do momento, afaguei com algum nervosismo o cabelo, abri a boca e disse:
- Sabem que mais, vou contar-vos uma história. Pode ser?
Claro que podia ser. Nívea dirigiu-me a sua atenção, tal como toda a turma, e eu contei:
«Há muitos séculos atrás, nas terras de Monte Longo, vivia uma linda princesa, herdeira de todo um território que aguçava a ambição de muitos pretendentes, ansiosos por desposá-la.
            A linda princesa, detentora de um forte engenho e amor pelo próximo, tinha cabelos cor de ouro, mãos de prata e o seu olhar era do tamanho do luar de agosto. O seu pai, um rei já velho e cansado, via nela uma herdeira à altura das suas vastas terras de Monte Longo. Mas, para que tudo corresse às mil maravilhas, era fundamental que sua filha casasse o quanto antes, pois a morte não deveria demorar muito.
            Muitos foram os pretendentes da princesa, mas nenhum obtivera a aprovação desta, motivo de aflição para o velho rei e toda a corte. Pelos vistos, todos aqueles rapazes, oriundos de variadas famílias nobres de todo o Portugal e até da Espanha não tinham o que ela procurava.
E agora? Como é que o rei iria resolver o grave problema?
Vivia naquelas terras de Monte Longo, num lugarejo escondido entre carvalhais e pauis, um jovem pastor, rapaz ajuizado e amante do seu trabalho de guardar ovelhas durante todos os dias do ano. Servo de um avarento fidalgo, não usufruía qualquer dinheiro em troca do seu labor, apenas uma pequena parte do leite dos animais, porção essa que mal chegava para a sua sobrevivência e de sua mãe, uma pobre mulher doente e viúva. Mas, e apesar da sua condição, era um rapaz feliz e detentor de uma grande paixão pela linda princesa, a filha do seu rei.
Consciente do seu amor impossível, o jovem pastor apenas confidenciava os seus sentimentos a um pequeno cordeirinho, que, na sua postura de animal irracional, se deixava apegar ao colo e até parecia que o escutava. Assim, e quando ele partilhava as suas palavras de amor com o cordeiro, este apegava-se ao seu dono e ali se deixava no aconchego.
Num belo dia de primavera, os campos estavam cheios de flores e de todos os cantos se faziam ouvir a chilreada alegre da passarada. E foi por cauda deste dia maravilhoso que a linda princesa decidiu dar um passeio pelo campo na companhia das suas aias.
Ora bem, o jovem pastor parece que estava com sorte, pois mal se apercebeu da presença da sua amada, as paragens onde guardava o seu rebanho, resolveu logo oferecer-lhe um presente. Como não achasse nada à altura da princesa, lembrou-se que a única coisa que poderia oferecer era o cordeirinho. Se bem o pensou, logo o executou. Pegou no animalzinho ao colo e, com todo o respeito e carinho, ofereceu-o à princesa. Esta agradeceu o seu gesto, mas nem sequer se dignou reparar no rapaz. Pegou no cordeiro ao colo, olhou-o nos olhos, correu para o palácio e fez do pequeno animal o seu maior amigo, que até dormia num pequena casota, num canto do seu quarto. Quanto ao pastor, esse resignou-se com o facto de que, pelo menos, a princesa partilhava com ele uma mesma afeição: o amor pelo cordeiro.
O tempo foi passando e o cordeirinho foi crescendo, sem nunca perder o afeto da princesa. Numa tarde de muita chuva, daquelas que nos fazem ter medo, chegou ao castelo um alto rapaz, em cima de um forte cavalo, filho dos abastados condes de Basto, com o objetivo definido de pedir a princesa em casamento, pedido este que foi logo aceite pelo rei, mas não pela princesa. E porque os maus instintos também afetam as gentes de bem, o velho rei tratou logo de arranjar uma estratégia para obrigar a filha a casar com o recém-pretendente.  Assim, e em segredo, o rei e o filho dos condes de Basto decidiram simular o rapto da princesa e, desta forma, arranjarem um estratagema para que se pudessem casar.
A noite estava escura, e tal como o combinado, um vulto silencioso subiu por uma escada e, quando se preparava para entrar no quarto da princesa pela janela, o cordeiro, que se havia apercebido do que estava a acontecer, tratou logo de, com uma marrada certeira, atirar da janela abaixo o raptor da princesa.
Na manhã seguinte, o filho dos condes de Basto, mal se podia mexer, até parecia que tinha caído de uma alta parede. Claro que tinha sido ele o fracassado raptor, que, e mal se havia recomposto da queda jurou acabar com a vida do cordeiro. Pelo menos o maldito animal não se voltaria a meter entre ele e a princesa. Assim, e com a concordância do rei, o cordeiro foi levado para muito longe, para um sítio onde ninguém o encontrasse. Este desaparecimento do animal deixou muito triste a princesa, que se via agora sem o seu fiel companheiro.
E porque uma vez não tira a segunda, a infeliz princesa, numa outra noite de breu, sempre acabou por ser levada pelos braços malévolos do filho dos condes de Basto, acoberto da ajuda de alguns compinchas. Satisfeito por ter na sua posse tão valiosa prenda real, tratou logo, no matagal mais próximo, sob a proteção do escuro, de prosseguir com os seus intentos e de fazer da linda donzela, e ali mesmo, sua mulher. Mas nada correu como o pretendido, porque, alertado pelos gritos abafados da princesa, o jovem pastor acorreu rapidamente e salvou-a das garras do seu algoz. Com a cabeça a sangrar da forte paulada do cajado do pastor, o filho dos condes de Basto meteu as pernas ao caminho e desapareceu, para nunca mais voltar.
Satisfeito com o seu ato de coragem, pegou na princesa e, encostando-a peito, levou-a de volta para o palácio do rei, para desilusão de tão insensato pai.
Já arrependido do que havia conspirado com o filho do conde, quis recompensar o corajoso pastor, dizendo-lhe que podia pedir o que ele quisesse como recompensa, pois ser-lhe-ia dada. O pastor, não tendo força bastante para pedir a mão da princesa, limitou-se a solicitar o cordeiro de volta, pedido que não foi atendido, uma vez que ninguém mais o vira, apesar de ter sido procurado no lugar onde tinha sido escondido.
No outro dia, e já recomposta o sucedido, a princesa apareceu deslumbrante e sorridente no banquete em honra do pastor, sentando-se sem qualquer cerimónia a seu lado. Instintivamente, os dois olharam-se intensamente e, apesar de ser a primeira vez que o faziam, a princesa reconheceu no olhar doce do rapaz uns olhos seus conhecidos. Depois, voltando-se para o velho rei disse:
- Meu pai, é meu intento casar com este valente pastor, se ele assim o desejar e você mo permitir.
Claro que o pastor aceitou tão real pedido. Claro que o pai atendeu ao rogo da filha, e pouco tempo depois, os dois casavam-se com pompa e circunstância para gaudio de todo o reino.»
Terminada a história, os alunos sentiram-se agradados com a mesma, apreciação que Nívea também partilhou.
No final da aula, e com o seu sorriso costumeiro e já afastada da indisposição angustiante do início da aula, deixou sair todos os colegas, abeirou-se de mim e ofereceu-me quatro pequenas frases que não esquecerei.
- Obrigado, professor, já me sinto melhor. Eu percebi a moralidade da sua história. A esperança é a última a morrer. Se nós acreditarmos a sério nos nossos sonhos, eles realizar-se-ão.

Carlos Afonso

  


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A RAPARIGA DAS CASTANHAS

                                             


            Nessa manhã acinzentada, mas sem chuva, o Francisco pegou nos livros e foi para a escola. Mas quando passou pela Padaria Silva, e porque achava que ainda tinha tempo, e porque ainda não tinha tomado o pequeno-almoço, decidiu entrar.
            Como os pais tinham de se levantar sempre cedo, para ir trabalhar, Francisco, e apesar de ser sempre acordado à mesma hora, pela sua música de eleição, que o seu telemóvel Nokia lhe oferecia, gostava sempre de ficar mais um bocadinho debaixo dos lençóis, por isso é que muitas vezes não tinha tempo de comer. Só no intervalo das dez horas é que comia qualquer coisa no bar da Escola Secundária. Mas nessa manhã decidiu-se pela padaria Silva, pois os três euros que a avó Alcina lhe dera no fim-de-semana, ainda se escondiam num dos bolsos das calças de ganga. Sentou-se, pediu um bolo, um sumo e meia dúzia de chicletes e, calmamente, lá foi mastigando a farta ementa, enquanto ia discorrendo os olhos pela televisão, que passava breves resumos dos jogos de Domingo. O problema é que o tempo foi passando e, quando deu por ela, Já eram 9 horas. É bom que se diga que a sua aula de História começava às 8horas e trinta, tal como todas as outras, e meia hora de atraso era demasiado tempo. Sem se chatear muito pelo sucedido, e uma vez que não tinha faltas, lembrou-se de ir passear para o centro da cidade. Pegou na sacola, colocou-a às costas e lá foi.
A Manhã nem estava fria nem quente, apenas meia enevoada, mas até estava boa para dar uma volta. E para não dar muito nas vistas, em vez de passar perto da escola, resolveu fazer um percurso alternativo. Seria muito chato se os colegas, ou até os professores, o vissem.
Quando chegou à Arcada, sentou-se um pouco num banco de granito  que ali havia e começou a contar as pessoas que iam passando, ao mesmo tempo que rodopiava o telemóvel nas suas mãos.  E assim matou algum tempo. Depois, pegou no telemóvel, mandou uma mensagem a dois colegas, a explicar-lhe porque faltou às aulas, levantou-se e continuou a caminhada. No ar notava-se um cheiro intenso a castanhas assadas.
Desceu as escadas que aí existem, e quando passava junto do Bar da Praça, reparou que do seu lado esquerdo, estava uma rapariga a vender castanhas. Nesse momento, apeteceu-lhe provar as benditas castanhas e decidiu comprar uma dúzia delas, mas quando meteu as mãos ao bolso, viu que não tinha dinheiro. Pelos vistos, gastou os trocos  que tinha na pastelaria.  E agora? Ficaria para a próxima, pensou, provavelmente o Francisco.
            Entretanto, a rapariga das castanhas, que já o mirava há algum tempo, e como se apercebera do sucedido, chamou por ele:
- Anda cá, se não tens dinheiro, não faz mal, eu dou-te algumas – e, sem mais, meteu algumas num pacote de jornal e deu-lhas.
 Um pouco atordoado, o Francisco pegou nelas e não disse nada. Depois, levantou os olhos para ela e reparou no sorriso brilhante que se soltava do seu rosto. Era uma rapariga bem bonita! Olhos castanhos, cabelos escuros, tinha uma flor no cabelo e devia ter, mais ou menos a sua idade. Olhou-a, reparou nas suas mãos um pouco sujas do carvão, e sorriu-lhe também. Depois soltou duas palavras que mal se ouviram:
- Muito obrigado – e começou a descascar uma, mas sem tirar os olhos da vendedora, que, entretanto, se virara para uma velhota que tinha acabado de chegar e que queria comprar castanhas.
Quando a dita senhora se foi embora, o Francisco ofereceu à vendedora, a única castanha que havia descascado, e ela aceitou. Depois, conversa daqui, castanhas de acolá, os dois perderam-se no tempo, e nem reparam que o assador deixou de cumprir a sua função, pois ninguém lhe colocou carvão para que ele pudesse assar.
A partir desse dia, e durante a semana, a Rosa, era assim que se chamava a esbelta rapariga, nunca mais vendeu castanhas pelas ruas de Fafe, preferiu voltar para escola, que havia abandonado há algum tempo, e ser companheira de carteira do seu novo namorado, o Francisco.


   Carlos Afonso