sábado, 29 de dezembro de 2012

UM POEMA PARA PORTUGAL



 


Nasci num país repleto de sonhos de mar,
Gerados em almas da cor das manhãs
E presos à imensidade exata dos séculos…

 
Ai… se as aves me emprestassem o seu esvoaçar sem fim
E a cor verde da esperança me cobrisse com o seu manto,
Tecido por mãos que fizeram os muros inquebráveis da história!

 
Escutem! ... Parece que ouvi gritos ávidos de risos e estrelas…
Será a voz do vento a bater nas velas claras das caravelas?

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
Não. Os caminhos percorridos por espíritos destruidores de medos
E de névoas sem rosto
Não rompem os portais do tempo…
Só a teimosia dos quereres, iguais aos de Vieira, Pessoa e Camões,
Podem acordar os fazedores da história
E apunhalarem a mesquinhez deste agora sem luz,
 Estampado nos nossos olhos parados,
Avivando, de novo, a chama que jaz fria dentro dos corações.

 
Basta. A noite não pode continuar a crestar o brilho das madrugadas,
Indiferente a um passado repleto de heróis…

 
Ó Infante sem medo, ó Gama imortal, ó Pedro Álvares Cabral,
Não deixeis roubar as raízes pátrias que engrandecestes…
Firmes como a vontade que vos ata ao leme,
Erguei de novo a espada do império,
Movida por um peito que nada teme,
 E acordai desta noite sem fim
O verdadeiro sonho português.

 
Carlos Afonso

 
 
 
 

 

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

NATAL


 


 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às vezes,
Na frieza dos momentos,
O fundo do desnorte e da pequenez
Aferrolha-nos
Na aspereza da indiferença,
E afoga-nos nas navalhas afiadas dos silêncios.

 
Mas, e porque os ventos também dormem
E as noites desvanecem nas clarezas das manhãs,
Abramos a vontade ao badalar repetido dos sinos,
Quando, nas noites mais frias,
Nos servem as certezas
De que foi em Dezembro
Que se fez o Natal.

 
Crentes nos passos duma estrela
E aquecidos pelos afagos simples dum curral,
Sigamos o rumo certo dos reis magos
E espalhemos,
Por entre as palhas secas da discórdia,
As verdades puras desse amor
Que se ergueu das lonjuras santas de Belém.

Carlos Afonso

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A menina e a estrela de Natal…


 



Amigo leitor, a história que hoje vos quero contar enquadra-se plenamente no espírito de Natal e tem no seu exórdio um acontecimento bem real, ocorrido no Club Fafense, espaço maior da cidade de Fafe, numa altura em que estava a preparar mais um evento cultural. Estávamos em dezembro, era sexta-feira e ainda não passava das seis horas da tarde.

- Ó senhor professor Carlos, qual é a estrela que trago logo à noite? Eu tenho duas muito bonitas, lá em casa – perguntou-me a pequena Joana.

- Olha, traz a mais brilhante.

- Está bem, obrigada – respondeu-me de uma forma afetuosa, para logo de seguida acrescentar mais meia dúzia de palavras – Se precisar de ajuda, diga.

- Para já não preciso. Senta-te nessa cadeira e treina mais um bocadinho o poema que logo vais declamar, está bem?

- Está bem, obrigada.

Sem mais, deixou escapar um sorriso e sentou-se. Desdobrou a folha que tinha nas mãos, concentrou-se no que ia começar a fazer e leu só para ela:

 

«A estrelinha de Natal  

 

No céu apareceu uma estrela

Vinda dos lados do oriente

Três reis vieram com ela

Trazendo consigo um presente.

 

Contentes por seguirem a luz

Que os trouxe até Belém

Os reis encontraram Jesus

Que veio ao mundo para nosso bem.»

 

Joana tem apenas sete anos, anda na Escola Primária, mas a sua graciosidade é tal e o encanto do seu sorriso mostra tanta verdade que nem a estrela mais brilhante, daquelas que incendeiam o céu quente de uma noite de junho, lhe serve como termo de comparação. Como é lindo a realidade de uma criança feliz!

Bem! Depois deste episódio tão salutar, e só para complementar com alguns pormenores, digo-lhe, caro leitor, que a pequena Joana fez uma bela declamação e a noite de Natal que aconteceu no club Fafense, no dia 14 de dezembro, só teve o brilho que teve porque a estrela que ela trouxe de casa brilhou que se fartou.

Ora bem! Quando nessa noite cheguei a casa, e, já embrulhado nos lençóis de flanela, revi o que tinha acontecido no evento cultural. Evento esse que também contara com a participação de alguns dos meus alunos de Literatura Portuguesa, assim como o Coro de Pais e Amigos e outros músicos da Academia de Música José Atalaya, tal como da presença da pequena Sofia, que também foi brilhante no seu papel de atriz. Assim, não só me senti satisfeito como tudo decorreu, como a prestação da minha amiga Joana me trouxe à memória uma outra história muito antiga. Uma história que me foi contada por uma senhora muito velhinha e amada, há muitos anos atrás, na altura em que eu, ainda criança, ajudava a construir o presépio na igreja da aldeia onde nasci, Parada, lá bem no coração de Trás-os-Montes.

Como eu gostava de voltar aquele outrora, meu Deus!

E porque me apetece contá-la, e porque tenho quase a certeza de que foi essa querida velhinha que a inventou, aqui deixo essa outra história, deitada numas palhinhas repletas de saudade, paz e amor!

«Há muitos, muitos anos, numa terra muito distante, um homem e uma mulher tiveram de fazer uma viagem a uma cidade chamada Belém. Essa mulher estava à espera dum filho que estava quase, quase a nascer. Quando chegaram a essa cidade, não encontraram um único quarto para poderem passar a noite, pois todos as hospedarias estavam cheias. Por isso, só conseguiram encontrar um pequeno estábulo para passarem a noite e descansarem da sua longa jornada.

Já bem tarde, e enquanto já toda a cidade dormia, essa mulher deu à luz um lindo menino que encheu de alegria os seus pais. Aquecido pelo colo da mãe e pelo bafo fofinho dum burrinho e duma vaquinha que ali moravam, aquele menino abriu os olhinhos, sorriu e começou logo a brincar.

De repente, e sem que ninguém contasse, uma luz muito brilhante encheu o estábulo e todos os anjos do céu estavam ali para visitarem aquele menino que não se cansava de sorrir e brincar. Cada um dos anjos trouxera como presente uma estrela para oferecer à criança que havia nascido e, por isso, todo o estábulo ficou tão cheio, tão cheio, que não cabia nem mais um fiozinho de luz. Nesse momento, e para espanto de todos, o menino falou e causou alguns embaraços.

 O menino, rechonchudinho de cara, agradeceu aos anjos por lhe terem trazido tantas e tantas estrelinhas, mas disse-lhes com todas as letras que, naquela noite, só queria ficar com uma. Ora os anjos, que tiveram uma trabalheira para arrancar todas as estrelas do céu, admirados, quiseram saber a razão do seu pedido. Eles tinham direito a uma explicação. Com os olhinhos a brilhar e os pezinhos a mexer, o menino disse-lhes que queria que voltassem a colar as estrelas no céu, pois elas tinham que continuar a iluminar as noites dos homens e que, também, elas iriam ter uma outra serventia. Assim, pediu-lhes que todos os anos viessem à terra, no dia 25 de Dezembro, e que trouxessem uma estrela, e que a oferecessem a todos os meninos para que nunca se esquecessem da importância daquela noite, uma noite em que uma criancinha, nascida numa manjedoura, mostrou a todos os homens de boa vontade que o amor é o sentimento mais belo e puro que deve morar nos corações.

Claro que eles concordaram

Desde essa altura, e já lá vão mais de dois mil anos, e sem que nunca se tenham esquecido da promessa, os anjos descem à terra e trazem uma linda estrela de Natal, para que todas as crianças do mundo se lembrem do sorriso daquele menino que nasceu em Belém.»

FELIZ NATAL PARA TODOS e um beijinho para a Joana

                                                                                             

                                                                                                        Carlos Afonso

       

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Uma história de Natal no Club Fafense


Uma história de Natal

 


HOJE, sexta-feira, dia 14 de dezembro, pelas 21h30, o Clube Fafense, de mãos dadas com o espírito de Natal, acolherá na sua intimidade uma noite especial, onde a música, a palavra dos maiores poetas portugueses, os gestos, o coração, a estrela de Belém e o olhar atento de duas crianças serão as linhas perfeitas de uma linda história de amizade e partilha.

Traga a sua família e participe connosco num presépio de Natal verdadeiro e atual.
 
NB. Se por acaso encontrar alguma semelhança entre esta história e o que aconteceu em Belém, na Judeia, há 2000 anos, será mera coincidência.

 

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Participação especial:

            - Coro de Pais e Amigos da Academia de Música José Atalaya com direção artística de Tiago Ferreira,

            - Piano: Giosuè De Vincenti

            - Flauta: Ana Catarina Costa

            - Percussão: Jorge Silva

            - Violoncelo: Inês Andrade, Luís Cruz

            - Guitarra: Jorge Silva

            - Violino: Joana Martins

             - Augusto Lemos

            - Jovens poetas e atores das «Vozes da Secundária»

            - Duas crianças, filhas de elementos do coro.

 

Coordenação do evento: Carlos Afonso

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A última rosa


 

 
          O mês de dezembro é, por natureza e destino, um mês frio, algo apático, mas, porventura, bastante abençoado, se tivermos em conta o espírito natalício que o veste já na sua reta final. Talvez seja por isso que é neste período de tempo, altura em que nevoeiros enfadonhos se misturam com chuvas fartas e aqueles raios de sol resistentes mas envergonhados, que certas histórias diferentes acontecem e que alguns caminhos insuspeitos se cruzam.

Ora bem! O enredo que hoje quero partilhar com o leitor amigo tem como pano de fundo dezembro, mais precisamente o seu primeiro domingo. O espaço onde tudo aconteceu centra-se bem no coração de Fafe, no Jardim do Calvário, lugar que procuro muitas vezes para me encontrar comigo mesmo e sentir um pouco daquela paz que nos recompõe a existência.

Ainda não eram quatro horas da tarde e por toda a envolvência do jardim apenas se viam não mais de uma dezena de indivíduos com consciência, porque ao sabor das águas do lago, dois cisnes, a quem roubaram a descendência, deslizavam saudosos na sua monotonia. A aragem outonal e a folha persistente de algumas árvores faziam ignorar o parco sol que ainda se desprendia do horizonte. Do longe, escutei o toque estridente de uma ambulância. Quem será o desafortunado ou a desafortunada que ela transporta? Não sei bem porquê, mas passou-me pela cabeça que muito provavelmente devia ser algum homem dos seus quarenta anos que fora colhido por algum AVC.

No parque infantil, do lado esquerdo do Jardim do Calvário, se tivermos em conta a minha orientação, duas crianças brincavam, vigiadas atentamente pelas respetivas mães. Num banco mais encostado ao muro, um par de namorados, entrelaçados numa azáfama ousada, deslocavam-se noutras dimensões. Bem perto de um canteiro, duas senhoras de meia-idade, sentadas e com sobretudos quase da mesma cor, falavam nervosamente e sem preconceitos. Não sei porquê, mas pareceu-me que estavam a relembrar algo que lhes acontecera na feira, mas, se calhar, foi apenas impressão minha. Mais à frente, por cima da pequena ponte, que nunca se cansa da sua intemporal e incómoda postura, um senhor, que me pareceu conhecido, olhava para um tempo que não consegui enxergar, enquanto rodopiava o chapéu nas mãos levemente viradas para a esquerda. Finalmente, e agora preciso de o evidenciar, pois estou a assinalar a protagonista desta crónica, examinei uma velha senhora que jazia inclinada bem por cima de uma roseira.

Pé ante pé, aproximei-me da velha senhora e notei que a sua mão esquerda tentava segurar uma rosa, a que inicialmente não reconheci a cor, pois só passado algum tempo é que visualizei que a sua tonalidade era de um avermelhado vivo. Por incrível que pareça, era precisamente da mesmíssima cor das luvas de malha da dita senhora, pormenor que, na altura, me sugeriu uma leve simbologia de aproximação de sentimentos. Já bem perto do quadro que estou a descrever, tive necessidade se suster uma súbita vontade de tossir. Graças a Deus que o consegui, pois, caso contrário, teria assustado esta encenação verdadeira e não poderia continuar a usufruir do momento.

Parado e o olhar o que me deliciava, notei que a velha senhora acariciava com respeito a rosa, que quieta e bela não protestava, ao mesmo tempo que ia balbuciando, repetidamente, algumas palavras que não consegui entender. Só sei, que de vez em quando ela sorria, (ela… a senhora, claro está) evidência que aconteceu mais do que uma vez. Sem me mexer, deixei-me ficar quieto no meu exterior, mas demais ágil e apreensivo no meu íntimo de observador. Como é que vai tudo isto terminar?

Como o tempo não ligasse ao que de fascinante e mágico estava ali a acontecer, insensível, permitiu que uma vespertina névoa escurecesse um pouco a tarde, circunstância que levou os visitantes do jardim a mudarem os seus desígnios e decidirem regressar a suas casas. As crianças correram apressadas para o portão de jardim, seguidas logo das suas mães que quase corriam também. O par de namorados, apesar de caminhar lentamente na direção de outros encontros, os braços continuavam entrelaçados e aqui e ali um pequeno beijo chamava a atenção do homem de já deixara a ponte e que já pusera o chapéu na cabeça. As duas senhoras de meia-idade também elas seguiram o seu rumo, continuando na sua conversa acalorada. Será que ainda falavam do mesmo assunto?

No jardim apenas ficaram os moradores habituais e, durante mais algum tempo, a velha senhora que, entretanto já deixara de afagar a rosa e eu, que continuava quase imóvel. A dada altura, e porque algo tinha de acontecer ou então a ação não evoluía, a minha companheira de espaço, que sempre soube da minha presença e da minha intromissão, virou-se com naturalidade para mim e disse:

- Sempre que o inverno se aproxima, eu gosto de me despedir da última rosa deste jardim. Faço isto há muitos anos. Sabe, é a minha forma de acreditar que na próxima primavera eu estarei aqui para assistir ao começo de um novo ciclo.

Claro que eu sorri e até prometi a mim mesmo que mal as rosas começassem a florir, eu regressaria ao Jardim de Calvário para contemplar esse novo ciclo da natureza.

Com todo o cuidado, a velha senhora recompôs-se na sua determinação e dirigiu-se à escadaria de saída. Já quase a descer para o primeiro degrau ainda acrescentou:

- A última rosa é mesmo bonita, não acha?

 

Carlos Afonso