sábado, 10 de setembro de 2011

Viagens na Minha Terra



Uma das muitas maravilhas que a vida terrena ainda nos pode oferecer, sem que os empecilhos dos homens a afoguem nas canseiras dos dias, é o encanto de regressar a espaços que nos querem bem e aí, aquecidos pela seiva das manhãs, partilhar momentos com amigos e conhecidos.
Após umas necessárias férias de Verão, que me ajudaram a revitalizar o corpo e alma, aqui estou mais uma vez nas folhas do nosso querido Povo de Fafe para um novo ano de convívio, confidências e encontros. Ao seu director dirijo o meu apreço e gratidão por esta oportunidade. Espero estar à altura de tão destinta publicação e contribuir positivamente para o bom nome de Fafe e das coisas que alindam os destinos.
Depois de uma semana em Paris, nos finais de Julho, o norte de Portugal foi o destino dos meus dias de Agosto. Fafe, Aboim, Vila do Conde, Viana do Castelo, Vila Nova de Cerveira, Póvoa de Varzim, Ponte de Lima, Alfândega da Fé e Parada, o doce lugar onde eu nasci, foram os espaços que me seguraram à vida e me emprestaram os encantos do oitavo mês do ano. Foi uma espécie de périplo encantado por entre montes e vales, mares e rios, aldeias e cidades, olivais e pinheirais, fragas e jardins, igrejas e capelas, arraiais e praças, corações e sonhos, sabores e afectos, foguetes e beijos, entre outras dicotomias pintadas de cores meigas.
Se Almeida Garrett viajou de Lisboa a Santarém e daí escreveu uma das novelas mais bonitas que compõem a esplendorosa estante literária Portuguesa, as Viagens na minha terra, reflexo do que os seus olhos viram, sentiram e pressentiram, eu limitar-me-ei apenas a soltar alguns arrufos repletos de paladar e perfume das minhas viagens.
Sem a obrigatoriedade e rotina das aulas, as férias fizeram com que o meu singelo quintal de bairro usufruísse mais do meu tempo. É deveras interessante mexer na terra, regar o que é preciso regar, subir à figueira e tentar vislumbrar um figo em condições, colher os legumes e sentir o resultado da nossa atenção. Jamais ignorarei o prazer de colher um simples tomate já maduro e a fresca alface, cheirar a hortelã mourisca e reparar no atrevimento dos melros. Sentir o perfume das rosas também é um dos meus deleites, faz-me lembrar outros tempos e outros encontros.
Fafe, para mim, é um daqueles lugares que nos enchem o peito sempre que os finais de tarde e princípios de noite de Agosto se mostram. Não admira por isso que um passeio pela cidade por essas alturas do dia é divinal. Podemos usufruir da calmaria das ruas, escutar aqui e ali os nossos emigrantes, tocar na frescura que se levanta e encontrar amigos. Gosto imenso de ser levado pela leviandade dos passos e não marcar as horas do regresso.
A pouco mais de quinze quilómetros de Fafe desponta uma das aldeias mais típicas do Minho. Aboim, a terra da minha esposa, é um dos espaços que nos enchem de pasmo e afeição. As pessoas são especiais. Os campos cheiram a paz e eternidade. Os carvalhos orgulham-se da sua originalidade e não se importam com a minha presença. O arroz de frango da minha sogra é único. As águas dos ribeiros são cristalinas. O Moinho de Vento tem por hábito emprestar-me o seu carácter ao passo que a Poça de Mesio gosta de me contar histórias. Um dia, e tal como fez Garrett na sua novela quando nos narrou os amores impossíveis de Joaninha e Carlos, também vos darei a conhecer uma ocorrência que teve o seu início nesta Poça tão especial. É engraçado, a pedra que esteve na origem de tudo ainda lá está impávida e serena.
Claro que uma passagem por Vila do Conde já se tornou um hábito para mim e para a minha família. Digo mesmo que um verdadeiro mês de Agosto tem de cheirar a mar. Nesta cidade onde o rio Ave se entrega ao Atlântico e o vento norte gosta de se enrodilhar, encontro, também, algum sossego e inspiração. Gosto de me passear pelas avenidas à beira mar. Aprecio os momentos em que vou comprar sardinhas na lota e converso com as peixeiras. É um costume meu usufruir dos eventos que por esta altura florescem em Vila do Conde, olhar o rumo incerto das gaivotas, e tentar entender como no Séc. XV e XVI conseguimos ser os senhores dos mares, quando reparo na imponente nau atracada no porto da cidade. É evidente que não prescindo de uma visita à Casa Museu de José Régio e um encontro sentido com o Senhor dos Navegantes nas Caxinas. Mergulhar no frio mar que por aqui se espraia é o único problema que ainda não consegui resolver. Já que estou por estas bandas, uma ida à Póvoa de Varzim em busca de algumas memórias de Eça de Queirós, e não só, é muito importante para mim.
Uma vez que as horas não estão rigidamente marcadas e os caminhos gostam de ser percorridos, o finado mês de Agosto teve o mérito de me ter agraciado com outros mimos: mais uma exposição em Vila Nova de Cerveira; um encontro encantado com os jardins de Ponto de Lima; a participação nas festas de Viana do Castelo, levando-me a mergulhar a atenção nos usos e costumes desta antiquíssima terra, banhada pelas águas plenas de memória do rio Lima.
Como bom transmontano que sou, não prescindi de visitar as terras que me viram nascer e beber na rudeza das fragas a força necessária para um novo ano de muito trabalho. Na minha querida Parada, uma singela aldeia de Alfândega da Fé, tive o prazer de encher o meu coração de coisas boas e necessárias para a minha sobrevivência: colhi os afectos da minha madrinha e mãe; comi uvas bem madurinhas; escutei os queixumes do rio Sabor, aprisionado na sua revolta contra uma barragem que lhe quer roubar as margens; saboreei um óptimo queijo de cabra; fui à festa do Santo; apanhei a minha amêndoa; revi vários amigos; cumprimentei os velhos zimbros da minha alada infância e abracei tudo o que me abriu o peito.
Uma vez que no preciso momento em que estou a escrever esta crónica já é Setembro, e tenho uma reunião na escola daqui a uma hora, vou terminar e entregar-me à rotina dos dias.
Por muito que os momentos nos queiram sujar o rosto, não caiamos no vazio. Peguemos nos encantos que se escondem nas nossas certezas e caminhemos repletos de alegria.

Carlos Afonso

sábado, 20 de agosto de 2011

Do outro lado do espelho




Às vezes, os lugares tornam-se especiais devido a pormenores que quase passam despercebidos, e não pelas grandezas em que todos reparam. Não admira, por isso, que, para algumas pessoas, a imensidade do mar se torne irrelevante perante a limpidez duma pequena nascente.
Em pleno coração do Vale do Lima, a beleza genuína e peculiar da vila mais antiga de Portugal esconde raízes profundas e lendas ancestrais. Foi a rainha D. Teresa quem, na longínqua data de 4 de Março de 1125, outorgou carta de foral à vila, e foi numa tarde de Agosto que Francisco descobriu nesta vila, uma terra afável e orgulhosa do seu passado, como um espelho pode conseguir mudar uma vida.
Antes de avançar, apenas duas explicações que, provavelmente, seriam desnecessárias, se tivermos em conta as evidências que vão sendo apresentadas. A vila de que estou a falar é Ponte de Lima, a quem chamam também a princesa do Lima. A personagem principal desta história, o Francisco, é apenas uma personagem, e pronto.
A tarde estava solarenga, mas, e apesar de estarmos em Agosto, o calor costumeiro desta época do ano não se fazia sentir. Assim, e porque o momento se propiciava, Francisco e mais um grupo de amigos decidiram visitar uma exposição diferente, e ao mesmo tempo especial, que decorria por essa altura em Ponte de Lima. Era uma exposição de jardins. Sem sombra de dúvida que, e eu posso ter toda esta certeza porque já tive o prazer de a visitar, o que aqueles amigos viram e sentiram jamais sairá das suas memórias, principalmente para Francisco.
As flores com as suas mais variadas formas, cores e perfumes, assim como diversos tipos de arbustos, árvores e demais materiais decorativos espalhavam-se por toda uma área restrita, subdividida em pequenas parcelas ajardinadas bem ao gosto dos seus criadores. Cada um destes fragmentos ornamentais tinha algo de ímpar e até peculiar, mas todos eles estavam bem contextualizados num espaço maior, onde também se podiam ver típicas ramadas de videiras, carregadas de uvas quase maduras, avenidas de limoeiros com os seus frutos tingidos de um amarelo esverdeado, espaços relvados, alguns pontos de água plenos de frescura e outros detalhes a condizer. Em redor deste sítio sazonal, construída pelas mãos de homens com gosto, e sem que o ciúme os tenha afectado, desenhavam-se, no seu tom altivo, as nativas cores desta zona minhota e a calmaria esplêndida do rio Lima. Tudo parecia perfeito. Até o azul do céu tinha mais cor, e a passarada mal se fazia ouvir, para não dividir atenções.
Eu sei que esta vila do Minho é detentora de uma rara beleza, derivada de raízes romanas e medievais, esculpida em rostos com memória e amassada em sabores de qualidade, para além de muitos outros pormenores contemporâneos. Mas nessa tarde, o que mais se evidenciou aos olhos de Francisco, a personagem evidenciada nesta história, foi esta exposição, e mais concretamente um dos pequenos jardins que compunha esta combinação de arte e cor. Um jardim que, e para além do que é habitual encontrar em sítios como este, tinha plantado nas suas bermas espelhos. Não eram espelhos normais, daqueles que mostram as certezas dos homens ou ajudam a reparar as imperfeições das formas. Eram espelhos que alteravam as aparências, tornando-as mais disformes ou menos disformes. Tornando os mirones, e dependendo da sua posição, mais gordos ou mais magros, mais altos ou mais arrochados, e por aí fora. Quer isto dizer que este jardim, de que não memorizei o nome do seu autor, mostrava o contexto conforme o ponto de auscultação. Quer isto dizer que este jardim, de que não memorizei a nacionalidade do seu autor, mostrava a conjuntura consoante o sítio de observância. Francisco também reparou nesta leviandade criativa tão fora de propósito e gostou do que viu.
Antes de continuar, e porque me sinto na obrigação de o fazer, quero evidenciar que nem todos somos iguais, e que os gostos se podem ou não discutir. O que para um de nós pode ser natural e vir a propósito, para outro pode ser fútil e sem qualquer sentido. Voltemos à história.
Tanto Francisco como os amigos acharam interessante aquela maneira diferente de esboçar um jardim, envolto na singularidade dos seus espelhos E divertiram-se imenso com o que eles reflectiam. Muitas posturas se lhes ofereceram e o resultado roçava sempre o sorriso e até a gargalhada. E curioso como a intelectualidade humana se reduz, por vezes, ao caricato dos instantes!
A primeira imagem do Francisco foi assustadora e ao mesmo tempo engraçada. A sua estatura de um metro e sessenta e cinco, acompanhada de um peso de noventa e tal quilos, o que nos parece demasiado, tendo em conta a sua altura e idade, mostrava-se, agora, ainda mais descomunal e até aterradora. Algum tempo foi passando e muitas outras posturas se experimentaram. O pasmo e a alegria iam sendo gerais e, por momentos, as flores iam perdendo o seu perfume.
A certa altura, e porque já estava escrito no destino da tarde, do outro lado do espelho surgiu um reflexo encantado que imobilizou Francisco. Bem do outro lado do espelho assomou uma figura esbelta e de porte quase atlético, mas com um rosto de traços conhecidos, mas demasiado sério para a ocasião. A nossa personagem principal ficou algo atarantada com o que os seus olhos lhe estavam a evidenciar. Instintivamente, escondeu-se no adormecimento que escorreu do seu íntimo, e nem reparou no chilreio espontâneo de um pardal, pousado num ramo qualquer, que não interessa determinar. Passados um ou dois minutos, pegou no seu olhar e atirou-o para a realidade quase obesa do seu corpo, e não disse nada. Depois, voltou a reparar na irrealidade que o espelho lhe ofertava e, numa atitude envergonhada, espetou com o seu silêncio na face do espelho, e disse:
- Eu podia ser igual a ti, mas …
No preciso instante em que estas palavras iam ter continuidade, a voz de um dos amigos que acompanhavam Francisco nesta visita à exposição dos jardins de Ponte de Lima, alertou-o para a necessidade de continuar, pois já se fazia tarde. Como era de esperar, do outro lado do espelho tudo se apagou.
Será que esta história acaba aqui?

Carlos Afonso


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Amanhã




Amanhã, quando eu morrer,
Não chorem sobre o meu peito
Nem colham memórias de mim!

Peço apenas uma flor
Colhida ao nascer do dia
E pousada na apatia do meu corpo
Antes de um novo caminho me levar.

Amanhã, quando eu morrer,
Não falem daquilo que fui
Nem usem sinais de dor!


Peço apenas uma história
Escrita com um final feliz
E contada ao silêncio do meu rosto
Antes de um novo gesto me encontrar.

Amanhã, quando eu morrer
As aves voltarão ao lugar onde eu nasci…

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um Português em Paris…



Viajar, na verdadeira percepção da palavra, permite-nos tocar espaços e gentes, tão diferentes e tão iguais!
Sim. A cor da pele ou a forma de vestir, já para não falar dos gostos, entendimentos, língua e práticas de cada região, devidamente localizada, não são factores de plena distanciação entre o ser humano. Há sempre algo que nos torna unos e filhos da mesma condição. Alberto, o português desta história, percebeu perfeitamente essa realidade, quando abriu os olhos e reparou que os encantos e desencantos de Paris que, e apesar da sua especificidade, tinham a mesma cor de outras vezes e de outras histórias.
Ainda o avião da Aigle Azur não tinha aterrado em Orly, um dos aeroportos internacionais de Paris e já Alberto matutava na melhor maneira de se deslocar para o centro da capital francesa, pois era aí que se localizava o Hotel onde iria ficar hospedado. É evidente que os receios evidenciados não se fizeram esperar. O tomar o autocarro errado fez com que o português fosse ter a um destino não programado. O que lhe valeu foi a atenção e o cuidado de quem não se importa de oferecer o seu tempo aos que dele precisam. Assim, a ajuda de um senhor com alguma idade, que se esforçou bastante em perceber o sentido das palavras, proferidas num francês muito atrapalhado por parte deste viajante vindo do norte de Portugal, que, em simultâneo, não se cansava de apontar o seu objectivo final, num mapa ainda novo, tornou-se crucial.
Alberto teve de apanhar um outro transporte, neste caso o metro. “Mas que grande confusão, meu Deus” - pensou ele sem dizer nada a ninguém, (se é que isso iria ajudar em alguma coisa). Depois foi só ter de palmilhar uma rua bem comprida com a mala às costas e pronto. Bem, e sem me demorar mais, depois destas aparentes dificuldades tão próprias de quem não sabe todos os caminhos do mundo, a porta do Hotel Axel Opera, restringido à rua Montyon, com a sua fachada carregada de passados, abriu-se de par em par.
É maravilhoso encontrar um sítio que nos espera, principalmente quando o caminho nos faz ansiar a chegada.
Paris, que até a esta altura não se dera a conhecer, e por motivos mais que óbvios, fez questão agora, no momento em que o português saiu do hotel para conhecer esta grande capital, de se vestir em tons de um Verão ameno e prenhe de novidades para oferecer. O facto de o hotel se situar bem no coração deste burgo com mais de mil anos de existência e a quem chamam a Cidade Luz, muito por culpa da sua efervescência durante o Iluminismo, ajudou a que as várias distâncias e direcções não parecessem demasiado longe. Tudo tinha o seu espaço, beleza e funcionalidade. No ar, o cheiro a crepes abriam-lhe os desejos, e um barulho que não incomodava levavam Alberto a caminhar com vontade e com gosto.
As fachadas das casas comprovavam-lhe um museu ao ar livre. Os rostos fascinavam-no pelo seu multiculturalismo. As surpresas apresentavam-se-lhe em cada esquina e as longas avenidas pediam-lhe para continuar. De repente, e bem à sua frente, a Opéra National de Paris Garnier, com a sua associação de estilos que vai do Clássico ao Barroco, datado de 1875, indiciou-lhe a opulência de uma cidade repleta de monumentos e pinceladas de história e impérios. E quase sem dar por isso A partir daqui, e dia após dia, tudo o tingia de momentos inesquecíveis.
Ao longe, e para onde quer que fosse, a Tour Eiffel mostrava-lhe, de uma forma bem clara, que a sua imponência fazia dela o verdadeiro ex-libris de Paris, e que a sua fama a levava a ser a obra de arte mais fotografada do mundo. Ao perto, e por muita pena sua, não a pode visitar, porque a polícia lhe tolheu a intensão. Tanto a torre como o espaço envolvente estavam vedados ao público, uma vez que era véspera do 14 de Julho, dia da França, e o fogo-de-artifício ia ser lançado do seu interior, às 23 horas em ponto.
Sempre com uma vontade que criava espanto, os quatro dias de visita foram um autêntico redopio. A noite e o quarto do hotel só o retinham para umas breves horas de sono, e pouco mais. O corpo já não acolhia outras ousadias, mesmo que se estivesse em Paris.
O Museu do Louvre, com a sua sumptuosidade e a sua jóia da coroa, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, não o decepcionaram, assim como aconteceu com outros locais de renome: Les Invalides; a Place de Montmartre; a Notre-Dame; a Sorbonne; os Jardins do Luxemburgo; o Centre Pompidou; o Moulin Rouge e a Place Pigalli, repletos de folia e decotes a condizer; o Arco de Triunfo, com as suas magníficas vistas; as galerias Lafayette, com os seus luxos; o Sacré Coeur, com a sua postura imponente, tendo Paris ajoelhada a seus pés; a lace de Montmarte, repleta de pintores; e muito mais…
Perante tamanhas maravilhas que só uma cidade como Paris pode oferecer, os olhos de quem as focaliza tornam-se pequenos. O que vale são os registos fotográficos que ajudam a cimentar as ideias.
Alberto deu o seu tempo por bem empregue, mas algumas experiências ficaram por cumprir. Não admira, por isso, que este português, morador na Sala de Visitas do Minho, tenha feito o juramento em pleno rio Sena, na altura em que usufruía de um passeio de barco, de que iria de voltar. Eu penso que ele vai cumprir o juramento. Querem apostar?
Bem, no meio de tanta descrição, quase não arranjava espaço para um caso de ocasião, de entre outros, que marcou esta viajem de Verão. Ora prestem atenção, e depois digam-me da sua justiça.
Subindo apressadamente a Avenue des Champs-Élysées, uma prestigiada avenida de Paris, com os seus cinemas, cafés, lojas de especialidades luxuosas e árvores de eleição, os castanheiros-da-índia, um sem-abrigo mostrou-se numa postura algo agressiva, não contra Alberto, mas contra um rapaz ainda novo que lhe pontapeara uma pequena caixa de lata que lhe servia para guardar algumas moedas que lhe pudessem dar. O mais curioso foi o que o mendigo, um homem com umas barbas de respeito, e vestido todo de negro, disse e tornou a dizer:
- Filho da puta, se fosse na minha terra eu dizia-te como era.
Sem qualquer impostura, Alberto aproximou-se do seu conterrâneo, para quem Paris de nada lhe serviu, deu-lhe dez euros e segredou-lhe aos ouvidos.
-Tenha calma, que tudo se há-de arranjar.
A fúria do mendigo perdeu o ímpeto e um suor envergonhado arranhou-lhe a cara. Meio atordoado, colou a atenção em Alberto, e, sem mais, sorriu e disse obrigado. Depois escondeu-se no meio da multidão e saiu de cena.
É pena que a luz nem sempre brilhe ao cair da tarde.
Desculpem, mas acho que vou terminar, pois a crónica já vai longa. Prometo que em breve retomarei o tema.
Só um aparte importante. Este português não viajava sozinho. Ele fazia-se acompanhar pela esposa, uma mulher determinada, nascida numa terra abençoada pelos deuses, no mês em que as camélias mostram a sua cor aveludada, e detentora de um olhar intenso e claro. Provavelmente, se Alberto não tivesse trazido companhia de Portugal, e conhecendo eu a forma fácil como seus sentidos se apegam às realidades e à volúpia dos instantes, outra água teria corrido por debaixo das pontes do Sena. Creio que estou a exagerar.

Carlos Afonso

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Fafe, com fé e amor

Fafe é uma terra airosa

Como poucas em Portugal,

A sua história é famosa

E a sua alma sem igual.


As suas ruas mostram os destinos

E as vidas de muitas gentes,

As igrejas com os seus sinos

Garantem a fé dos seus crentes.


A Senhora de Antime, Mãe de Deus,

Rogamos muitos favores,

Pois nós somos filhos seus

E entregamos-lhe os nossos temores.


De todas as festas do Minho

Não há outra como a nossa,

Não falta vitela nem vinho,

E a sua procissão é grandiosa.


Eu gosto de morar neste ninho,

A quem chamam um amor de cidade,

Aqui recebi muito carinho

E encontrei a felicidade.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O menino das fragas






Eu sei muito bem que a vontade dos homens nem sempre cumpre os rituais e, de vez em quando, conduz-nos para reinos que moram bem perto das estrelas, reinos onde as flores mudam de cor, conforme os anseios de quem as olha, e os meninos são do tamanho de homens a sério. Não admira, por isso, que o dia 21 de Maio de 2011 possa vir a ficar para a minha história de vida, como um dos dias mais mágicos que percorri.
Para quem gosta de Miguel Torga, o grande escritor transmontano, e se desloque à sua terra natal, São Martinho de Anta, todo o seu entendimento é acariciada por uma imensidade de curiosidades, lugares e paisagem sem igual. E, porque não podia deixar de ser, a Serra da Senhora da Azinheira enquadra-se, na perfeição, nesta ampla abrangência, não só por causa das magníficas vistas que de lá se usufruem, como dos segredos que por lá ainda se podem escutar. Claro que Deus também tem neste lugar um poiso de destaque. E mesmo detentor da omnipotência que se lhe conhece, fez questão de se fazer representar ali pela mãe de Jesus, a Senhora da Azinheira. A Senhora mora numa solitária capela no fresco ar da montanha, onde o magnífico panorama, enche a vista dos que lá se refugiam em meditação ou dos passantes que poisam naquele mirante natural, e donde se podem abarcar treze concelhos. É pois uma dádiva ímpar da Natureza podermos observar as tonalidades de verde agarrados a fachas de espaços esbatidos de cinzentos e azuis, assim como escutarmos o chilrear cadenciado da passarada.
Foi aqui que pelo século XVIII se construiu ”…fora deste povo em distância de três tiros de mosquete para a parte do Norte huma formoza capella com a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, que dizem se chama assim por haver no dito sítio antiguamente huma arvore chamada Azinheira…”; “… tem a capella aparências de Matriz…”; “…finalmente não se encontra nesta Província capella de serra com mais custo e galhardia…”.
Na capela - mor a tribuna tem ao cima a representação da Santíssima Trindade, com Nossa Senhora ao meio e duas imagens ladeando-a que são Deus Pai e Deus Filho, Jesus. Por cima, uma pomba branca representando o Espírito Santo, que teve em tempos no bico uma coroa para pousar na cabeça da Senhora coroando-a como Rainha do Céu e da Terra.
Neste retábulo, estão inseridos à direita e à esquerda de quem entra, as imagens dos Santos já referidos em pequenos mísulas e não propriamente na tribuna.
Entre o altar de S. José e o arco divisório da capela - mor há uma coluna cilíndrica de granito, alta, onde, em cima de uma peanha, se encontra a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, de pequenas dimensões, policromada, que sai na procissão no seu andor de cetins, no dia 15 de Agosto, o dia da festa anual.
A capela de Nossa Senhora da Azinheira está implantada numa colina a 750m de altitude. Em seu redor a natureza exulta e pasma qualquer visitante, principalmente se vier à procura de indícios de Miguel Torga.
Um dos contos mais belos do grande escritor transmontano, Natal, teve por assento este ambiente paradisíaco, o que só vem engrandecer ainda mais a abrangência deste espaço tão pertinho do céu. De certeza que Garrinchas, personagem principal do conto, foi instigado por Deus a acolher-se na capelinha da Senhora da Serra, para fugir do imenso nevão que parecia querer engolir tudo em redor. Depois, Torga só teve de dar azo ao seu amor à terra mãe, à sua rica imaginação e à sua criatividade.
Quando o grupo de professores de Fafe chegaram às terras de Torga, a Senhora da Serra foi um lugar obrigatório a visitar. Quero apenas referir que fomos muito bem recebidos pelo Sr. Vereador da Cultura de Sabrosa e pelo Sr. Presidente da Junta de São Martinho de Anta, neste roteiro cultural. E porque não podia deixar de ser, ambos nos acompanharam na nossa demanda.
Do muito que vimos e tocamos, um pormenor evidenciou-se no meu entendimento, e que gostaria de partilhar com os leitores. Garanto-vos que é quase tudo verdade.
Chegados ao alto da serra, e depois do pasmo inicial, o Presidente da Junta, num tom rústico e apaixonado, começou a interligar a capela com o espaço literário de Torga. O raio do homem fazia-o de uma forma exuberante e autêntica. Até parecia a própria encarnação do escritor. A dada altura, o coração e a alma tiraram-me do local onde estávamos a escutar a guia de ocasião e remessaram-me para o meio das fragas, que se escondiam por detrás de umas torgas e pinheiros.
Sem que o esperasse, o impensável aconteceu.
Miguel era apenas uma criança como todas as outras da sua idade, embora o seu rosto tisnado e levemente crestado pelas têmperas do sol transmontano indiciasse o contrário. Quanto à idade, de certeza que não tinha mais de 12 anos, apesar de as mãos mostrarem uma cor calosa e habituada aos afazeres do campo. As suas roupas estavam sujas e demasiado encardidas para os tempos que correm e o cabelo parecia um pedaço de terra acabada de lavrar. O seu olhar era intenso, quase do tamanho dos espaços que o cercavam, facto que me causou espanto e fascínio.
Mas… o que fazia ali, bem no cume da serra esta alma irrequieta?
Cumprimentei-o e perguntei-lhe o nome. Sem muita pressa, respondeu-me. Não se alongou mais. Limitou-se a entregar-me o pedaço de uma fraga e um leve sorriso. E mais nada… Depois, numa pressa sem igual, começou a correr monte abaixo e desapareceu do meu alcance.
Claro que eu percebi todo este enquadramento.
Regressei ao lugar a que a minha imaginação me havia roubado e entrei na capela.
Que maravilha!

A grandeza do homem não está, apenas, nas metas que alcança, ela desenha-se, principalmente, nos sonhos determinados que o movem.

Carlos Afonso

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Perguntai por mim!


(Poema dedicado aos meus alunos de 12ºR)

Os dias de cada vida
Não são todos iguais.
Às vezes, atiram-me lama ao rosto
E cobrem-me de imundices vazias.
Outras vezes, obrigam-me a caminhar,
Na direcção que desejo alcançar,
Mas não quero que acabe as sim.

Eu sei que os destinos têm de andar…
Eu sei que tenho de soltar do peito
Os sentimentos dos que vão,
Sem saber se tornarão,
Sem saber se me dirão
O que ainda não senti!

Tempo, não roubes o sonho dos que têm de sair
Nem me oprimas com esse fim
Que ainda não acabou,
Mas que tem de subir à morada das estrelas
E à foz onde começa o mar
E cessa o meu tocar.

Ai, como as estações estão certas!
Mesmo que os ventos destruam a calma dos prados
E as flores percam a cor,
E se afastem das certezas primaveris…

Basta.
Os meus choros não podem apagar os risos dos que querem ir adiante.
Os caminhos têm de seguir o seu rumo
E as vozes não podem calar-se antes de Deus as escutar.

Ide, amigos do peito, aves da esperança, corações de mel!
Segui o rumo das aves,
Bebei a clareza das nascentes,
Colhei os frutos das vontades,
E amai o nascer do luar.

Um dia, mais tarde,
No momento em que os vossos olhos
Já beberem a seiva de outros peitos,
E os vossos corpos roçarem outros prazeres,
Iguais à plenitude dos anjos,
Voltai a esta escola
E perguntai por mim!

Com muito carinho, Carlos Afonso…