quinta-feira, 31 de maio de 2012

Fafe nos caminhos de Aquilino Ribeiro



No passado dia 26 de março, sábado, meia centena de fafenses rumou a terras beirãs, as terras de Aquilino Ribeiro, em busca de paisagens, história, gentes, gastronomia e a vida e obra do grande escritor português do Séc. XX. Movidos pela força da aventura, descoberta e cultura, este grupo de amigos viveu intensamente todo o percurso, usufruindo das muitas belezas que se lhe depararam pela frente.

O escritor Aquilino Ribeiro (1885-1963), infelizmente hoje quase ignorado, é autor de grandes obras, como O Malhadinhas, Cinco Reis de Gente, Andam Faunos pelos Bosques, A Via Sinuosa, Jardim das Tormentas, A Casa Grande de Romarigães, Quando os Lobos Uivam, As terras do Demo, O romance da raposa, entre muitas outras. Assim sendo, esta iniciática cultural tinha como objetivo maior conhecer com mais certezas e melhor Aquilino Ribeiro, a partir dos espaços que serviram de pano de fundo à sua existência e à sua ficção.

Regionalista e resistente convicto, este grande escritor do Séc. XX mostrou nos seus escritos as suas vontades e a defesa de toda uma região condenada ao abandono e ao sofrimento: as terras do demo. Carregal, a Senhora da Lapa e Sernancelhe, sítios localizados no distrito de Viseu e partes integrantes do mundo aquiliano, mostraram-se aos caminheiros fafenses de uma forma simpática e digna, ajudados pelo tempo solarengo e pelo saber dos guias da visita, gentilmente disponibilizados pela Câmara Municipal de Sernancelhe.

No Carregal visitou-se a casa onde nasceu Aquilino Ribeiro. Na Senhora da Lapa visitou-se o Santuário de Nossa Senhora da Lapa (séc. XVI-XVII) e o Colégio anexo, onde Aquilino estudou, prosseguindo depois o roteiro pelo pelourinho e o Museu do Santuário. Após o almoço típico, com cabrito assado, cozido à terras do demo e trutas à moda de Aquilino, e já em Sernancelhe, a comitiva fafense participou na conferência “Cinco Reis de Gente – a infância no Carregal”, orientada pelo Sr. Dr. Paulo Neto. No final da tarde, a bela Igreja Românica de Sernancelhe do século XII e o museu de arte sacra Cândido Azevedo abriram as portas e mostraram toda a sua riqueza artística e religiosa.

Este passeio cultural, a que se associou o Núcleo de Artes e Letras de Fafe (NALF), decorreu de uma forma exemplar. No próximo ano, a saga cultural continua em redor da vida e obra de outro grande escritor português.

Carlos Afonso

domingo, 6 de maio de 2012

Mãe

    

Mãe,
As nuvens ainda são feitas de algodão?
Olha, olha aquela…
 Parece o cordeirinho do presépio!
Como é bom
Ver-te florir no amanhecer deste poema
E sentir a minha alma
Mergulhar no perfume do teu corpo!
Olha, agora que estás comigo,
Deixa sentar-me no colo!
Acaricia-me com o teu carinho!
Conta-me uma história!

Mãe,
Tenho sono!
Posso encostar a minha cabeça cansada
Ao calor do teu amor?
Obrigado!

Mãe,
Já acordei.
Os teus olhos continuam lindos!
As tuas mãos permanecem afáveis!
O teu sorriso esparge a mesma luz
Que guiou os meus primeiros passos!

Mãe,
Por favor, não chores!
Eu ainda sou o teu menino!
Olha, segura na minha mão e brinca comigo!
Cuidado! …

Mãe
 Eu sei que as distâncias nos escondem as faces
E o empedrado do tempo faz colher incertezas!
Mas, o meu coração rima com o teu. 
A seiva que me move nasceu do teu ventre!
Olha, lá está a estrelinha que guiou os reis magos …

Mãe,
Tenho fome...
Carlos Afonso

sexta-feira, 4 de maio de 2012

As duas faces de uma medalha


            Na vida de qualquer homem há certos instantes que se evidenciam mais em detrimento de outros, costumeiramente apelidados de usuais. Se assim não fosse, as memórias não seriam capazes de absorver tantas informações de vida e a vulgaridade dos dias tornar-se-ia numa rotina sem graça. Por isso, as exceções destacam-se da regra e assumem uma postura mais diferenciada e digna de ser partilhada. Por vezes, uma medalha, atribuída por quem de direito, assinala esse momento excepcional, perpetuando-o. E foi isso que aconteceu comigo.
            Independentemente da subjectividade que rodeia a justeza do ato em si, e sob proposta do seu Presidente, a Câmara Municipal de Fafe achou por bem atribuir-me a medalha de Mérito Concelhio (bronze). Claro que eu apreciei o gesto, pois o mesmo evidencia que os outros gostaram do trabalho que foi feito, reconhecendo na sua consecução um valor que se alarga a toda uma comunidade. É evidente que o suor e o trabalho que pintam um dos lados da medalha não se circunscrevem apenas à minha pessoa. Esse lado da medalha reflete, de uma forma bem clara, toda a união que se conseguiu em torno das 3.ªs Jornadas Literárias de Fafe. A mim coube-me apenas a coordenação possível. O verdadeiro trabalho estendeu-se por todos os recantos do concelho fafense: cidade e aldeias; Câmara e Juntas de freguesias; associações e instituições; escolas e pessoas individuais.
            Como foi possível tão abrangente interligação e compromisso? A resposta absoluta não será fácil e muito menos única. Provavelmente o que aconteceu em Fafe tenha sido fruto das circunstâncias ou então do amor a Fafe. Amor esse que mora bem no fundo das pessoas, e que é evidenciado, constantemente, pelos gestos e o olhar. Fosse como fosse, o que aconteceu nestas Jornadas Literárias, e que já se vinha adivinhando das edições anteriores, foi grande e belo para a cultura deste pedaço do Minho. Pedaço puramente definido, e que se estende a um todo nacional.  
            Se em Março, em Fafe, a união fez a força e o sonho escorreu pela realidade, o sol teve todos os motivos para brilhar com intensidade. Não é de admirar, por isso, que uma das faces da medalha que me foi ofertada no dia 25 de Abril de 2012, abarque todo este brilho a cheirar a cravos e a liberdade.
            Se uma face da medalha me atirou a mim e a todos aqueles que comigo trabalharam para as conclusões acima mostradas, o que se desenha na outra face? O que é que o destino ou Deus esculpiram nesta segunda face?
            Bem, eu não estou a querer tirar ou a querer esconder as reais intenções daqueles que tiveram a gentileza de me agraciarem com tamanha distinção. Não, não é isso. Eu apenas estou a partilhar com o leitor o que deduzo da responsabilidade desse ato. Penso, e isto é apenas o que me vai na alma, que só pode ser o futuro e a necessidade de continuara a construir, o que nessa outra face se esculpem. Quer isto dizer que a recompensa, aparentemente retratada na singularidade da medalha passa, também, por outras interpretações: um novo porto por achar; uma nova cruz para carregar; um incentivo para não parar de construir; um campo de trigo verde para continuar a cuidar.
 São estas deduções que absorvo e pressinto. E agora?
            Há alguns anos atrás, na altura em que ainda era estudante universitário, foi-me atribuída uma medalha que assinalava o primeiro lugar obtido num Festival da Canção que se realizou no decorrer de uma Semana Académica de Braga. Como era de prever, a alegria foi grande e o momento nunca mais foi esquecido. O problema é que não fiz render essa medalha, pois, por variadas razões, abandonei o meu jeito para compor música e escondi-me noutros afazeres. A medalha desse tal festival ainda anda lá por casa, mas a viola que me forneceu os sons ganhadores apagou-se e perdeu os seus préstimos.   Não foi uma nem duas vezes, muito recentemente, que tentei retomar essa minha destreza para o instinto musical, mas o que daí adveio não me satisfez em nada. O tempo fez o favor de concluir o que a minha desistência de há muitos anos iniciara.
            Voltando ao ano de 2012, e a esta minha outra medalha, uma certeza me move e me tolda a existência. Não vou cometer o mesmo erro. Se tenho algum engenho para ajudar a fomentar a cultura em Fafe, sinto-me na obrigação de não parar. Não… Não vou abandonar o barco neste falso porto de abrigo onde me encontro a contentar-me com que lá vai. É imperioso continuar viagem na companhia de todos aqueles que comigo queiram navegar. Num espírito de união e interajuda, ergamos o pendão da cultura e fitemos o desejo do além, enfrentado, sem rodeios, medos, incompletudes e manhãs mais escuras. Se a experiência vale alguma coisa e o coração fizer questão de continuar a bater, só temos de pegar no que o passado nos ensinou, limar alguns senãos, organizar mais as ocasiões, entender o rumo certo das estações e ir em frente.
É justo promover as novas rotas que se vislumbram no horizonte e na outra face da medalha. É justo não desaproveitar o sangue que corre das nascentes do nosso povo. É justo continuar a semear sonhos, flores, poemas e amor a Fafe. 
            Seria tão bom que amanhã, quando o tempo me pedir para, num olhar derradeiro, olhar para trás e fazer uma avaliação convicta do que foi o meu percorrer dos dias, eu pudesse chegar a uma certeza maior. Uma certeza do tamanho do meu querer:
 Valeu a pena ter escolhido Fafe para me acolher e me inspirar. E é com orgulho que constato que consegui, em parceria com muitas outros amigos, reinventar uma nova fórmula de transformar as duas faces de uma simples medalha numa imensa mina de ouro fino.
                                                                                              Carlos Afonso