sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um Português em Paris…



Viajar, na verdadeira percepção da palavra, permite-nos tocar espaços e gentes, tão diferentes e tão iguais!
Sim. A cor da pele ou a forma de vestir, já para não falar dos gostos, entendimentos, língua e práticas de cada região, devidamente localizada, não são factores de plena distanciação entre o ser humano. Há sempre algo que nos torna unos e filhos da mesma condição. Alberto, o português desta história, percebeu perfeitamente essa realidade, quando abriu os olhos e reparou que os encantos e desencantos de Paris que, e apesar da sua especificidade, tinham a mesma cor de outras vezes e de outras histórias.
Ainda o avião da Aigle Azur não tinha aterrado em Orly, um dos aeroportos internacionais de Paris e já Alberto matutava na melhor maneira de se deslocar para o centro da capital francesa, pois era aí que se localizava o Hotel onde iria ficar hospedado. É evidente que os receios evidenciados não se fizeram esperar. O tomar o autocarro errado fez com que o português fosse ter a um destino não programado. O que lhe valeu foi a atenção e o cuidado de quem não se importa de oferecer o seu tempo aos que dele precisam. Assim, a ajuda de um senhor com alguma idade, que se esforçou bastante em perceber o sentido das palavras, proferidas num francês muito atrapalhado por parte deste viajante vindo do norte de Portugal, que, em simultâneo, não se cansava de apontar o seu objectivo final, num mapa ainda novo, tornou-se crucial.
Alberto teve de apanhar um outro transporte, neste caso o metro. “Mas que grande confusão, meu Deus” - pensou ele sem dizer nada a ninguém, (se é que isso iria ajudar em alguma coisa). Depois foi só ter de palmilhar uma rua bem comprida com a mala às costas e pronto. Bem, e sem me demorar mais, depois destas aparentes dificuldades tão próprias de quem não sabe todos os caminhos do mundo, a porta do Hotel Axel Opera, restringido à rua Montyon, com a sua fachada carregada de passados, abriu-se de par em par.
É maravilhoso encontrar um sítio que nos espera, principalmente quando o caminho nos faz ansiar a chegada.
Paris, que até a esta altura não se dera a conhecer, e por motivos mais que óbvios, fez questão agora, no momento em que o português saiu do hotel para conhecer esta grande capital, de se vestir em tons de um Verão ameno e prenhe de novidades para oferecer. O facto de o hotel se situar bem no coração deste burgo com mais de mil anos de existência e a quem chamam a Cidade Luz, muito por culpa da sua efervescência durante o Iluminismo, ajudou a que as várias distâncias e direcções não parecessem demasiado longe. Tudo tinha o seu espaço, beleza e funcionalidade. No ar, o cheiro a crepes abriam-lhe os desejos, e um barulho que não incomodava levavam Alberto a caminhar com vontade e com gosto.
As fachadas das casas comprovavam-lhe um museu ao ar livre. Os rostos fascinavam-no pelo seu multiculturalismo. As surpresas apresentavam-se-lhe em cada esquina e as longas avenidas pediam-lhe para continuar. De repente, e bem à sua frente, a Opéra National de Paris Garnier, com a sua associação de estilos que vai do Clássico ao Barroco, datado de 1875, indiciou-lhe a opulência de uma cidade repleta de monumentos e pinceladas de história e impérios. E quase sem dar por isso A partir daqui, e dia após dia, tudo o tingia de momentos inesquecíveis.
Ao longe, e para onde quer que fosse, a Tour Eiffel mostrava-lhe, de uma forma bem clara, que a sua imponência fazia dela o verdadeiro ex-libris de Paris, e que a sua fama a levava a ser a obra de arte mais fotografada do mundo. Ao perto, e por muita pena sua, não a pode visitar, porque a polícia lhe tolheu a intensão. Tanto a torre como o espaço envolvente estavam vedados ao público, uma vez que era véspera do 14 de Julho, dia da França, e o fogo-de-artifício ia ser lançado do seu interior, às 23 horas em ponto.
Sempre com uma vontade que criava espanto, os quatro dias de visita foram um autêntico redopio. A noite e o quarto do hotel só o retinham para umas breves horas de sono, e pouco mais. O corpo já não acolhia outras ousadias, mesmo que se estivesse em Paris.
O Museu do Louvre, com a sua sumptuosidade e a sua jóia da coroa, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, não o decepcionaram, assim como aconteceu com outros locais de renome: Les Invalides; a Place de Montmartre; a Notre-Dame; a Sorbonne; os Jardins do Luxemburgo; o Centre Pompidou; o Moulin Rouge e a Place Pigalli, repletos de folia e decotes a condizer; o Arco de Triunfo, com as suas magníficas vistas; as galerias Lafayette, com os seus luxos; o Sacré Coeur, com a sua postura imponente, tendo Paris ajoelhada a seus pés; a lace de Montmarte, repleta de pintores; e muito mais…
Perante tamanhas maravilhas que só uma cidade como Paris pode oferecer, os olhos de quem as focaliza tornam-se pequenos. O que vale são os registos fotográficos que ajudam a cimentar as ideias.
Alberto deu o seu tempo por bem empregue, mas algumas experiências ficaram por cumprir. Não admira, por isso, que este português, morador na Sala de Visitas do Minho, tenha feito o juramento em pleno rio Sena, na altura em que usufruía de um passeio de barco, de que iria de voltar. Eu penso que ele vai cumprir o juramento. Querem apostar?
Bem, no meio de tanta descrição, quase não arranjava espaço para um caso de ocasião, de entre outros, que marcou esta viajem de Verão. Ora prestem atenção, e depois digam-me da sua justiça.
Subindo apressadamente a Avenue des Champs-Élysées, uma prestigiada avenida de Paris, com os seus cinemas, cafés, lojas de especialidades luxuosas e árvores de eleição, os castanheiros-da-índia, um sem-abrigo mostrou-se numa postura algo agressiva, não contra Alberto, mas contra um rapaz ainda novo que lhe pontapeara uma pequena caixa de lata que lhe servia para guardar algumas moedas que lhe pudessem dar. O mais curioso foi o que o mendigo, um homem com umas barbas de respeito, e vestido todo de negro, disse e tornou a dizer:
- Filho da puta, se fosse na minha terra eu dizia-te como era.
Sem qualquer impostura, Alberto aproximou-se do seu conterrâneo, para quem Paris de nada lhe serviu, deu-lhe dez euros e segredou-lhe aos ouvidos.
-Tenha calma, que tudo se há-de arranjar.
A fúria do mendigo perdeu o ímpeto e um suor envergonhado arranhou-lhe a cara. Meio atordoado, colou a atenção em Alberto, e, sem mais, sorriu e disse obrigado. Depois escondeu-se no meio da multidão e saiu de cena.
É pena que a luz nem sempre brilhe ao cair da tarde.
Desculpem, mas acho que vou terminar, pois a crónica já vai longa. Prometo que em breve retomarei o tema.
Só um aparte importante. Este português não viajava sozinho. Ele fazia-se acompanhar pela esposa, uma mulher determinada, nascida numa terra abençoada pelos deuses, no mês em que as camélias mostram a sua cor aveludada, e detentora de um olhar intenso e claro. Provavelmente, se Alberto não tivesse trazido companhia de Portugal, e conhecendo eu a forma fácil como seus sentidos se apegam às realidades e à volúpia dos instantes, outra água teria corrido por debaixo das pontes do Sena. Creio que estou a exagerar.

Carlos Afonso

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Fafe, com fé e amor

Fafe é uma terra airosa

Como poucas em Portugal,

A sua história é famosa

E a sua alma sem igual.


As suas ruas mostram os destinos

E as vidas de muitas gentes,

As igrejas com os seus sinos

Garantem a fé dos seus crentes.


A Senhora de Antime, Mãe de Deus,

Rogamos muitos favores,

Pois nós somos filhos seus

E entregamos-lhe os nossos temores.


De todas as festas do Minho

Não há outra como a nossa,

Não falta vitela nem vinho,

E a sua procissão é grandiosa.


Eu gosto de morar neste ninho,

A quem chamam um amor de cidade,

Aqui recebi muito carinho

E encontrei a felicidade.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O menino das fragas






Eu sei muito bem que a vontade dos homens nem sempre cumpre os rituais e, de vez em quando, conduz-nos para reinos que moram bem perto das estrelas, reinos onde as flores mudam de cor, conforme os anseios de quem as olha, e os meninos são do tamanho de homens a sério. Não admira, por isso, que o dia 21 de Maio de 2011 possa vir a ficar para a minha história de vida, como um dos dias mais mágicos que percorri.
Para quem gosta de Miguel Torga, o grande escritor transmontano, e se desloque à sua terra natal, São Martinho de Anta, todo o seu entendimento é acariciada por uma imensidade de curiosidades, lugares e paisagem sem igual. E, porque não podia deixar de ser, a Serra da Senhora da Azinheira enquadra-se, na perfeição, nesta ampla abrangência, não só por causa das magníficas vistas que de lá se usufruem, como dos segredos que por lá ainda se podem escutar. Claro que Deus também tem neste lugar um poiso de destaque. E mesmo detentor da omnipotência que se lhe conhece, fez questão de se fazer representar ali pela mãe de Jesus, a Senhora da Azinheira. A Senhora mora numa solitária capela no fresco ar da montanha, onde o magnífico panorama, enche a vista dos que lá se refugiam em meditação ou dos passantes que poisam naquele mirante natural, e donde se podem abarcar treze concelhos. É pois uma dádiva ímpar da Natureza podermos observar as tonalidades de verde agarrados a fachas de espaços esbatidos de cinzentos e azuis, assim como escutarmos o chilrear cadenciado da passarada.
Foi aqui que pelo século XVIII se construiu ”…fora deste povo em distância de três tiros de mosquete para a parte do Norte huma formoza capella com a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, que dizem se chama assim por haver no dito sítio antiguamente huma arvore chamada Azinheira…”; “… tem a capella aparências de Matriz…”; “…finalmente não se encontra nesta Província capella de serra com mais custo e galhardia…”.
Na capela - mor a tribuna tem ao cima a representação da Santíssima Trindade, com Nossa Senhora ao meio e duas imagens ladeando-a que são Deus Pai e Deus Filho, Jesus. Por cima, uma pomba branca representando o Espírito Santo, que teve em tempos no bico uma coroa para pousar na cabeça da Senhora coroando-a como Rainha do Céu e da Terra.
Neste retábulo, estão inseridos à direita e à esquerda de quem entra, as imagens dos Santos já referidos em pequenos mísulas e não propriamente na tribuna.
Entre o altar de S. José e o arco divisório da capela - mor há uma coluna cilíndrica de granito, alta, onde, em cima de uma peanha, se encontra a imagem de Nossa Senhora da Azinheira, de pequenas dimensões, policromada, que sai na procissão no seu andor de cetins, no dia 15 de Agosto, o dia da festa anual.
A capela de Nossa Senhora da Azinheira está implantada numa colina a 750m de altitude. Em seu redor a natureza exulta e pasma qualquer visitante, principalmente se vier à procura de indícios de Miguel Torga.
Um dos contos mais belos do grande escritor transmontano, Natal, teve por assento este ambiente paradisíaco, o que só vem engrandecer ainda mais a abrangência deste espaço tão pertinho do céu. De certeza que Garrinchas, personagem principal do conto, foi instigado por Deus a acolher-se na capelinha da Senhora da Serra, para fugir do imenso nevão que parecia querer engolir tudo em redor. Depois, Torga só teve de dar azo ao seu amor à terra mãe, à sua rica imaginação e à sua criatividade.
Quando o grupo de professores de Fafe chegaram às terras de Torga, a Senhora da Serra foi um lugar obrigatório a visitar. Quero apenas referir que fomos muito bem recebidos pelo Sr. Vereador da Cultura de Sabrosa e pelo Sr. Presidente da Junta de São Martinho de Anta, neste roteiro cultural. E porque não podia deixar de ser, ambos nos acompanharam na nossa demanda.
Do muito que vimos e tocamos, um pormenor evidenciou-se no meu entendimento, e que gostaria de partilhar com os leitores. Garanto-vos que é quase tudo verdade.
Chegados ao alto da serra, e depois do pasmo inicial, o Presidente da Junta, num tom rústico e apaixonado, começou a interligar a capela com o espaço literário de Torga. O raio do homem fazia-o de uma forma exuberante e autêntica. Até parecia a própria encarnação do escritor. A dada altura, o coração e a alma tiraram-me do local onde estávamos a escutar a guia de ocasião e remessaram-me para o meio das fragas, que se escondiam por detrás de umas torgas e pinheiros.
Sem que o esperasse, o impensável aconteceu.
Miguel era apenas uma criança como todas as outras da sua idade, embora o seu rosto tisnado e levemente crestado pelas têmperas do sol transmontano indiciasse o contrário. Quanto à idade, de certeza que não tinha mais de 12 anos, apesar de as mãos mostrarem uma cor calosa e habituada aos afazeres do campo. As suas roupas estavam sujas e demasiado encardidas para os tempos que correm e o cabelo parecia um pedaço de terra acabada de lavrar. O seu olhar era intenso, quase do tamanho dos espaços que o cercavam, facto que me causou espanto e fascínio.
Mas… o que fazia ali, bem no cume da serra esta alma irrequieta?
Cumprimentei-o e perguntei-lhe o nome. Sem muita pressa, respondeu-me. Não se alongou mais. Limitou-se a entregar-me o pedaço de uma fraga e um leve sorriso. E mais nada… Depois, numa pressa sem igual, começou a correr monte abaixo e desapareceu do meu alcance.
Claro que eu percebi todo este enquadramento.
Regressei ao lugar a que a minha imaginação me havia roubado e entrei na capela.
Que maravilha!

A grandeza do homem não está, apenas, nas metas que alcança, ela desenha-se, principalmente, nos sonhos determinados que o movem.

Carlos Afonso

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Perguntai por mim!


(Poema dedicado aos meus alunos de 12ºR)

Os dias de cada vida
Não são todos iguais.
Às vezes, atiram-me lama ao rosto
E cobrem-me de imundices vazias.
Outras vezes, obrigam-me a caminhar,
Na direcção que desejo alcançar,
Mas não quero que acabe as sim.

Eu sei que os destinos têm de andar…
Eu sei que tenho de soltar do peito
Os sentimentos dos que vão,
Sem saber se tornarão,
Sem saber se me dirão
O que ainda não senti!

Tempo, não roubes o sonho dos que têm de sair
Nem me oprimas com esse fim
Que ainda não acabou,
Mas que tem de subir à morada das estrelas
E à foz onde começa o mar
E cessa o meu tocar.

Ai, como as estações estão certas!
Mesmo que os ventos destruam a calma dos prados
E as flores percam a cor,
E se afastem das certezas primaveris…

Basta.
Os meus choros não podem apagar os risos dos que querem ir adiante.
Os caminhos têm de seguir o seu rumo
E as vozes não podem calar-se antes de Deus as escutar.

Ide, amigos do peito, aves da esperança, corações de mel!
Segui o rumo das aves,
Bebei a clareza das nascentes,
Colhei os frutos das vontades,
E amai o nascer do luar.

Um dia, mais tarde,
No momento em que os vossos olhos
Já beberem a seiva de outros peitos,
E os vossos corpos roçarem outros prazeres,
Iguais à plenitude dos anjos,
Voltai a esta escola
E perguntai por mim!

Com muito carinho, Carlos Afonso…

domingo, 22 de maio de 2011

O vendedor de mentiras




Às vezes, a clareza dos dias nem sempre nos mostra toda a verdade, principalmente se os homens esconderem o que lhes mora na alma.
A tarde estava solarenga e uma frize de limão ajudaria, de certeza, a acalmar a sede que me percorria as entranhas. Não admira, por isso, que a minha determinação me tenha conduzido à padaria Silva e aí tenha procurado a necessário refresco. Nas mesas apenas se dispunham meia dúzia de pessoas. Atrás do balcão, uma funcionária da casa, aí pelos seus vinte e poucos anos, mexia e remexia no que lhe convinha. A frize não demorou a chegar e uma leve sensação de prazer varreu a minha postura, facto que levou a que continuasse naquele espaço simpático mais de uma hora.
Reconheço que o meu tempo anda demasiado preenchido para passar tanto tempo sentado numa mesa colocada no seu assento habitual à espera de ser ocupada. Mas, é importante que as rotinas se quebrem e se pare um pouco para reparar no que nos rodeia. E foi o que eu fiz. No exterior da pastelaria três operários trabalhavam no arranjo do pavimento da rua, enquanto um outro jazia na sua ociosidade, sentado numa máquina escavadora, à espera que alguém o solicitasse. Por entre estes azafamados trabalhadores, muito entulho, barras e cimento e demais dependências, duas raparigas, num passo que mostrava alguma pressa, tentavam arranjar carreiro para poderem seguir em frente. Se calhar iam para escola. Será que iriam chegar a tempo à aula? Levemente, o trabalhador que estava em cima da máquina fez um intencional esforço e seguiu o deambular cauteloso das alunas. O que será que lhe passou pela mente?
No interior da pastelaria cavaqueava-se livremente, ao mesmo tempo que um televisor, colado perto do teto ia dando um ar da sua graça. Por um instante, prestei-lhe a minha atenção. A dada altura, e no momento em que estava a passar no ecrã uma resenha informativa, escutei com toda a clareza do mundo uma voz convicta, que se despegou de uma mesa ali ao lado.
- Lá está o vendedor de mentiras. Mentiroso…
Sem olhar para o lugar donde advinha a voz, mas só podia ser de uma mesa encostada à parede, pois as outras pessoas estavam mais perto do balcão, reparei mais afincadamente no que a televisão transmitia. Na imagem apenas se via um nosso governante a jurar a pé junto que a culpa da crise em Portugal não era dele.

Bem! Perante tamanha convicção fiquei sem perceber as palavras que o meu colega de espaço lhe arrojara. Será que ele tinha informações de que eu não dispunha? E mais a mais, em quem é que devemos acreditar. Num determinado governante português, elegante na sua postura, de formação superior, com um olhar aguerrido e demasiado convencido e convincente, ou num comum popular que, se calhar, já estava a apanhar com a crise pela cara, e o único bem de que ainda dispunha era a liberdade de falar?
Como, no momento, não arranjei resposta para tamanha incerteza, (desculpem, mas estou a ser irónico), levantei-me da mesa, paguei o que devia, olhei de soslaio para o lugar onde estava sentado o descontente eleitor e... Coitado! Pareceu-me bastante abatido. De certeza que ele tem todos os motivos para presentear o nosso douto governante com tão lisonjeiro epíteto.
Só para terminar, e para que ninguém fique com dúvidas em relação às causas que mergulharam Portugal nesta crise avassaladora, se é que existe alguma, quero contar-vos um pormenor. No meu quintal, este ano, não há muita fartura. Esqueci-me de semear o alho francês, as ervilhas e as favas. Para além disso a erva daninha tomou conta de tão pacato espaço e é rainha e senhora daquelas paragens. Será que a culpa é dos vizinhos que não tiveram o arrojo para invadir o terreno alheio e colocar tudo nos eixos?
É evidente que a culpa é toda minha, que não estive à altura da minha obrigação.
Se calhar o meu quintal está a precisar de outro hortelão. E já que estou com as mãos na massa, penso que o meu país também.
Carlos Afonso

sábado, 7 de maio de 2011

Rosa

Ela chamava-se Rosa.
Era aluna do 11º Ano e gostava de estudar. A mãe dizia, muitas vezes, não sei se por vaidade ou por vontade de meter conversa com a vizinha Ana, que a sua filha estava no quadro de excelência da escola onde estudava, o que criava, na avantajada senhora, um fio de inveja.
Antes de se deitar, Rosa gostava sempre de ler algumas páginas de um livro. Não importava o autor, tinha apenas de falar de amor. Este, que agora andava a ler, tinha como título «Uma História de Amor», o que, só por si, lhe agradava. Comprara-o na Póvoa de Varzim e falava de dois jovens namorados que viveram uma linda história de amor, durante umas férias de Verão.
Rosa tinha os cabelos da cor da terra e um sorriso imenso que permanecia agarrado ao seu rosto, o que fazia com que fosse uma rapariga alegre e muito querida por todos. Por vezes, o pai, um homem dos seus quarenta anos, pegava nas mãos níveas da filha e pousava-lhe um simples beijo no rosto, segredando-lhe algumas palavras silenciosas que faziam brilhar, ainda mais, os seus olhos lindos!
Na escola, ela sentia-se feliz, principalmente quando tinha História. Diziam, até, algumas colegas, talvez com alguma malícia, que a sua amiga sentia uma especial simpatia pelo professor Alberto, o que a fazia sorrir.
O professor Alberto já estava naquela escola do interior, rodeada de oliveiras, olmos e fragas cobertas de um musgo amarelado, há mais de cinco anos. Conhecia, como ninguém, a arte de ensinar e a melhor forma de lidar com os seus alunos. Não tinha mais de trinta anos, e, para além de ensinar a exactidão da História, gostava de ler um bom romance e de aconselhar aos alunos, dizendo-lhes que ler um livro era entrar na alma de um criador.
Não morava na vila, sentia-se mais livre na sua casa térrea, batida pelo vento de leste e acariciada pela imensidão do sol, numa pequena aldeia, tendo por companhia as andorinhas, que residiam sob os beirais. Geralmente, ia a pé para a escola, a não ser que o tempo o não permitisse. Gostava de caminhar por vinhedos, silvados e olivais, atravessando caminhos de terra batida e já gastos pelo passar do tempo, mas conhecedores de muitos segredos, que costumavam partilhar com os lírios, na Primavera.
Nesse dia, o professor perdeu as horas e chegou atrasado à aula. Os alunos esperaram, o que lhe agradou. Cumprimentou-os, amigavelmente, e, para espanto seu, reparou que trouxera a pasta vazia. E agora? Não convinha que os alunos se apercebessem do sucedido, pois, e sempre que algum deles se esquecesse do material escolar, costumava censurá-los, ternamente.
Na verdade, a experiência é uma óptima amiga. Escreveu o sumário, olhou os alunos e, numa curiosa abordagem, disse-lhes que aquela aula ia ser diferente. Um leve murmúrio espalhou-se pela sala. Mas, a cumplicidade e uma satisfação partilhada, devolveram ao professor a sua calma habitual.
- O que vamos fazer? - Perguntou a Lígia, num tom algo provocador e espampanante, como costumava fazer, quando queria dar nas vistas. – Vamos dar um passeio?
- Melhor, vamos falar de livros especiais, romances, novelas, contos, poetas, escritores e sonhar…
Após uma breve resistência, todos concordaram e, um a um, foram discorrendo ao sabor das suas leituras. Elas variavam conforme os seus gostos, umas mais intensas, outras mais reflexivas, outras cingiam-se apenas a uns meros jornais especializados em desporto, ou a revistas, interessadas apenas pelo alheio. Quando chegou a vez do Rodrigo, a sala de aula assumiu uma tonalidade mais brejeira, uma vez que o seu inconveniente humor se espalhou pelo ar, levando mesmo o professor a soltar um auspicioso reparo:
- Não é a hora de brincar com a alma de um livro. Fica sabendo que um livro, seja ele qualquer for, reproduz desabafos, sonhos, vivências, reflexões, ou meras opiniões. Humilhá-lo é desrespeitar quem o escreveu, é ofender o seu autor – e franzindo o olhar, sentou-se.
O aluno anuiu as suas extravagâncias e, após pedir desculpa, remeteu-se a um envergonhado silêncio. Convenhamos que comparar um livro a um aglomerado de folhas inúteis, que só se limitam a reproduzir meras incongruências sentimentais, para afogar os outros com discorridas tagarelices, era demais. Claro que este desfraldado comentário iria importunar o carinho que o professor nutre pelos livros. Mas a desajustada situação foi ultrapassada, no momento em que Rosa começou a falar. As palavras soltavam-se daqueles lábios cor de cereja, e todos a escutavam. A forma como falava do seu livro, que comprara na Póvoa de Varzim, e o tom carinhoso que incutia nos seus comentários, despertou a atenção do professor que, e para seu espanto, bebia todas as palavras da aluna, deliciando-se com os seus argumentos sentidos.
Quando Roaa acabou, Alberto perguntou-lhe:
- Nota-se que gostas muito desse livro. Podias emprestar-mo?
- Claro, Sr. professor. Acho que vai adorar. Fala de amor!
- Só por isso? – Perguntou Alberto.
- Haverá argumento mais belo, Sr. Professor?
- Não, Helena, o amor é linda. É ele que nos faz correr pelas estrelas.
- E abraçar o céu - respondeu Rita, num tom carinhoso e enlevado.
O professor sentiu estremecer-lhe a alma, e um fio de sangue tocou o seu rosto assustado. Olhou para ela como quem beija uma fantasia e Rita fitou-o com um olhar seguro e, ao mesmo tempo, carente.
Fez-se silêncio na sala, apenas se ouvia o respirar rouco do vento na vidraça que foi, de repente, quebrado pelo barulho estridente e apressado da campainha.
Todos se levantaram, apenas Rosa se manteve sentada. O Professor deu licença para sair, mas ela permanecia agarrada à sua determinação, o que o levou a dizer-lhe, timidamente;
- Já tocou, podes sair.
- Eu sei, apenas lhe quero emprestar o meu livro.
- Obrigado. Até amanhã - respondeu o professor, contrariando um pedido silencioso do seu coração que lhe pedia para que ela ficasse.
Ela levantou-se, deu-lhe o livro e caminhou para a porta. Num movimento instintivo, mas consentido, virou-se para Alberto e balbuciou:
- Eu gostava de caminhar consigo pelas estrelas - e, sem mais, saiu.
Rosa bateu a porta de levezinho e Alberto sentou-se. Lá fora, o sol frio de Novembro ficou indiferente aos anseios do professor, apenas o vento pareceu reagir.
No regresso a casa, não seguiu o trajecto habitual, embrenhou-se no meio dos campos e deixou-se levar pela leveza da brisa. Passou por pombais, desceu outeiros e refugiou-se debaixo de uma oliveira eterna. Colheu uma mão cheia de azeitonas, que, meigamente, se deixaram acariciar. Escutou os gracejos ingénuos de um regato que incomodava umas fragas pachorrentas e continuou a pensar nas ternas palavras de Rosa, que, confusamente, fervilhavam dentro de si «Eu gostava de caminhar consigo pelas estrelas…»
Acordado pelo voo de um bando de tordos, reparou que a noite descera e que uma névoa fina se espreguiçava no horizonte. Num esforço, arrumou os pensamentos e, num passo apressado e decidido, regressou a casa.
Nessa noite, ao embarcar rumo às estrelas, o professor Alberto sonhou com Rosa…
Carlos Afonso

domingo, 1 de maio de 2011

Essa nova Índia por achar.

Nasci num país repleto de sonhos de mar,
Gerados em almas da cor das manhãs
E presos à imensidade exacta dos séculos…

Ai… se as aves me emprestassem o seu esvoaçar sem fim
E a cor verde da esperança me cobrisse com o seu manto,
Tecido por mãos que fizeram os muros inquebráveis da história!

Escutem! ... Parece que ouvi gritos ávidos de risos e estrelas…
Será a voz do vento a bater nas velas claras das caravelas?

Não. Os caminhos percorridos por espíritos destruidores de medos
E de névoas sem rosto
Não rompem os portais do tempo…
Só a teimosia dos quereres, iguais aos de Vieira, Pessoa e Camões,
Podem acordar os fazedores da história
E apunhalarem a mesquinhez deste agora sem luz,
Estampado nos nossos olhos parados,
Avivando, de novo, a chama que jaz fria dentro dos corações.

Basta. A noite não pode continuar a crestar o brilho das madrugadas,
Indiferente a um passado repleto de heróis…

Ó Infante sem medo, ó Gama imortal, ó Pedro Álvares Cabral,
Não deixeis roubar as raízes pátrias que engrandecestes.
Firmes como a vontade que vos ata ao leme,
Erguei de novo a espada do império
E abatei, de novo, as máscaras do Adamastor


Carlos Afonso