domingo, 22 de janeiro de 2012

No Jardim do Calvário, conheci o meu amor...




Ana Maria não era apenas uma bela mulher experiente, sábia e com pouco mais de setenta anos. Ela era mais do que isso. Ana Maria tinha um nome santo, bem da cor dos perfumes de maio. Se o seu nome era especial, a sua existência representava toda uma geração de fafenses de um outro tempo, que encontrou no coração da sua terra o amor da sua vida. Ana Maria era detentora de um olhar da cor dos pauis e uma vontade tão leve como o esvoaçar da passarada. Por acaso ou porque Deus assim quis, conheci esta mulher, ainda há pouco tempo, num dos passeios pelo meu bem amado Jardim do Calvário.
O Jardim do Calvário foi, e era bom que continuasse a sê-lo, um espaço detentor de muitos segredos, encontros e pontos de partida. A magia que o seu lago fornece, os embrulhados de luz que se escapam por entre a ramagem de frondosas árvores e a postura elevada que apresenta mostram ao céu os passos de muitas vidas.
As atuais formas que o Jardim do Calvário apresenta derivam de uma era em que nesse local, o Outeiro do Calvário, existiu uma pequena capela. A transformação deste outeiro remonta ao séc. XIX e a sua construção ficou a dever-se ao Presidente da Câmara daquela altura, José Florêncio Soares, que contou com o apoio importante do Comendador Albino de Oliveira Guimarães. A sua inauguração solene ocorreu em 26 de Dezembro de 1892.
A tarde de sábado estava banhada de uma frescura natural e o sol, meio envergonhado, lá ia puxando pelas mãos de quem gosta de passear-se pelas ruas e jardins, praças e becos de uma terra qualquer. No meu caso, senti-me agradado com a minha deambulação pelo centro de Fafe, e principalmente, com o meu encontro num dos jardins mais emblemáticos e carregados de história desta mui formosa terra.
Depois de subir a imponente escadaria e ultrapassar os portões, que sempre me receberam de braços abertos e sem a menor mácula, dou com os olhos no jardim do costume. No seu interior, e para além da natureza devidamente arrumada e perfeitamente distribuída nos seus sítios predeterminados, noto a presença de meia dúzia de pessoas que, de uma forma ou outra, por ali se deixavam estar. Como quem não quer a coisa, mas sempre atento aos momentos, contornei e tornei a contornar os acastanhados carreiros que serpenteavam os canteiros meios friorentos, afetados por um inverno pouco exigente. A dada altura, a minha atenção levou-me para um sítio bem localizado. O mais curioso é que já tinha passado por lá e nada me tinha feito parar. Se calhar ia distraído.
Sentada num banco, vejo uma mulher vestida de preto, com um cabelo arranjado à maneira antiga e com as mãos a segurar o peito. Ao seu lado uma pomba obediente ia depenicando um pedaço de pão que ela lhe trouxera. Depois, e sem eu contar, abriu o peito, estendeu a mão direita na minha direção e disse:
- Sabe, e desculpe se o estou a incomodar, este lugar é especial para mim. Foi aqui que tudo começou.
- Diga – acrescentei num tom de quem queria saber mais.
- No Jardim do Calvário, eu conheci o meu amor...
Sem imposturas, e sem pedir licença, sentei-me ao seu lado e escutei da sua boca manchada pela ausência uma linda história de amor.
A pomba não se importou com a minha presença e continuou a sua tarefa. A aragem ficou mais quente. A mulher chamava-se Ana Maria e a cor da sua roupa tinha os tons de uma morte ingrata e sem dó, que lhe roubou o que ela encontrara, numa tarde de janeiro, há mais de cinquenta anos, naquele mesmo lugar.
O seu calvário de mulher viúva só ainda agora começara.

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