sexta-feira, 24 de maio de 2013

AS 4ªs JORNADAS LITERÁRIAS DE FAFE IMPULSIONARAM A CONFRARIA DA VITELA ASSADA À MODA DE FAFE



 

            Seguindo o meu propósito de partilhar com o leitor amigo histórias e momentos que as Jornadas literárias me proporcionaram, quero desta vez contar-vos o verdadeiro motivo de aparecer no programa das Jornadas o ponto «Apresentação da Confraria da Vitela assada  à moda de Fafe», para que os homens de hoje não se esqueçam do sentido da palavra «fundadores».  

            Eu sei que, às vezes, os pequenos instantes podem degenerar em factos de maior monta, consoante o entender de cada um ou conforme o que queremos ver. Ora bem, num final de manhã de domingo frio de novembro, passeava-me sem pressas pela Praça 25 de Abril, em busca dum pouco de bem-estar, pois este espaço maior de Fafe é de um encanto sem par, faça frio ou não, quando algo de curioso aconteceu. Bem ao meu lado, um Citroen de cor acinzentada estacionou, ocorrência que me chamou a atenção, porque um leve toque de buzina foi-me intencionalmente dirigido. O passeio que trilhava, mesmo em frente à Escola Profissional, estava meio húmido e não se importou que eu parasse e esperasse o resultado daquele chamado.

            De dentro do carro acinzentado saiu um casal dos seus trinta anos, jovens na forma de vestir e de sorrir, primeiro ele e depois ela, que, por acaso, se chamava Luísa, pois o marido teve necessidade de pronunciar o seu nome. Digo marido porque ele, quando se me dirigiu, disse o seguinte:

            - Bom dia, eu e a minha esposa precisávamos de uma informação.

            A roupa que Luísa trajava estava adequada à época do ano. Um farto casaco amarelo-torrado condizia na perfeição com a cor dourada dos seus cabelos e o seu rosto ameno. As calças castanhas com um cinto bem visível deixavam transparecer o desenho agradável do seu corpo de mulher jovem. Quanto à forma de vestir do marido, nada a assinalar, pois não reparei devidamente nesse pormenor. O que me despertou a curiosidade foi o que ele me disse de uma forma bem visível, pois até um uma mulher que por ali passava, naquele mesmo momento, parou também para ouvir.

            - Nós moramos em Aveiro e andamos a dar uma volta pelo norte. Estamos hospedados em Guimarães, e hoje resolvemos vir a Fafe. Sabe, o meu avô falava muito da vitela à moda de Fafe. Ele trabalhava nos caminhos-de-ferro e disse-me, algumas vezes, que em Fafe se comia a melhor vitela do Minho. Sabe-me dizer onde posso ir almoçar para provar a tal vitela?

            Meio espantado, não soube dar, de imediato, uma resposta ao meu interlocutor, e quando me preparava para tentar dizer alguma coisa, a mulher que havia parado perto de mim acrescentou logo:

 

            - O seu avô, de certeza que comeu essa vitela na pensão «Zé da Menina», mas esse lugar já fechou há muito.

            -Oh que chatice – acrescentou logo o forasteiro, ao mesmo tempo em que a sua esposa dava um pequeno jeito no seu airoso cabelo - e agora?

            -Mas, cá em Fafe há um outro sítio onde se come boa vitela, mas não sei se está aberto. É na Adega Popular. Quanto a outros sítios… não estou a ver bem…

            Para azar dos visitantes de Aveiro, que haviam feito longos quilómetros para comprovarem e saborearem as verdades de um avô que tinha boas recordações de Fafe, a opção apresentada estava mesmo fechada. Era domingo e a Adega fecha aos domingos. Ainda os conduzimos a um outro restaurante que existia por ali, mas lá só havia bifes vitela com molho de cogumelos. E porque não quiseram saber de mais nada, e talvez desiludidos com a ocorrência, esqueceram a ideia da vitela e decidiram rumar a Cabeceiras de basto, pois alguém lhes tinha falado de um bom cozido que se comia por lá.

            Perante situação tão estranha, comecei a pensar que as certezas do avô do forasteiro não podiam ficar naquela situação tão empalidecida. Por isso, quando cheguei a casa, e porque estava, na altura, a trabalhar no programa as Jornadas Literárias, resolvi colocar no mesmo o seguinte acrescento «Confraria da Vitela assada à moda de Fafe», sem saber se existiriam pernas para caminhar. Pensei eu, na altura, que se calhar seria boa ideia, pois seria importante trazer de volta a todos os restaurantes de Fafe a obrigação de preservarem tão importante repasto. E porque as Jornadas Literárias têm na sua real conceção preservar o que de bom existe na tradição de um povo, e porque a cultura também se evidencia na gastronomia, tudo começou a acontecer.

            Felizmente, a Naturfafe, a entidade por excelência que tinha e tem todas as condições para pegar em tão importante tarefa, juntou-se às Jornadas Literárias e teve a simpatia de confecionar a ideia e trabalhou sabiamente nesse sentido. Pelo que sei e pelo que vi, a «Confraria da vitela assada à moda de Fafe» já está no bom caminho e, muito em breve, tudo será uma realidade feliz.

            Lamento apenas que o nosso forasteiro e esposa não tenham tido a oportunidade e a sorte de saborear a Vitela à moda de Fafe, mas, se calhar, um dia isso pode acontecer.

Carlos Afonso

domingo, 12 de maio de 2013

Pedaços das Jornadas Literárias de Fafe: O ALBATROZ AZUL




Depois de três semanas intensamente vividas em redor das 4ªs Jornadas Literárias, assentes em mais de 150 iniciativas culturais, previamente definidas e realizadas por todo o concelho (escolas, salas de aula, polivalentes, Instituto Superior, livrarias, bibliotecas, museus, multiusos, Teatro-Cinema, Sala Manoel de Oliveira, jardins, praças e casas apalaçadas de Fafe, salões paroquiais, Juntas de Freguesia e no meio da natureza magnífica deste pedaço do Minho), foi visível sentir múltiplas formas de cultura condignamente apresentadas.

            O que aconteceu, mais uma vez, nas Jornadas Literárias de 2013 foi extraordinário. Foram milhares os que trabalharam com vontade e querer nos inúmeros eventos, contribuindo, assim, para a imensa produtividade que daí derivou. O passado, o presente e o futuro mostraram, ao longo destas semanas, a receita acertada que pode ajudar a engrandecer um povo. A partir das nossas crianças de tenra idade até a pessoas de muita idade, mas todos agarradas a definições certas e puras de literatura, cultura, tradição e etnografia, sem terem de apegar-se a frases feitas, foi evidente notar que a grandeza de um rio não está apenas na sua foz. Ela também se vislumbra nos afluentes, margens que o definem e nas suas nascentes.

            Ao longo de toda a dimensão das Jornadas Literárias, uma das suas maiores riquezas foi a capacidade de pegar nas histórias que têm definido os destinos de Fafe e construir, a partir daí, outras histórias. Os livros escritos ou apenas sentidos foram, assim, a literatura das Jornadas. Os poetas e prosadores de Fafe, as lendas, o sotaque e os contos que salpicam a memória do nosso povo, a vontade de voltar a escrever o que já havia sido encontrado fizeram com que caravelas atracassem em Fafe, o comboio regressasse, os emigrantes retornassem da sua viagem, as palavras construíssem enredos completos, os campos mostrassem o seu tipicismo, a música e a dança tropeçassem em poesia, os sonhos de terra e de mar brotassem do interior de muitos livros, fazendo com que o passado se sentisse na obrigação de perspetivar o futuro. E o mais intenso é o que estaria para vir, pois muita literatura  poderá ser edificada a partir do que aconteceu. E porque o que acabei de dizer é verdade, amigos leitores, escutem, agora, um quase crónica, inspirada numa realidade das Jornadas Literárias de Fafe.

            Numa das minhas aulas de Literatura Portuguesa, numa quarta-feira de março, pedi a atenção aos meus alunos para João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores escritores de Língua Portuguesa, descendente de fafenses, a viver no Brasil, e que em 2013 seria o patrono literário das Jornadas. Falei da sua obra, lemos e analisámos alguns excertos do seu romance “O Albatroz Azul” e, porque o Dia Mundial do Livro era uma data para assinalar, lancei o desafio para que em casa partilhassem a obra deste grande homem das letras com as respetivas famílias. No meu entender, seria uma forma interessante de levar Ubaldo Ribeiro ao encontro de outros fafenses. A ideia foi entendida e esta iniciativa das Jornadas ganhou forma e efeito. O mais interessante foi o que aconteceu a partir daí.

Luísa, um nome fictício, depois de ter escutado atentamente as minhas palavras, centradas na novidade de os alunos partilharem literatura com os seus familiares, ao chegar a casa, acomodou a pasta numa cadeira, disposta num dos cantos da sala e correu, sem fazer barulho, para o quarto do seu avô. De setenta e três anos, o avô de Luísa estava acamado há mais de cinco anos e sofria de uma doença incurável. Os médicos já há muito que lhe tinham definido a sua sina. No entanto, a sua vontade havia-o segurado à existência e aos afetos da sua neta.

            - Avô, Avô, tenho aqui um presente para ti. Estás a ouvir-me?

            Claro que o avô a estava a ouvir. Nem sempre os olhos cerrados são sinónimo de ausência.

            -Diz, minha pequena. O que me trazes? Mas antes quero um dos teus beijos.

            - Está bem, avô, - despachada, pousou-lhe no rosto um beijo doce e nas mãos “O Albatroz Azul” de Ubaldo Ribeiro.

            - Olha, avô, comprei este livro e gostaria de te ler alguns excertos, pois sei que gostas muito de ouvir histórias!

            Claro que o avô adorou a ideia, pois, e mesmo incomodado com as dores habituais e incómodos da doença, o fascínio dos livros falou mais alto. Recompôs-se na sua postura e preparou-se para tão solene momento.

            -Posso, avô? Posso? «Sentado na quina da rampa do largo da quitanda, as mãos espalmadas nos joelhos (…).»

            Pelo que me contou, ainda com as lágrimas nos olhos, a minha aluna, ela demorou mais de três dias a ler o livro ao seu avô, e nem a mãe a conseguira impedir com os seus mais que justificados argumentos.

            E porque os leitores desta quase crónica só vão ler mais tarde o romance de Ubaldo Ribeiro, dando, assim, continuidade à dimensão literária das Jornadas, quero dizer-vos que o livro de tão insigne escritor conta uma história interessante, onde a morte e a vida se cruzam. O livro fala de um homem muito velho que, e apesar de possuir muita sabedoria trazida por todos os seus anos de existência, ainda procurava apreender sentidos para a vida. Sabendo que a sua morte estava próxima, uma certa inquietação perturbava-lhe a existência. A dada altura surgiu na sua frente um albatroz azul, um pássaro que não existe, mas que, e tal qual um anjo, o abordou e o conduziu para o paraíso.

            Para finalizar esta minha quase crónica, apenas vos digo que o avô da minha aluna Luísa, um nome fictício, morreu pouco tempo depois de se ter deliciado, no seu sofrimento, com o carinho da neta e o enredo sentido que João Ubaldo Ribeiro lhe ofereceu. Provavelmente, o Albatroz Azul que levara no seu voo o velho homem, o protagonista da narrativa, para o céu, foi o mesmo que abriu as portas do paraíso ao avô da minha aluna.

Digo-vos, também, e porque a minha aluna também gosta de escrever histórias,  que ela fez o favor de me entregar em mãos uma linda e emotiva narrativa, e que em breve publicarei, intitulada “O sorriso azul do meu avô”.  Que título curioso!

(Esta foi apenas a primeira história real, das muitas que tenho necessidade de partilhar com os amigos leitores, inspirada nas 4ªs Jornadas Literárias de Fafe.)

Carlos Afonso