sábado, 22 de março de 2014

A IMPORTÂNCIA DAS JORNADAS LITERÁRIAS DE FAFE





Passada mais uma edição das Jornadas Literárias, a quinta, é com satisfação que digo, na minha modesta opinião, que o espírito inicial das jornadas se fez mostrar. A escrita, a leitura e a criatividade entrelaçaram centenas de pessoas, desde alunos, professores e população em geral, e a literatura espalhou-se por diversos espaços do concelho de Fafe.
Nascidas em 2010, numa aula de Literatura Portuguesa, na Escola Secundária, com o objetivo de promover e incentivar o estudo dos escritores fafenses, rapidamente as Jornadas Literárias se redimensionaram e, de ano para ano, a sua fasquia foi mudando de lugar. À literatura associou-se à etnografia e às tradições, e as Jornadas, ditas literárias, converteram-se em verdadeiras jornadas culturais.
Todos sabemos que a grandeza nem sempre favorece a perfeição, acabando, aqui e ali, por as mensagens nem sempre se evidenciarem e até se atropelarem. Assim, em 2014, e para que a qualidade acompanhasse a quantidade, achou-se por bem separar a vertente literária das restantes tendências, e as 5ª Jornadas Literárias de Fafe seguiram o seu rumo original.
Se nos espaços culturais de Fafe, Biblioteca Municipal, Sala Manuel de Oliveira e Teatro-Cinema, a literatura se associou à música, dança, pintura e outras artes, para satisfação de quem usufruiu desses momentos, foi nas escolas do concelho que as Jornadas mais sumo e eficácia exibiram. Concursos de poesia, maratonas de leitura, contacto com escritores, oficinas de escrita, instantes criativos, “peddypaper” literário, encontros poéticos, caminhadas de poesia, poesia de rua e muitas outras realizações se deram a conhecer de uma maneira bem positiva e frutífera.
No que a mim diz respeito, assim como aos meus alunos de Literatura Portuguesa e de Literaturas de Língua Portuguesa da Escola Secundária, posso dizer com toda a convicção de que vivemos ativamente as 5ª Jornadas Literárias. Na verdade, penso que a melhor maneira de sentir este tipo de iniciativas é participar e trabalhar com todo o afinco e forças para o seu sucesso e utilidade. É pela base que se começa a construção das grandes edificações, seguindo-se, só depois, para os restantes patamares.
Tanto eu como os meus alunos, ajudados e complementados por muitas outras pessoas, envolvemo-nos com alma e coração nas nossas Jornadas e percorremos todos os caminhos que havia a calcorrear. Semeamos, regamos, cuidamos, sofremos e já estamos a colher os frutos desejados.
As Jornadas Literárias de Fafe não podem, nem devem, ser encaradas como um trampolim para algo que não lhe está no destino. Se elas forem encaradas de uma forma desajustada e não percebida, mais cedo ou mais tarde, a seiva que as alimenta deixará de correr e o ciclo encerra-se na noite do nada.
De todas as iniciativas promovidas pelos meus alunos, enumero algumas que considero de interesse considerável, não só para a sua realização como discentes, assim como fundamentais para a sua formação como mulheres e homens de amanhã. O reinventar o escritor Mia Couto levou-nos a desenvolver dezenas de atividades em parceria com crianças e jovens de variadas idades. O organizar o 1º encontro de escritores de Fafe revelou-se de uma importância enorme, não só pelo aproximar de partes, como pelo desenvolver e fomentar a leitura e a escrita. O participar em vários eventos culturais mais exigentes levou os meus alunos a sentirem-se mais motivados e criativos. O estudar intensamente escritores fafenses e nacionais enriqueceu e desenvolveu capacidades de análise e compreensão. Caminhar lado a lado com a poesia pelas ruas de Fafe e outros espaços definidos trouxe incentivo, alegria e amor pela poesia.  O realizar documentários, filmes e provas de escrita criativa facultou novos conhecimentos e incrementou novas valências e formas de interpretar.
E foi de uma forma trabalhosa e árdua, mas necessária e fascinante, que vivi, ao lado dos meus alunos e muitos outros amantes da cultura, instantes enriquecedores e de uma beleza indescritível.
Viver a literatura exige vontade, necessidade, trabalho, amor e uma alma grande. Em 2015 cá estaremos para continuar a demanda literária e contribuir para o sucesso das 6ª Jornadas Literárias de Fafe.
Para terminar, apenas o seguinte. Tem valido a pena ajudar a construir a grande estrutura cultural das Jornadas, ao lado de muitos e muitos amigos que acreditam, tal como eu, nos valores da cultura, sempre imbuídos na crença de que todos juntos iremos mais longe e seremos mais felizes.

Carlos Afonso






domingo, 9 de março de 2014

FAFE INTEMPORAL


                                                                                         (Fafe dos Brasileiros, 2012)

Esta imagem é de uma beleza única! A sua real mensagem ainda não se cumpriu...

«Um povo sem memória é um povo sem futuro...»

- SENHOR, falta cumprir-se Portugal.

segunda-feira, 3 de março de 2014

EM ALFÂNDEGA DA FÉ, NO REINO ENCANTADO DAS AMENDOEIRAS EM FLOR, AS LENDAS SÃO VERDADEIRAS






                             A lenda das amendoeiras em flor...

Há muitos e muitos séculos, antes de Portugal existir e quando o Al-Gharb pertencia aos árabes, reinava em Chelb, a futura cidade de Silves, o famoso e jovem rei Ibn-Almundim que nunca tinha conhecido uma derrota.
Um dia, entre os prisioneiros de uma batalha, viu a linda Gilda, uma princesa loira de olhos azuis e porte altivo. Impressionado, o rei mouro deu-lhe a liberdade, conquistou-lhe progressivamente a confiança e um dia confessou-lhe o seu amor e pediu-lhe para ser sua mulher. Foram felizes durante algum tempo, mas um dia a bela princesa do Norte caiu doente sem razão aparente.
Um velho cativo das terras do Norte pediu para ser recebido pelo desesperado rei e revelou-lhe que a princesa sofria de nostalgia da neve do seu país distante. A solução estava ao alcance do rei mouro, pois bastaria mandar plantar por todo o seu reino muitas amendoeiras que quando florissem as suas brancas flores dariam à princesa a ilusão da neve e ela ficaria curada da sua saudade.
Na Primavera seguinte, o rei levou Gilda à janela do terraço do castelo e a princesa sentiu que as suas forças regressavam ao ver aquela visão indescritível das flores brancas que se estendiam sob o seu olhar. O rei mouro e a princesa viveram longos anos de um intenso amor esperando ansiosos, ano após ano, a Primavera que trazia o maravilhoso espetáculo das amendoeiras em flor.

Nota: A amendoeira é o símbolo da doçura e da leveza.





sábado, 22 de fevereiro de 2014

CULTURA VIVA - 1º Encontro Temático/Pedagógico - (Memórias e tradições de Fafe)

              



                             «O CICLO DO PÃO»

(Com o objetivo maior de realçar o papel formador das tradições na vida do homem, em consonância com a respetiva região em que vive, neste caso o Minho, a Associação cultural de Fafe Atriumemória leva a cabo o primeiro Encontro Temático/Pedagógico centrado no «Ciclo do Pão». Este evento cultural, em que o real e o imaginário convivem afavelmente, mostra como a poesia, as tradições, as memórias, a música e a vida do nosso povo são o enredo ideal para uma bela história plena de rusticidade minhota.)

Programa:
- «O velho e o grão de milho» - Adaptação para teatro de um conto de Carlos Afonso, construído a partir do trabalho de investigação de Maria Soledade Vaz
- «Do corpo à alma» - Poesia de palavras com sabor a terra e céu
- Grupo de Cavaquinhos da AAPAEIF (Associação dos Antigos Professores, Funcionários e Alunos da Escola Industrial e Comercial de Fafe)


Local: Sede da Atriumemoria, Fafe, (Edifício Shopping 134, cave)
Data: 1 de março de 2014, 21h30

Realização: Atriumemoria

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A FLOR DA FELICIDADE




     A maior virtude do homem está na capacidade de encontrar na rigidez do sofrimento a flor da sua felicidade!



Carlos Afonso

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

UM AMOR, UMA VIDA (dia dos namorados)



Sempre que me lançares um sorriso, eu prometo-te a minha alma. Sempre que me ofereceres os teus afectos, eu asseguro-te o
meu coração. Sempre que me deres o teu corpo, eu desvendo-te os
meus segredos.


         O verdadeiro amor não se planeia ou elabora, guiado pelo pendor da consciência, longe da pureza dos momentos. O verdadeiro amor desabrocha de uma forma natural, bem dentro do coração, impelido por um gesto, um olhar, um sorriso sincero ou um simples instante de sorte. Mas, e tal qual as flores dos prados aceitam receber na sua intimidade a incauta abelha, para que esta dê azo ao seu destino, o homem deve deixar-se possuir pela real dimensão do amor e esperar que as nascentes não percam a sua dimensão cristalina e a aragem continue a guiar o rumo das aves.
       Alberto nunca pensou que aquela praça granítica, cravada numas das zonas mais emblemáticas de Braga, espaço onde muitas histórias tiveram o seu ocaso, fosse o começar de uma vida plena de confidências, partilhas e futuros sempre a cimentar. De certeza que os caminhos que o trouxeram até ali sabiam o que ia acontecer. Se assim não fosse, a noite não estaria tão amena e as estrelas só viriam mais tarde.
       Provavelmente, aquele olhar trémulo que Maria deixou escapar, naquele mês de Maio que o tempo gravou na correnteza dos tempos, não era destinado a Alberto. Mas isso não teve qualquer importância, pois os anjos desceram à terra e desviaram a sua trajectória.
       Tiveste sorte, meu rapaz!
      O poeta diz, e com razão, que o coração nem sempre obedece aos desígnios da razão. Ainda bem que assim é, pois, caso contrário, as flores só mostrariam o seu encanto na Primavera e os dias cairiam num enfado sem novidade.
      Para quem pensava regressar às terras donde nasceu, lá para os lados do Marão, no reino encantado de Trás-os-Montes, depois de concluir o seu curso na Faculdade de Filosofia, aquele encontro ocasional de Alberto e Maria inverteu o curso de um sonho de anos. A ideia de voltar como professor aos espaços da sua infância criava em Alberto uma alegria compreensível, aguçada aqui e ali pelo capricho de poder passar por esses espaços numa outra condição, arrancada a ferros de uma existência de vários anos, na companhia de muitos livros e noites mal dormidas. Mas, e tal qual a ave da ribeira descasca as bagas do zimbro, ajudada pela ingenuidade de um movimento, o olhar não intencional daquela esbelta rapariga apagou uma vontade que parecia inquebrável, e acendeu uma estrela que, e depois de muitos anos, ainda dura e, de certeza, continuará a brilhar, até que os deuses a cubram com o seu manto.
        Para bem dos caminhos encurvados que levam os que procuram, e aprazimento daqueles instantes que decoram os anseios dos homens, é bom saber que ainda há corações crentes em olhares sem mágoa e pudores inocentes pregados a rostos com nome, impelidos por lágrimas que nem sempre se mostram. É em torno destas circunstâncias estendidas sobre paisagens de muitas formas, e de janelas expostas à luz, que o amor aparece e, num tom de excelência, deixa bem claro que não deseja esfumar-se em restos de nada.
          Só é de lamentar, e se calhar a culpa é do vento, constantemente embrulhado na indefinição da direcção da sua força, que muitos compromissos se quebrem, justificados por vozes e atitudes que, geralmente, deixam muito a desejar.
          Não, não me acusem de ser um desenraizado dos tempos, e muito menos de um prosador sem plano, ou até de um ser qualquer que se emociona quando saboreia os sonetos de Camões.
         Não, não me mandem escrever rimas soltas na poeira do chão, sempre que está para chover.
        As minhas certezas e o meu acérrimo acreditar na força viva do amor têm todos os ingredientes necessários para contaram com a bênção do perfume das rosas amarelas, ainda antes de serem cortadas por mãos sem jeito. E sabem porquê?
        Porque conheço, e muito bem, as linhas com que se entrelaça o amor do Alberto e da Maria, em véspera do dia dos namorados, não questionem o atrevimento de vos deixar nas linhas desta história alguns versos que roubei a um breve momento de inspiração:


Sonhos de água…

Sonhos de água…

Se me pedires a clareza de um olhar,
O meu peito abrir-se-á de par em par
E nos rostos que nos definem
Nascerão mil vontades de ousadias cobertas de cor e fantasias!

Depois, de certezas férteis semeadas nas almas,
Erguer-se-á, leve, a ternura das fontes e o céu esperará por nós!

Água salubre, escorrida de nuvens feitas de carícias,
Gotejará do roçar consentido dos nossos corpos,
Unidos por linhas que o tempo tecerá,

Antes das madrugadas começarem a acordar!

Carlos Afonso

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um pardal na neve (histórias da minha infância)*



Lembro-me como se fosse hoje…
Era sábado.
Os sábados em Trás-os-Montes, no Inverno, às vezes, têm neve. Naquele sábado, tudo era neve. Neve a sério. Neve e neve e neve…
Se não estou enganado, naquela altura, eu não tinha mais de dez anos e estava de férias na minha aldeia de Parada, concelho de Alfândega da Fé. Digo de férias, porque, e como é habitual ainda hoje, as crianças estão de férias nas vésperas de Natal. Eu estudava no seminário de Vinhais…
-Filho, hoje não saias de casa, ouviste?
Claro que eu ouvi, mas não obedeci. Quem me avisava de uma forma tão assertiva e preocupada era a minha madrinha Antoninha.
Sem que ninguém me visse, saí porta fora, caminhei a custo por ruas cheias de neve, encostado a todo um casario coberto de neve. E, quando dei por ela, já estava fora da aldeia com os meus passos enterrados na neve, e quase até aos joelhos, neve essa que se espalhava com força por todo o caminho dos «Espoios».
Meio ofuscado pela clareza branca do horizonte que me cercava, enrodilhado em milhares de farrapinhos frios que esvoaçavam por todo o lado, reparei num remexer aflito por entre a neve, em tons de morte, encostado a uma parede já velha. E porque queria perceber o que se estava a passar, aproximei-me.
Coitado! É um pobre pardal!
Com algum engenho e cuidado, retirei o pardal do sítio que o escondia por entre a neve, e que o iria matar, e acolhi-o dentro da minha casaca castanha. Voltei para casa, outro vez envolto por uma neve que continuava a cair sem descanso. Já no quarto, vislumbrei uma caixa vazia de sapatos, debaixo da cama, puxei-a a custo, abri-a, fiz-lhe uns buracos pequenos e coloquei lá o pardal. Depois, desci à adega, retirei uns grãos de trigo de um saco e ofereci-os ao pequeno pássaro que, sem se fazer rogado, os debicou e ficou saciado. Na manhã seguinte, o céu já estava azul, mas cá em baixo, na terra dos homens, tudo continuava pintado de um branco cor de neve. Coloquei a caixa na varanda, retirei-lhe a tampa e o pardal voltou a ser um pardal a sério, enquanto o meu coração me dava os parabéns pela minha atitude de bom menino, apesar de não obedecido às ordens de minha madrinha.
Eu sei que os pássaros não pensam. Mas aquele pardal pensava ou, então, tinha um dom especial que me levava a julgá-lo dessa maneira. Na verdade, o bendito pardal, e depois do ocorrido, todos os dias, e enquanto as férias duraram, ele vinha visitar-me. Pousava na varanda, chilreava com alguma sonoridade, como que a chamar-me, depois saltava para dentro da caixa, que eu lá havia deixado ficar, assim como um punhado de grãos de trigo, que ele comia com agrado. Passado pouco tempo, talvez dois minutos, abria as asas, chilreava mais um bocadinho e voltava para donde viera. Os espaços eram o seu reino.
As aulas recomeçaram e eu voltei para o Seminário de Vinhais. Não tive tempo de me despedir do pardal e ninguém me soube dar notícias do mesmo, durante as largas semanas de estudo que se seguiram.
O Carnaval chegou e as férias, ainda que pequenas, também.
Mal cheguei à minha aldeia, cumprimentei os que amavam, corri para a varanda e vi o que nunca imaginara encontrar.
A caixa de sapatos, ainda aberta, lá estava e, dentro dela, o que restava da pobre avezinha!
Depois desse dia, e ainda hoje, e durante todos estes anos, tenho por hábito, sempre que vou à minha querida Parada, lá no reino encantado de Trás-os-Montes, o reino onde os pardais gostam de morar, subir à dita varanda, agora com novo rosto e forma, olhar o céu e procurar, para além do mundo dos homens, o pardal que encontrara na neve.
Pode não acreditar, amigo leitor, mas não só o reencontro como costumo partilhar com ele o seu magnífico voar.

*(Esta história é dedicada ao meu filho mais novo, Carlos Manuel, e aos seus colegas de turma, Carolina, Alexandre e José Nuno, que me inspiraram a escrevê-la, no preciso instante em que me pediram ajuda quando estudavam as «Memórias», conteúdo obrigatório da disciplina de Português.)

Carlos Afonso