sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um Português em Paris…



Viajar, na verdadeira percepção da palavra, permite-nos tocar espaços e gentes, tão diferentes e tão iguais!
Sim. A cor da pele ou a forma de vestir, já para não falar dos gostos, entendimentos, língua e práticas de cada região, devidamente localizada, não são factores de plena distanciação entre o ser humano. Há sempre algo que nos torna unos e filhos da mesma condição. Alberto, o português desta história, percebeu perfeitamente essa realidade, quando abriu os olhos e reparou que os encantos e desencantos de Paris que, e apesar da sua especificidade, tinham a mesma cor de outras vezes e de outras histórias.
Ainda o avião da Aigle Azur não tinha aterrado em Orly, um dos aeroportos internacionais de Paris e já Alberto matutava na melhor maneira de se deslocar para o centro da capital francesa, pois era aí que se localizava o Hotel onde iria ficar hospedado. É evidente que os receios evidenciados não se fizeram esperar. O tomar o autocarro errado fez com que o português fosse ter a um destino não programado. O que lhe valeu foi a atenção e o cuidado de quem não se importa de oferecer o seu tempo aos que dele precisam. Assim, a ajuda de um senhor com alguma idade, que se esforçou bastante em perceber o sentido das palavras, proferidas num francês muito atrapalhado por parte deste viajante vindo do norte de Portugal, que, em simultâneo, não se cansava de apontar o seu objectivo final, num mapa ainda novo, tornou-se crucial.
Alberto teve de apanhar um outro transporte, neste caso o metro. “Mas que grande confusão, meu Deus” - pensou ele sem dizer nada a ninguém, (se é que isso iria ajudar em alguma coisa). Depois foi só ter de palmilhar uma rua bem comprida com a mala às costas e pronto. Bem, e sem me demorar mais, depois destas aparentes dificuldades tão próprias de quem não sabe todos os caminhos do mundo, a porta do Hotel Axel Opera, restringido à rua Montyon, com a sua fachada carregada de passados, abriu-se de par em par.
É maravilhoso encontrar um sítio que nos espera, principalmente quando o caminho nos faz ansiar a chegada.
Paris, que até a esta altura não se dera a conhecer, e por motivos mais que óbvios, fez questão agora, no momento em que o português saiu do hotel para conhecer esta grande capital, de se vestir em tons de um Verão ameno e prenhe de novidades para oferecer. O facto de o hotel se situar bem no coração deste burgo com mais de mil anos de existência e a quem chamam a Cidade Luz, muito por culpa da sua efervescência durante o Iluminismo, ajudou a que as várias distâncias e direcções não parecessem demasiado longe. Tudo tinha o seu espaço, beleza e funcionalidade. No ar, o cheiro a crepes abriam-lhe os desejos, e um barulho que não incomodava levavam Alberto a caminhar com vontade e com gosto.
As fachadas das casas comprovavam-lhe um museu ao ar livre. Os rostos fascinavam-no pelo seu multiculturalismo. As surpresas apresentavam-se-lhe em cada esquina e as longas avenidas pediam-lhe para continuar. De repente, e bem à sua frente, a Opéra National de Paris Garnier, com a sua associação de estilos que vai do Clássico ao Barroco, datado de 1875, indiciou-lhe a opulência de uma cidade repleta de monumentos e pinceladas de história e impérios. E quase sem dar por isso A partir daqui, e dia após dia, tudo o tingia de momentos inesquecíveis.
Ao longe, e para onde quer que fosse, a Tour Eiffel mostrava-lhe, de uma forma bem clara, que a sua imponência fazia dela o verdadeiro ex-libris de Paris, e que a sua fama a levava a ser a obra de arte mais fotografada do mundo. Ao perto, e por muita pena sua, não a pode visitar, porque a polícia lhe tolheu a intensão. Tanto a torre como o espaço envolvente estavam vedados ao público, uma vez que era véspera do 14 de Julho, dia da França, e o fogo-de-artifício ia ser lançado do seu interior, às 23 horas em ponto.
Sempre com uma vontade que criava espanto, os quatro dias de visita foram um autêntico redopio. A noite e o quarto do hotel só o retinham para umas breves horas de sono, e pouco mais. O corpo já não acolhia outras ousadias, mesmo que se estivesse em Paris.
O Museu do Louvre, com a sua sumptuosidade e a sua jóia da coroa, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, não o decepcionaram, assim como aconteceu com outros locais de renome: Les Invalides; a Place de Montmartre; a Notre-Dame; a Sorbonne; os Jardins do Luxemburgo; o Centre Pompidou; o Moulin Rouge e a Place Pigalli, repletos de folia e decotes a condizer; o Arco de Triunfo, com as suas magníficas vistas; as galerias Lafayette, com os seus luxos; o Sacré Coeur, com a sua postura imponente, tendo Paris ajoelhada a seus pés; a lace de Montmarte, repleta de pintores; e muito mais…
Perante tamanhas maravilhas que só uma cidade como Paris pode oferecer, os olhos de quem as focaliza tornam-se pequenos. O que vale são os registos fotográficos que ajudam a cimentar as ideias.
Alberto deu o seu tempo por bem empregue, mas algumas experiências ficaram por cumprir. Não admira, por isso, que este português, morador na Sala de Visitas do Minho, tenha feito o juramento em pleno rio Sena, na altura em que usufruía de um passeio de barco, de que iria de voltar. Eu penso que ele vai cumprir o juramento. Querem apostar?
Bem, no meio de tanta descrição, quase não arranjava espaço para um caso de ocasião, de entre outros, que marcou esta viajem de Verão. Ora prestem atenção, e depois digam-me da sua justiça.
Subindo apressadamente a Avenue des Champs-Élysées, uma prestigiada avenida de Paris, com os seus cinemas, cafés, lojas de especialidades luxuosas e árvores de eleição, os castanheiros-da-índia, um sem-abrigo mostrou-se numa postura algo agressiva, não contra Alberto, mas contra um rapaz ainda novo que lhe pontapeara uma pequena caixa de lata que lhe servia para guardar algumas moedas que lhe pudessem dar. O mais curioso foi o que o mendigo, um homem com umas barbas de respeito, e vestido todo de negro, disse e tornou a dizer:
- Filho da puta, se fosse na minha terra eu dizia-te como era.
Sem qualquer impostura, Alberto aproximou-se do seu conterrâneo, para quem Paris de nada lhe serviu, deu-lhe dez euros e segredou-lhe aos ouvidos.
-Tenha calma, que tudo se há-de arranjar.
A fúria do mendigo perdeu o ímpeto e um suor envergonhado arranhou-lhe a cara. Meio atordoado, colou a atenção em Alberto, e, sem mais, sorriu e disse obrigado. Depois escondeu-se no meio da multidão e saiu de cena.
É pena que a luz nem sempre brilhe ao cair da tarde.
Desculpem, mas acho que vou terminar, pois a crónica já vai longa. Prometo que em breve retomarei o tema.
Só um aparte importante. Este português não viajava sozinho. Ele fazia-se acompanhar pela esposa, uma mulher determinada, nascida numa terra abençoada pelos deuses, no mês em que as camélias mostram a sua cor aveludada, e detentora de um olhar intenso e claro. Provavelmente, se Alberto não tivesse trazido companhia de Portugal, e conhecendo eu a forma fácil como seus sentidos se apegam às realidades e à volúpia dos instantes, outra água teria corrido por debaixo das pontes do Sena. Creio que estou a exagerar.

Carlos Afonso

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Fafe, com fé e amor

Fafe é uma terra airosa

Como poucas em Portugal,

A sua história é famosa

E a sua alma sem igual.


As suas ruas mostram os destinos

E as vidas de muitas gentes,

As igrejas com os seus sinos

Garantem a fé dos seus crentes.


A Senhora de Antime, Mãe de Deus,

Rogamos muitos favores,

Pois nós somos filhos seus

E entregamos-lhe os nossos temores.


De todas as festas do Minho

Não há outra como a nossa,

Não falta vitela nem vinho,

E a sua procissão é grandiosa.


Eu gosto de morar neste ninho,

A quem chamam um amor de cidade,

Aqui recebi muito carinho

E encontrei a felicidade.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O menino das fragas






Eu sei muito bem que a vontade dos homens nem sempre cumpre os rituais e, de vez em quando, conduz-nos para reinos que moram bem perto das estrelas, reinos onde as flores mudam de cor, conforme os anseios de quem as olha, e os meninos são do tamanho de homens a sério. Não admira, por isso, que o dia 21 de Maio de 2011 possa vir a ficar para a minha história de vida, como um dos dias mais mágicos que percorri.
Para quem gosta de Miguel Torga, o grande escritor transmontano, e se desloque à sua terra natal, São Martinho de Anta, todo o seu entendimento é acariciada por uma imensidade de curiosidades, lugares e paisagem sem igual. E, porque não podia deixar de ser, a Serra da Senhora da Azinheira enquadra-se, na perfeição, nesta ampla abrangência, não só por causa das magníficas vistas que de lá se usufruem, como dos segredos que por lá ainda se podem escutar. Claro que Deus também tem neste lugar um poiso de destaque. E mesmo detentor da omnipotência que se lhe conhece, fez questão de se fazer representar ali pela mãe de Jesus, a Senhora da Azinheira. A Senhora mora numa solitária capela no fresco ar da montanha, onde o magnífico panorama, enche a vista dos que lá se refugiam em meditação ou dos passantes que poisam naquele mirante natural, e donde se podem abarcar treze concelhos. É pois uma dádiva ímpar da Natureza podermos observar as tonalidades de verde agarrados a fachas de espaços esbatidos de cinzentos e azuis, assim como escutarmos o chilrear cadenciado da passarada.
Foi aqui que pelo século XVIII se construiu ”…fora deste povo em distância de três tiros de mosquete para a parte do Norte huma formoza capella com a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, que dizem se chama assim por haver no dito sítio antiguamente huma arvore chamada Azinheira…”; “… tem a capella aparências de Matriz…”; “…finalmente não se encontra nesta Província capella de serra com mais custo e galhardia…”.
Na capela - mor a tribuna tem ao cima a representação da Santíssima Trindade, com Nossa Senhora ao meio e duas imagens ladeando-a que são Deus Pai e Deus Filho, Jesus. Por cima, uma pomba branca representando o Espírito Santo, que teve em tempos no bico uma coroa para pousar na cabeça da Senhora coroando-a como Rainha do Céu e da Terra.
Neste retábulo, estão inseridos à direita e à esquerda de quem entra, as imagens dos Santos já referidos em pequenos mísulas e não propriamente na tribuna.
Entre o altar de S. José e o arco divisório da capela - mor há uma coluna cilíndrica de granito, alta, onde, em cima de uma peanha, se encontra a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, de pequenas dimensões, policromada, que sai na procissão no seu andor de cetins, no dia 15 de Agosto, o dia da festa anual.
A capela de Nossa Senhora da Azinheira está implantada numa colina a 750m de altitude. Em seu redor a natureza exulta e pasma qualquer visitante, principalmente se vier à procura de indícios de Miguel Torga.
Um dos contos mais belos do grande escritor transmontano, Natal, teve por assento este ambiente paradisíaco, o que só vem engrandecer ainda mais a abrangência deste espaço tão pertinho do céu. De certeza que Garrinchas, personagem principal do conto, foi instigado por Deus a acolher-se na capelinha da Senhora da Serra, para fugir do imenso nevão que parecia querer engolir tudo em redor. Depois, Torga só teve de dar azo ao seu amor à terra mãe, à sua rica imaginação e à sua criatividade.
Quando o grupo de professores de Fafe chegaram às terras de Torga, a Senhora da Serra foi um lugar obrigatório a visitar. Quero apenas referir que fomos muito bem recebidos pelo Sr. Vereador da Cultura de Sabrosa e pelo Sr. Presidente da Junta de São Martinho de Anta, neste roteiro cultural. E porque não podia deixar de ser, ambos nos acompanharam na nossa demanda.
Do muito que vimos e tocamos, um pormenor evidenciou-se no meu entendimento, e que gostaria de partilhar com os leitores. Garanto-vos que é quase tudo verdade.
Chegados ao alto da serra, e depois do pasmo inicial, o Presidente da Junta, num tom rústico e apaixonado, começou a interligar a capela com o espaço literário de Torga. O raio do homem fazia-o de uma forma exuberante e autêntica. Até parecia a própria encarnação do escritor. A dada altura, o coração e a alma tiraram-me do local onde estávamos a escutar a guia de ocasião e remessaram-me para o meio das fragas, que se escondiam por detrás de umas torgas e pinheiros.
Sem que o esperasse, o impensável aconteceu.
Miguel era apenas uma criança como todas as outras da sua idade, embora o seu rosto tisnado e levemente crestado pelas têmperas do sol transmontano indiciasse o contrário. Quanto à idade, de certeza que não tinha mais de 12 anos, apesar de as mãos mostrarem uma cor calosa e habituada aos afazeres do campo. As suas roupas estavam sujas e demasiado encardidas para os tempos que correm e o cabelo parecia um pedaço de terra acabada de lavrar. O seu olhar era intenso, quase do tamanho dos espaços que o cercavam, facto que me causou espanto e fascínio.
Mas… o que fazia ali, bem no cume da serra esta alma irrequieta?
Cumprimentei-o e perguntei-lhe o nome. Sem muita pressa, respondeu-me. Não se alongou mais. Limitou-se a entregar-me o pedaço de uma fraga e um leve sorriso. E mais nada… Depois, numa pressa sem igual, começou a correr monte abaixo e desapareceu do meu alcance.
Claro que eu percebi todo este enquadramento.
Regressei ao lugar a que a minha imaginação me havia roubado e entrei na capela.
Que maravilha!

A grandeza do homem não está, apenas, nas metas que alcança, ela desenha-se, principalmente, nos sonhos determinados que o movem.

Carlos Afonso