quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os desgostos de um estudante em férias...



                           (Dedico esta história ao José, um rapaz de Fafe que encontrei lá para os lados de Ribeira de Pena)

            Costuma dizer-se, neste mundo de Deus, que os gostos não são todos iguais e que cada um é cada qual. Pois bem, e uma vez que o que acabei de dizer deve estar certo ou, pelo menos, não suscita muitas dúvidas, amigo leitor, hoje, neste última noite julho, quero contar-lhe uma pequena história que tem na sua raiz um ocasional encontro, numa caminhada organizada pelos Restauradores da Granja em terras de Ribeira de Pena.
Tudo aconteceu num domingo, dia 28 de Julho, e que apesar da chuva, que de vez em quando se fazia sentir, dezenas de caminheiros, vindos de muitos lados do país, e, claro está, também de Fafe, arribaram a Ribeira de Pena para percorrer os Caminhos do escritor Camilo Castelo Branco e participar numa excelente recriação histórica, concretamente no que dizia respeito ao seu primeiro casamento e outras peripécias a ele ligadas.
            A louvável iniciativa foi preparada pelo caminheiro Jorge Ribeiro do Porto, e contou com a organização experiente dos Restauradores da Granja e com o apoio da Câmara Municipal de Ribeira de Pena. Desta forma, todos os participantes tiveram o privilégio de percorrer os caminhos de Camilo e interligar-se com uma fase do grande escritor romântico, a paisagem e a literatura.
            Depois de se assistir à recriação do casamento de Camilo Castelo Branco com a sua primeira mulher, Joaquina de França, na Igreja de São Salvador em Ribeira de Pena, onde a chuva e as pétalas de rosa se abraçaram, colorindo e refrescando tão importante momento, os caminheiros lançaram-se pelo percurso definido e foram até Friúme, aldeia onde moravam os pais da esposa de Camilo, e assistir ao vivo ao primeiro beijo de Camilo e outros pormenores bem curiosos. Várias recriações se seguiram, respeitando-se, quase na íntegra toda uma fase do escritor. Ainda em Friúme, houve a possibilidade de conhecer o boticário Afonso, que tive a honra de encarnar, homem bem curioso e que ensinou muito ao jovem Camilo.
            Continuando a percorrer percurso literário, repleto de farta paisagem e encantos, os caminheiros eram abordados, constantemente, por fragmentos da vida e da ficção de Camilo. Em cada encruzilhada da antiga estrada Real que ligava Trás-os-Montes ao Minho, algumas personagens das Novelas do Minho ganharam vida e o rio Tâmega apontou, a quem para ele olhou, o sítio exato onde a personagem Maria Moisés, a personagem principal de uma das suas novelas, foi retirada das águas.
            Sempre a caminhar e à espera do que podia acontecer, a Igreja da Granja velha abriu-se da par em par para que todos vissem com os olhos que a terra há de comer a figura imponente do padre Manuel da Lixa, a quem o sogro de Camilo pediu que ensinasse o jovem recém-casado a aprofundar o seu latim.
Ora bem, caro leitor, foi já depois da Granja Velha e meia dúzia de quilómetros, e depois de uma carrega de água bem forte, que encharcou tudo e todos, que me deparo com uma jovem mãe e o seu filho José, também eles caminheiros de tão singular percurso. Conversa puxa conversa, vim a saber que tínhamos amigos comuns, que o filho José conhecia o meu filho mais novo, que o pai do rapaz já trabalhara em Alfândega da Fé, e que a avó do José gostava de ler as histórias que costumo escrever.
 Feitos os conhecimentos possíveis, e depois de mais algumas perguntas e outras tantas respostas, apercebi-me de que o jovem José não ia muito satisfeito. A sua cara mostrava cansaço e o seu sorriso não era visível. A mãe, uma simpática e esbelta mulher de Fafe, confidenciou-me que o rapaz não estava a achar piada nenhuma ao seu domingo. Na verdade, ele estava farto de tanta chuva, e que já havia dito mais que uma vez de que era bem melhor ter ficado em casa.
            É evidente que esta reação do moço era mais natural, tendo em conta circunstâncias tão adversas. Se, ao menos, estivesse sol, a situação, se calhar, era capaz de ser outra. Mas, o mais curioso foi o que a mãe me foi acrescentando. Ela deixou bem claro que o facto de o filho estar na caminhada era um ato mais que correto, pois um passeio pelas belas terras de Ribeira de Pena e um contacto mais de perto com a realidade literária de Camilo Castelo Branco só faziam bem. E, mais a mais, se ficasse em casa, com toda a certeza, passaria o dia a jogar no computador ou a ver televisão.
 Claro que eu concordei com tão sábia mãe. Se calhar, se todas as mães tivessem a visão e a determinação desta, os filhos percorreriam caminhos bem mais direitos e puros!
Tentei, também, animar o rapaz, confidenciando-lhe que aquela era uma caminhada que lhe iria ficar na memória e que, no futuro, ainda lhe poderia ser útil, pois, quem sabe, quando frequentasse os estudos secundários, ainda poderia estudar Camilo Castelo Branco.
 Pelo que me pareceu, e após uma boa quantidade de palavras a rimarem com otimismo e esperança, o rapaz ficou bem mais animado, e com outro ar!
Chegados ao ponto de partida, a Igreja de São Salvador de Ribeira de Pena, a chuva fez uma pausa e foi nos dado a conhecer ou a relembrar o porquê da fuga de Camilo daquelas terras, para nunca mais ali voltar, deixando para trás a sua esposa Joaquina que, entretanto, engravidara. Para quem o não sabe, foi por causa de um poema encomendado, que o jovem Camilo escreveu sem medir as consequências, a dizer mal de um mancebo da terra, e que foi afixado na porta da Igreja, que o pobre Camilo teve de fugir para não ser severamente punido.
Quanto ao José, ele, mal chegou à vila transmontana, regressou logo a Fafe, pois a chuva deixara toda a família encharcada.
Espero, um dia, voltar a encontrar o meu jovem amigo José, para falarmos mais de camilo Castelo Branco, sem nos importarmos com os impedimentos da chuva, ou outros que nos queiram atrapalhar. Pode ser que ele venha a ser meu aluno na Escola Secundária de Fafe, quem sabe?
Um grande abraço, José, e nunca te esqueças que a vida nem sempre nos empresta a sua melhor cara. Às vezes, temos de experimentar momentos, aparentemente, mais enfadonhos, para, depois, sentirmos a verdadeira luz com outros olhos!

Carlos Afonso

domingo, 14 de julho de 2013

Ó MINHA NOSSA SENHORA! (A mulher que pediu ajuda à Senhora da Misericórdia



            A história que hoje, dia 14 de julho de 2013 e dia da Senhora de Antime, surgiu de uma ocorrência verdadeira que se me deparou a meu olhos e que muito me emocionou.
            Como todo o Minho sabe, as festividades da Senhora de Antime, em Fafe, são muito intensas e participadas, em que as grandiosas procissões de Antime para Fafe e vice-versa assumem o seu ponto mais alto. É curioso este ritual tão próprio, derivado em lenda e tradição, pormenores que fazem com que a Senhora da Misericórdia visite Fafe por um dia. Pela manhã, carregada por valentes rapazes desloca-se festivamente, acompanhada por milhares de fiéis, para depois, ao final da tarde, regressar à sua morada santa, na Igreja Paroquial de Antime E foi na procissão de regresso que aconteceu o que gostaria de vos contar.  
            Como de costume, e porque o povo ama os ensinamentos que derivam do seu acreditar, a procissão de regresso tem por hábito fazer uma paragem no Lombo, um lugar bem pertinho do rio Ferro e onde eu moro. Assim, este dia de julho, um dia quente de verão, mas que ao cair da noite foi abençoado com uma farta rega vinda dos céus, permitiu-me ver e sentir uma cena comovente e bem próprio de um contexto quase de milagre, acredito eu.
            Já parado no meio da multidão que aguardava a chegada da Senhora, lancei o olhar e a alma em meu redor e foi-me permitido vislumbrar gentes de vários feitios e rostos, mas todas elas com o propósito mergulhado na fé, uma fé que, e porque assim acreditarmos, nos pode salvar. A dada altura, bem ao meu lado, e no mesmo instante em que a Senhora da Misericórdia chegava, ouço a voz baixa, tingida de um gritar abafado e repetido, de uma senhora de escuro vestido:
            - Ó minha Nossa Senhora! Ó minha Nossa Senhora!
            Atento, e com o coração apreensivo, voltei-me para quem implorava e escutei outra vez as mesmas palavras, agora com um acrescento a registar:
            - Ó minha Nossa Senhora, guia o meu filho!
            Em redor, os cânticos ecoavam nos céus, milhares de “papeizinhos”, esvoaçam, a Senhora da Misericórdia com o filho ao colo, com a sua postura calma, contemplava lá do alto os seus devotos, enquanto a charola seguia devagar e a mulher de escuro vestida repetia a sua súplica. Só que, a dada altura, as suas palavras começaram a enfraquecer e a ser cada vez mais angustiadas. E, pouco depois, a suplicante mulher desmaiava, deixando-se cair, amparada pelas pessoas que a circundavam. Já no chão, e enquanto a aflição tomava conta dos que àquela cena assistiam, ouço uma outra voz:
            - Coitada, o filho partiu para Angola na sexta. Ele foi trabalhar para lá… Ela não aguentou da emoção e desmaiou. Coitada, estava a pedir ajuda à Virgem!
            Pouco depois, os bombeiros chegaram e uns tantos procedimentos foram tomados, até à altura em que a mulher de negro vestida foi levada para o hospital.
            Amigo leitor, digam o que disserem, mas para mim foi tudo muito claro. A mulher de negro vestida, ferida pela ausência do filho, pediu ajuda e proteção à Virgem e o milagre aconteceu.
De certeza que, por momentos, a mulher pedinte cerrou os olhos para a realidade de Fafe e foi visitar o seu filho a Angola, para ver, com a sua alma, como ele estava. A Senhora da Misericórdia, também Ela uma Mulher que sofreu por causa do seu filho tão amado, achou por bem atender àquele rogo tão aflito.
Só um pormenor, no momento em que era levada pelos bombeiros, reparei que os olhos da mulher suplicante já estavam abertos, tingidos, agora, de uma calma de mãe sossegada. Afinal o seu filho estava bem e em paz.
“Ave-Maria, cheia de graça!
O Senhor é convosco
Bendita sois vós entre as mulheres
E Bendito é o Fruto do vosso ventre, Jesus
Santa Maria Mãe de Deus,
Rogai por nós os pecadores
Agora e na hora de nossa morte. Amém”



Carlos Afonso

sábado, 6 de julho de 2013

SENHORA DE ANTIME, ZELA POR NÓS



Vir a Fafe no segundo Domingo de Julho e não participar na majestosa procissão de Nossa Senhora de Antime, é perder um momento único e autêntico, onde a fé envolve uma multidão imensa, que embebida numa crença fervorosa, roga à virgem que atenda aos seus anseios e ilumine a sua jornada.
É emocionante aproximarmo-nos, silenciosamente, da igreja onde habita a Senhora, ouvir a santa missa e rezar. Depois, sob o olhar devoto de um sol, que nessa manhã parece sempre mais brilhante, e de olhos postos na imagem, que do alto esparge calmas e afetos, abrirmos o nosso coração peregrino e bebermos a paz que discorre dos céus.
Apoiados na mão da esperança e rodeados pelos cânticos que ecoam pelos ares, é comovente acompanhar o andor, que num passo lento e pesado, vai deslizando pelas ruas engalanadas, apoiado em ombros varonis.
Chegados à ponte onde Antime e Fafe se abraçam, a Senhora de Antime é recebida pela Senhora da Misericórdia, que, num tom dorido e hospitaleiro, se desloca ao local para lhe dar as boas vindas. As Senhoras granjeiam-se, o povo canta, os foguetes atroam os ares, as pombas esvoaçam, os anjos cantam, as lágrimas refrescam as faces, as águas do Ferro soluçam e a fé acrescenta-se à maré de emoção que brota das entranhas dos espíritos...
Para quem ainda não usufruiu desta verdadeira prova de ligação ao altíssimo, é imperioso que o faça, independentemente das suas crenças, para que perceba que a fé é uma torrente, que indiferente aos caprichos dos homens, continua a alimentar a alma de muita e boa gente do Minho.

A Senhora de Antime, Mãe de Deus,
Rogamos muitos favores,
Pois nós somos filhos seus
E entregamos-lhe os nossos temores.


Carlos Afonso