quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A menina mais triste do mundo


  


A história que vos vou contar tem como personagem principal uma menina de cabelos pretos que um dia escreveu numa folha a fingir de carta de que era a menina mais triste do mundo.

Era o primeiro dia de outubro de 2012 e tinha acabado de lecionar a minha última aula. Sem pressas, coloquei a pasta às costas, despedi-me de dois colegas que, entretanto, encontrara, saí da escola e caminhei na direcção a Fábrica do Ferro. A dada altura, e já depois de ter passado pela Padaria Silva, encontrei uma velha senhora que trazia nas suas mãos uma pequena pasta amarela. Porque a conhecia, parei e ofereci-lhe um beijo amigo. Sorridente, a velha senhora retribuiu-me na mesma moeda e ainda me acrescentou um breve elogio:

- Ó professor, gostei de o ver na televisão e falou muito bem! Sabe, achei tão interessante o que estão a fazer em Aboim, que já disse à minha neta que num dos próximos sábados a havia de levar lá.

Depois de termos trocado mais algumas palavras, veio à conversa o facto de ela trazer nas mãos a pequena pasta amarela. Um pouco atarantada, e só depois de olhar para os lados para ver se não passava ninguém que pudesse escutar o que ia dizer, a minha amiga de encontro sempre adiantou:

- Eu nem sei que lhe diga. Acontece cada coisa às vezes que o mundo até parece que vai virar às avessas. Não quer você saber que hoje a minha neta pregou-me um susto dos grandes. O que me assossega, é que o meu homem já a encontrou e já a levou para casa da minha filha. Ai, meu Deus! Que aflição!

Perante este intróito tão inquieto, a minha atenção curvou-se totalmente perante as suas palavras, pois eu queria perceber o que se tinha passado. Sem pressas, escutei… escutei… e tudo ficou mais claro para mim.

De repente um barulho mais forte que se despegou de uma motorizada que por ali passava, fez-nos aquietar a voz. Enquanto o sossego não voltava, olhei sem querer para o relógio e vi que já não era cedo. Conformados com o adiantado da hora, demos a conversa por acabada, espedimo-nos e cada um seguiu o seu caminho. Eu fui para casa e a velha avó foi levar a pasta da neta ao apartamento onde ela morava com os pais. Ao longe, o barulho da motorizada ainda era audível.

Mas afinal o que se tinha passado com a neta da minha amiga?

Caros leitores, às vezes as coisas mais simples são as que traduzem a maior verdade, e só tenho pena que a neta da velha senhora minha amiga não tenha conseguido os seus propósitos. Pois, se isso tivesse acontecido, se calhar, as coisas em Portugal poderiam levar outro rumo e talvez, quem sabe, os nossos políticos aprendessem uma grande lição.

 Ora bem, mas afinal o que aconteceu?

O que aconteceu foi o seguinte. A pobre criança estava em casa da avó, como costuma estar todos os finais de tarde, depois de vir da escola, e escutou na televisão que Portugal vivia uma crise muita profunda e que muitos pais já não podiam dar aos seus filhos certos confortos, por mais simples que eles fossem. E o que a preocupou ainda mais foi o facto de haver pais que já nem dinheiro tinham para comprar livros para os filhos.

Perante verdades tão assustadoras que escutou na televisão, a menina, que andava apenas no segundo ano da Escola Primária, não quis saber de mais nada, pegou numa folha e tratou logo de escrever uma pequena carta dirigida a quem de direito. No seu interior, apenas se lia o seguinte “Sr. do governo, não quero que os meus pais fiquem sem dinheiro. Eu preciso muito de que a minha mãe me compre aquele livro que tem na capa um ursinho a brincar com uma bola. Está a ver qual é?”. E, no final da folha, e da forma mais singela que se pode imaginar, assinava apenas assim “A menina mais triste do mundo”. Depois, e sem que a avó pudesse fazer alguma coisa, meteu a carta sem envelope debaixo do braço, desceu as escadas, abriu a porta e desatou a correr na direção dos correios.

Agora imaginem os leitores se o avô, alertado pela esposa da fuga da neta, a não tivesse encontrado já bem perto dos correios e a não tivesse impedido de enviar a tal carta dirigida ao “Sr. do governo”?

 

Carlos Afonso

 

 

 

 

        

1 comentário:

  1. As cartas assim deviam chegar aos milhares e
    "autistas" como são ouviriam???!!!
    "afinal somos o melhor povo do Mundo" diz o Gaspar...
    Esta história fez-me lembrar os ESTEIROS...

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