domingo, 21 de novembro de 2010

Uma Gota para a Vida

Uma Gota para a Vida

A tarde estava acinzentada e a chuva mostrava-se de vez em quando. Dos lados do rio Ferro erguia-se uma leve neblina, entrecurtada aqui e ali por uma folha esquecida e gasta que, sem forças, se deixava arrastar para o seu fim. Da cheminé da casa do meu vizinho, libertava-se um fumo esbranquiçado, e do meu quintalejo de bairro, o burburinho de duas avezitas, entretidas a debicar um diospiro mais maduro, mostrava-me que não é vergonha nenhuma matar a fome com o que é dos outros.
Depois de ter espalhado a minha atenção pelos espaços em redor e absorver os instantes que se me ofereceram, meti pés ao caminho e dirigi-me para a Escola Secundária de Fafe, onde se desenvolvia uma ocorrência do tamanho do mundo. Fazia-se a recolha de sangue no sentido de se apurar uma eventual compatibilidade de medula para o nosso aluno de 11ºAno e atleta dos Juvenis da Associação Desportiva de Fafe, Alberto Jorge, que precisa urgentemente de um transplante.
Como é difícil entender certos obstáculos que insistem em mostrar-se no início de algumas caminhadas!
A iniciativa promovida pela Escola Secundária de Fafe, e pelo Centro de Hispocompatibilidade do Norte revestia-se dum interesse sem limites e ia de encontro de dois vectores importantíssimos e que enriquecem a existência humana: a solidariedade e o amor.
Apenas uma mágoa se sobrepunha a esse meu querer estar presente nesse Domingo, no meu local de trabalho. Os meus quarenta e oito não permitiam que pudesse ofertar uma gota do meu sangue para, eventualmente, ajudar o nosso aluno a erguer o seu olhar na direcção do sol. Paciência! Se os conhecimentos médicos assim o determinam, não pode o nosso desejo inverter a situação. Mas esse facto de circunstância não me coibiu de estar presente nessa recolha de sangue e comprovar, com os olhos que Deus me deu, como as gentes de Fafe são possuidoras dum coração e duma vontade de ajudar maiores do que a imensidade do mar.
Quem passa, normalmente, aos domingos pela Escola Secundária e desvia o seu olhar para o que se passa entre muros, apenas encontra silêncios ou o esvoaçar das aves ou algumas eventualidades provocadas pelos devaneios do vento. Mas nesse Domingo de 14 de Novembro tudo foi diferente.
Por volta das quinze horas, altura em que entrei na área envolvente da escola, o céu ainda insistia em vestir-se dum acinzentado vivo, pormenor que contrastava com a claridade que advinha do polivalente, donde, num entrar e sair continuado de pessoas, se soltavam sorrisos e insistentes desejos de ser útil e ajudar.
Já dentro do polivalente da escola, vi todo aquele espaço repleto de gente, cada um dispunha-se consoante o momento, mas todos eles com um ar de dever a cumprir. Não vi caras tristes nem sorrisos sem nexo. Bem pelo contrário. Encarei confiança nos rostos e certezas nos gestos. Por lá encontrei pessoas de todas as classes sociais e de todas as fachas etárias. Também colhi algumas desilusões justificadas daqueles, que por um motivo ou outro, e tal qual como eu, não podiam ser dadores. Como foi o caso do Francisco, um aluno do nono ano, que se resignou aos seus quinze anos, com um dúzia de palavras, que escutei claramente:
- Fica para a próxima, pois, infelizmente, estas doenças nunca deixam de nos atrapalhar.
Como estava certo o Francisco! Esta vida nem sempre nos mostra a sua melhor face. Até parece que quer testar as nossas resistências. Mas, e apesar da nossa sina, não podemos deixarmo-nos levar pelas enxurradas e ventos contrários. O importante, no meio disto tudo, é olhar em frente e acreditar que a fé move montanhas e que a vontade e a esperança podem mostrar-nos o que mora para além do indefinido.
Acredito, e porque Deus existe, que o olhar carente da mãe do nosso aluno, que por ali se entrelaçava em busca de firmezas, pode gravar na sua intimidade que o Alberto irá ficar bom e seguir em frente, rumo a um futuro merecido. Não nos podemos que os anjos também habitam a terra.
Durante todo o tempo em que estive no Polivalente constatei como a força de ajudar faz bem e nos enriquece interiormente. Neste país assolado por uma crise agarradiça que teima em soterrar-nos sob o empoeirado da nossa pequenez, este imenso gesto de solidariedade e de amor em torno do Alberto veio mostrar que os bons espíritos ainda vogam em nosso redor. Jamais o descalabro das nossas finanças públicas ou incompetência dos nossos políticos estorvarão os passos dos que querem dar as mãos e partilhar.
Como é bom acreditar nos gestos que nos cercam e nas forças que nos movem!
Para ti, Alberto Jorge, dirijo este meu testemunho. Para ti, solto uma gota da seiva que me percorre a alma, para que a força da vida volte a sorrir dentro do teu querer.
Às veze,s são as adversidades da vida que nos ensinam a olhar mais além…
Carlos Afonso

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Essa nova Índia por achar.

Nasci num país repleto de sonhos de mar,
Gerados em almas da cor das manhãs
E presos à imensidade exacta dos séculos…

Ai… se as aves me emprestassem o seu esvoaçar sem fim
E a cor verde da esperança me cobrisse com o seu manto,
Tecido por mãos que fizeram os muros inquebráveis da história!

Escutem! ... Parece que ouvi gritos ávidos de risos e estrelas…
Será a voz do vento a bater nas velas claras das caravelas?

Não. Os caminhos percorridos por espíritos destruidores de medos
E de névoas sem rosto
Não rompem os portais do tempo…
Só a teimosia dos quereres, iguais aos de Vieira, Pessoa e Camões,
Podem acordar os fazedores da história
E apunhalarem a mesquinhez deste agora sem luz,
Estampado nos nossos olhos parados,
Avivando, de novo, a chama que jaz fria dentro dos corações.

Basta. A noite não pode continuar a crestar o brilho das madrugadas,
Indiferente a um passado repleto de heróis…

Ó Infante sem medo, ó Gama imortal, ó Pedro Álvares Cabral,
Não deixeis roubar as raízes pátrias que engrandecestes…
Firmes como a vontade que vos ata ao leme,
Erguei de novo a espada do império
E apontai no mapa que já foi nosso
Essa nova Índia por achar.
Carlos Afonso

Entre a vida e a morte

Nasce-se de ventres prenhes de esperança,
Donde a clareza sedenta de futuro
Se ergue por entre choros de Vida…

Depois…
Cresce-se ao sabor dos dias,
Toca-se em cristais de sonho,
Beijam-se luares claros,
Dorme-se no perfume dos lírios
Apontam-se certezas,
Colhem-se encruzilhadas,
Libertam-se passos definidos,
Erguem-se castelos de areia,
Atiram-se pedradas cinzentas,
Ouvem-se palavras sinceras,
Roubam-se momentos inocentes,
Afagam-se pores-do-sol sem volta,
Dizem-se verdades escondidas,
Semeiam-se searas ao amanhecer,
Sobem-se escadas incertas,
Comem-se frutos amargos,
Constroem-se noites sem estrelas,
Oferecem-se rosas sem espinhos,
Mergulha-se em rios parados,
Tropeça-se em caminhos de enganos
E …
Basta.

Acabou-se o tempo.
As portas cerraram-se,
O horizonte escondeu-se no ocaso,
As aves perderam-se na escuridão,
E o silêncio…
Ergueu-se por entre choros de Morte.

Um beijo no rosto

Nasci num país farto em memórias e cores de mar,
Destruidor de Adamastores e de medos sem história.
Como era vasta a vontade desse passado de horizontes!

Hoje, na alma do meu país, perfumada pelas verdades de Abril,
Esvoaçam gaivotas por entre trigais de esperança e céus de névoa,
Assentes num florir por chegar…

E amanhã?
Serão os rios capazes de mergulhar nas certezas dos seus ocasos?

Eu quero seguir por caminhos sérios,
Onde a apatia das curvas não esconda o encanto do sol
E a teimosia dos ventos não apague a verdade dos destinos.

Eu quero aprender a manobrar a imprecisão dos meus passos
E escutar o ensinamento conciso dos livros.

Eu quero que a escola me aponte a plenitude,
O futuro me deseje
E os sonhos dos poetas me movam…

Eu quero que mãos calejadas pelo tempo me mostrem a sua força
E me puxem para cima…

Escutem.
Não me façam esperar.
Emprestem-me firmezas.
Dêem-me respostas com sentido.

Como seria bom crescer por entre madrugadas
Que sabem sentir o acordar dos risos,
Tocar na clareza dos olhares
E dar um beijo no rosto!

C. A.

domingo, 7 de novembro de 2010

O mistério da Praça 25 de Abril

Como faço quase todos os dias, nessa sexta-feira de 22 de Outubro tomei o meu café na pastelaria Peixoto, um espaço agradável e familiar, situado a pouco mais de cinquenta metros de minha casa, ao mesmo tempo que ia pousando a minha atenção no televisor que se segurava impávido e sereno à parede, bem em frente aos meus olhos. Da novela que estava a ser transmitida, nada adveio que me preenchesse o interior, situação que não se repetiu, quando peguei num jornal de Fafe, que entretanto me fora entregue por um vizinho de mesa, e li uma notícia do que aconteceu há mais de um século, mas que não estava desactualizada. Assinada por um amigo que conheço, a mesma reportava-se a uma visita do nosso rei Dom Carlos I a Fafe, em 1906, extraída do Jornal Povo de Fafe de 1906, contando alguns pormenores da sua curta permanência nesta sala de visitas do Minho, sem esquecer o copo de água que o Sr. Dr. Florêncio Monteiro oferecera ao monarca.
É curioso como certos instantes, aparentemente pequenos, nos preenchem a vida e nos conduzem para realidades maiores!
Decidido a fintar a rotina dos dias, ignorei um compromisso para a tarde dessa sexta-feira e deixei-me conduzir por uma liberdade que me oferecia as ruas da cidade e os seus jardins. Subi a rua José Cardoso Vieira de Castro, deambulei ao sabor dos instantes e pouco tempo depois um banco de pedra da Praça 25 de Abril convidou-me a sentar, e eu aceitei.
Ao longe, uma neblina inesperada ofuscou o poente anunciado. Ao perto, a correria alegre de dois miúdos fez-me olhar um tempo sem volta. É engraçado! Os anos passam, os dias correm, mas certos gestos mantêm-se firmes na sua inocência, ávidos de nunca mudarem.
Sem que o esperasse, um barulho mais estridente dum automóvel antigo, provavelmente relíquia de museu, fez-me reparar no seu trabalhar ainda acertado, assim como na buzinadela com que o mesmo brindou os miúdos de há bocado, que não tiveram o cuidado de usar a passadeira, quando passavam de um lado da rua para o outro. Depois de perder o rasto do dito automóvel, que se dissipou no seu destino, voltei os olhos para os jardins que enfeitam este coração da cidade e por ali os deixei ficar.
A dada altura, e porque os momentos nem sempre são programados, um intenso reflexo, diferente dos que já tinha visto, chamou-me para um canteiro ainda florido, apesar de estarmos em pleno Outono. «O que será aquilo?» Questionei-me, instintivamente. Curioso, fiz um leve esforço, ergui-me, sorrateiramente, e descobri a origem de tão especial brilho. Era um copo. E pelo seu formato e qualidade, imediatamente comprovei que era de cristal e que já tinha um bom par de anos.
Sem me fazer rogado, peguei nele e sentei-me num banco de pedra, o mesmo onde estivera ainda há pouco. Olhei-o contra o sol e comecei a tentar perceber a origem de tão raro achado.
Estava eu nesta inquirição interior, quando na minha frente apareceu um colega de profissão e, sem mais, logo me questionou acerca do que estava a suceder à sua frente. Sem respostas conclusivas para dar, e depois de uma breve exposição, limitei-me a dar-lho para as mãos. Ele olhou, tornou a olhar e chegou à conclusão de que o acontecido devia ser divulgado e investigado, pois o dito copo era bastante antigo, talvez do princípio do século, e estas coisas não andam aos pontapés em jardins públicos. Bem! Nesse momento, o colega pousou o copo numa berma do banco de pedra, onde, agora, ambos nos sentávamos, e após mais alguns acrescentos, mudamos de conversa, pois a cidade e o mundo eram compostos de outras novidades. Palavra para aqui, palavra para acolá, vários temas foram abordados, um ou outro mexerico evidenciado, enquanto as horas lá iam seguindo o seu ritmo.
Ao olhar para o relógio, e eles foram feitos para isso, reparei que estava na hora de regressar a casa. Assim, e depois de uma primeira despedida, o meu colega de ocasião ainda me alertou para algo que eu já sabia e que estava relacionada com o mesmo jornal de Fafe que eu havia lido na Pastelaria Peixoto. Era a tal notícia da passagem do rei Dom Carlos I, há mais dum ano também por Fafe, assim como o pormenor do Sr. Dr. Florêncio Monteiro ter oferecido um copo de água ao monarca. Nesse momento, e quando a palavra copo veio à tona, os nossos olhos entrecruzaram-se, sendo de imediato, e tal qual uma pedrada certeira, dirigidos para o meu estranho achado e que ainda permanecia impávido e sereno sobre o banco de pedra. Em simultâneo, e mais parecendo um dueto afinado, devidamente contextualizado numa récita vespertina, umas simples palavras se soltaram da nossa estupefacção:
- Será o mesmo copo?
Do horizonte desprendeu-se o anoitecer e, no meu íntimo, escutei, claramente, a mesma buzina do automóvel antigo que há mais de uma hora havia chamado à razão aqueles dois miúdos que, num tom de irreverência, ignoraram a passadeira.
Carlos Afonso

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

El Rei Dom Sebastião regressou do meio dos cardos

Nessa sexta-feira de Outubro, a noite não estava para brincadeiras. A chuva caía forte, o vento varria tudo à sua passagem e uma neblina insistente associava-se à escuridade da noite, quase que impedindo que os persistentes candeeiros da rua, com o seu alumiar amarelado e gasto, dessem um ar da sua graça. Dos meus olhos, escondidos por detrás da vidraça do quarto, derivava uma curiosidade esforçada, procurando aqui e ali um ponto de referência que amenizasse um pouco aquele quadro desengraçado. Perdi o meu tempo.
Ainda antes de dormir, ou porque o arfar assustadiço do temporal que vinha lá de fora não dava tréguas, nem mesmo dentro do quarto, ou porque ainda não era hora de embarcar no sono merecido, um diálogo a dois puxou-me para outras certezas.
Depois de um breve desfiar de ocorrências da véspera, que tanto eu como a minha esposa trouxemos para aquele momento de aparente insónia, uma história, ou melhor, uma conversa que ela havia tido com uma colega nossa, na escola, nessa manhã, veio relembrar-me o que já há muito tempo sei. O país parece que não consegue desenvencilhar-se da corda que lhe aperta o fôlego, e um certo desnorte começa a embrenhar-se por entre o nosso acreditar. Não admira, por isso, que a nossa colega tenha dito à minha esposa, com uma voz algo atarantada e sem remédio, que, provavelmente, teria de despedir a empregada, porque o dinheiro do seu vencimento já não chegaria para esse encargo.
Já agora, sabem o porquê desta aflição toda? Eu conto, mas juro-vos que não vai apanhar ninguém de surpresa. O nosso governo, num gesto pouco original e sem provas dadas, desenterrou do meio da rispidez que cobre Portugal uma solução que irá, em princípio, perfumar este jardim à beira mar plantado. Isto é, decidiu aumentar aos impostos e subtrair aos ordenados, sem se esquecer, também, de cortar algumas regalias que apenas eram sentidas por alguns.
Ora bem! Esta jogada de mestre, no entender de quem a arquitectou, provavelmente, irá salvar o país. Espero bem que todos estes sacrifícios exigidos não acabem por encher alguns sacos errados e que as coisas continuem na mesma. Convém não esquecer que até o caminho mais íngreme tem sempre um ponto de chegada
Só um aparte. Como é que fica a situação da empregada da minha colega, no meio disto tudo? Quem é que irá zelar pelos suas obrigações e vontades, se a desgraçada tiver de ser despedida, para que a pátria se possa erguer do nevoeiro onde a mergulharam?
Coitada! A corda quebra-se sempre do lado do mais fraco. Ai vida, vida! Talvez um dia as coisas mudem e a água deixe de correr só porque o rio a leva.
Nessa noite de temporal e de algumas angústias à flor da pele, onde não faltou o relembrar de todo um rol de negatividades que têm vindo a afectar os portugueses, até os discursos sérios e preocupados dos nossos políticos vieram à tona.
Reconheço que esta conversa entre mim e a minha esposa, à partida, não seria a melhor solução para quem precisava de uma noite bem dormida, mas o que é que se havia de fazer? Às vezes, os assuntos nem sempre são os que mais nos convêm, mas o facto é que eles surgem.
Apesar de tudo, o sono sempre acabou por chegar, arrancando-me daquelas constatações nuas e cruas, e conduzindo-me para um sonho que me afastou da clareza do óbvio.
Das profundezas do meu dormir, vi emergir do fundo dum imenso mar de cor verde, repleto de cardos sem flor, uma nau com as velas desfraldadas, e onde se podia ver, no seu interior, um homem ainda jovem, que aparentava ser uma figura importante, talvez um rei. As suas mãos estavam presas ao leme e o seu olhar estendia-se pelo horizonte. De repente, duas gaivotas, vindas do nada, desceram a pique sobre a embarcação e poisaram nos ombros de tão estranho e altivo marinheiro e um vento suave começou a fazer-se sentir, enquanto uma névoa gélida envolveu os espaços. Quase de seguida, o ribombar dum trovão assustou as aves que, num repentino esvoaçar, mergulharam por entre os cardos e desapareceram. A névoa tornou-se, ainda, mais baça. Num gesto determinado, o tal homem despegou os olhos do horizonte, apontou numa direcção precisa e a nau começou a movimentar-se nesse mesmo sentido.
Numa força concertada, os cardos começaram a remexer-se, enrodilhando-se, por vezes, uns nos outros, como que querendo impedir que a nau seguisse o seu rumo. Não lhes valeu de nada, porque uma força maior guiava o querer daquele homem que continuava com o dedo apontado numa direcção precisa.
A dada altura, a névoa, como que num gesto de magia, dissipou-se e uns quantos relâmpagos começaram a cruzar tudo em redor. Como que vinda não sei de onde, uma voz estridente e firme começou a ouvir-se:

«Levando a bordo El-Rei Dom Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto, o pendão
Do Império,
A última nau, ao sol da esperança
Regressa às praias de Portugal,
Na ânsia de erguer da noite
Um povo com alma
E que quer voltar a ser grande.»

Num esvoaçar aflito, as gaivotas assomaram à tona da água, ergueram-se no ar e seguiram o balouçar determinado da nau, ladeando-a, numa postura que mais parecia a de uma guarda de honra.
Meu Deus! Nessa altura um só pensamento me surgiu: «Afinal o nosso fatídico rei, não morreu nos campos de batalha de Alcácer-Quibir! Isto quer dizer que os bruxos, os adivinhos e o nosso grande poeta, que escreveu o seu livro “… à beira mágoa”, sempre tiveram razão, quando diziam que ele havia de regressar numa manhã de nevoeiro, para salvar Portugal.»
Sem que a minha vontade o desejasse, uma música descontextualizada trouxe-me para a realidade do quarto, fazendo com que o sonho que me envolvia se desvanecesse. Era o previdente despertador.
Reparei nas horas, levantei-me, abri a persiana e olhei o exterior. Da chuva diluviana da noite, apenas o molhado da vegetação em redor o indiciava, porque o amanhecer azulado do céu dava a entender que o dia iria trazer outro esplendor.
Ainda absorto no que advinha do meu dormir, não deixei de reparar no que os olhos me traziam lá do fundo daquele horizonte que acabara de acordar: uma nuvem em forma de barco, ladeada de duas aves que, num movimente lento, se moviam na minha direcção.
Claro que, na altura, da minha cabeça só podiam ter discorrido aquelas palavras, e que ainda guardo no entendimento: «Que estranho! Será que é o que estou a pensar?
Talvez a empregada da minha colega esteja com sorte.»

Carlos Afonso

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ser Professor…

Ser professor é crescer no meio de verdes prados que anseiam pelo sol de Maio!
Ser Professor é caminhar por montes e vales, onde a braveza dos momentos se mistura com os encantos da paisagem!
Ser professor é semear sonhos e estrelas em corações famintos e tenros!
Ser professor é ajudar a construir castelos, onde a areia é mais fina!
Ser professor é saber encontrar certezas onde reinam os silêncios!
Ser professor é palmilhar caminhos difíceis e ir ao encontro do sol!

Ser professor é ser pai, mãe, amigo, confidente, resistente, sonhador, actor, orientador, companheiro, lutador, conselheiro, sofredor, acrobata, pintor, escultor, doutor, músico, psicólogo, palhaço, fragmento, ciência, tolerância, acção, guia, rumo, névoa, luz…

Ser professor é dar, abrir, erguer, encarar, cuidar, amar, subir, sorrir, encontrar, resistir, viver…

Ser professor é ser gente.

Carlos Afonso