quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

SEMEAR O FUTURO


 

 

                Porque as 4ªs JORNADAS LITERÁRIAS DE FAFE se aproximam (19 a 28 de abril), sinto necessidade de partilhar alguns excertos da entrevista que dei ao jornal “Notícias de Fafe”, de 5 de abril de 2012, centrada nas Jornadas Literárias de Fafe. Será que o passado tem razão?

                                                                              **

CA- Em primeiro lugar, quero agradecer o convite simpático que o “Notícias de Fafe” me fez para esta entrevista. É uma honra poder colaborar com este jovem e promissor semanário fafense. Conheço alguns dos seus excelentes profissionais, o que me leva a acreditar que Fafe está mais rico, pois a cultura e as nossas tradições terão mais um espaço para se evidenciar.

 

NF - Em poucas palavras como descreve a cultura fafense da primeira década do novo século?

 

CA – Nasci numa aldeia de Trás-os-Montes e, desde essa altura, tenho percorrido muitas terras, conhecido muita gente e contactado com muitas formas de fazer, sentir e promover a cultura.

A vossa questão pede-me para descrever a cultura fafense na primeira década deste século. Ora bem, em primeiro lugar quero dizer-vos que a cultura fafense tem seguido um caminho positivo. Os responsáveis pelo seu incremento são pessoas de bem e que eu estimo e admiro. São pessoas que têm uma forte sensibilidade cultural e que sabem o que fazem. Claro que nem tudo tem sido perfeito, mas isso é normal acontecer, pois os homens são detentores de falhas e pormenores a melhorar. Fafe tem uma forte e diversificada vivência cultural, não podemos esquecer que os nossos jardins, para além de flores, estão salpicados de muita poesia fafense, o que me satisfaz muito. O apoio a autores fafenses, nas várias vertentes, também tem sido uma excelente ideia que deve continuar. Se calhar o que estava a faltar era uma cultura um pouco diferente, uma cultura que batesse às portas das pessoas, que é o que está a fazer-se sentir com as Jornadas Literárias.

 

NF - Como surgiu a ideia das Jornadas Literárias (JL)?

 

CA – A vossa questão remete-me não só para o ano de 2010, altura das 1.ªs Jornadas Literárias de Fafe, como também para o tempo em que organizava eventos culturais na minha pequena aldeia, ainda como estudante, assim como para o tempo em que nas colónias de férias, durante as pausas escolares, onde gostava de envolver todas as crianças e monitores em torno de uma ideia. Graças a Deus que sempre consegui organizar momentos culturais de que me orgulho. E o mais interessante é que as pessoas também se reviam neles.

Quando em 2010, e em conversa com os meus alunos de Literatura Portuguesa, lhe confidenciei de que seria interessante assumir uma atitude mais intensa e ativa perante a cultura e os escritores de Fafe, eles foram os primeiros a incentivar-me e a colocarem-se do meu lado. A partir daí, um rio que começou a nascer dentro de mim, nunca mais parou. Conversei com alguns amigos que de imediato de juntaram a mim, assim como a Diretora da Escola Secundária, Dr.ª Natália Correia, que sempre me apoiou nestas iniciativas. A minha amizade com o Dr. Coimbra, um homem de muito valor e que muito estimo, permitiu ligar-me à Câmara Municipal, o que veio a consolidar o projeto das Jornadas e a lançá-lo no futuro.

 

NF - Que significado tem para si este evento cultural?

 

CA - Como devem imaginar, este evento cultural tem, para mim, um valor incalculável. Às vezes, as pessoas admiram-se com o afinco que eu dedico a esta iniciativa. Mas é a minha forma de embalar um filho de tenra idade que ainda tem um longo caminho à sua frente para percorrer, continuamente envolto em dificuldades e indecisões. Não admira por isso que quando alguma coisa não corra pelo melhor, eu sofra e me preocupe. As Jornadas literárias não são minhas. São de Fafe. Mas têm nas suas veias o meu sangue. Olho para esta forma de fazer cultura como uma mais-valia para toda uma região e para todo um povo que não quer esquecer as suas raízes e a sua alma.

 

NF -Considera que as JL abriram novos horizontes para a cultura fafense?

 

CA - Eu sei que às vezes é mais fácil tratar da cultura através do telefone, pois há organismos específicos que permitem organizar eventos quase sem falhas. Há especialistas para isto e para aquilo. Basta ligar e já está. As Jornadas Literárias são diferentes. Tudo assenta no amadorismo, no gosto que se coloca nas coisas, na boa vontade das pessoas, na verdade dos momentos, na cultura que mora dentro de nós. Esta forma de tocar as pessoas faz com que novos horizontes se abram e que esta construção cultural não tenha um limite definido. Há sempre qualquer coisa a acrescentar e a limar.

Pessoalmente, penso que o que está a acontecer em Fafe é uma espécie de necessidade de sobrevivência. O nosso povo, as nossas instituições e associações têm os olhos postos nas Jornadas Literárias e veem nelas uma forma de mostrarem o que de bom sabem fazer, assim como uma espécie de janela que os ajuda a justificar a sua existência. Eu acho que Fafe ainda vai ter muitas surpresas agradáveis, porque há muito querer na nossa gente e gosto em mostrar o que de melhor têm.

 

NF - As JL arrastam multidões que lotaram o Multiusos e encheram o centro da cidade. Existe segredo para esta mobilização?

CA - O segredo está no espírito das jornadas que mora bem no fundo das pessoas. As Jornadas Literárias cheiram a verdade, a tradições, a povo, a terra, a ar puro, a pedras, a alma, a coração, a fé, a ribeiros, a partilha, a bairrismo, a esperança, a broa e a sobrevivência. O segredo das Jornadas está, igualmente, no poder de união que se espalhou com o vento e ao ritmo dos sons da verdadeira música minhota. O segredo das Jornadas está no facto de as pessoas as sentirem suas.

 

NF - Como se consegue fazer tanto com tão pouco?

 

CA - As terras de Fafe são ricas em cultura, história e folclore. As várias escolas que existem no concelho estão repletas de excelentes professores e de alunos com muito engenho. As associações, as instituições, as Juntas de freguesia, o Município e outros organismos não se importam de dar tudo o que têm. A minha demanda e a dos meus colegas de ofício pelas nossas freguesias permitiu-nos conhecer pessoas de excelência, o que ajudou em muito a causa das Jornadas.

A ligação de Fafe ao Brasil é uma mina a explorar. Para além disto tudo e muito mais, há certas pessoas que trabalharam comigo que são o que de melhor existe em Portugal (…). Perante estes ingredientes todos, tudo é mais fácil de confecionar.

Quando se têm os melhores materiais, a sorte por companheira e um tempo favorável, consegue-se construir a casa mais bela. Mas atenção, tudo tem acontecido, porque a dignidade e a amizade nunca faltou nas atitudes dos vários agentes.

 

NF - O Professou “ofusca” figuras da cultura fafense. Sente-se um homem invejado?

 

CA - Eu não sei se ofusco certas pessoas ou se crio inveja em alguém. Se isso acontece o mal não está na minha pessoa, está naqueles que não sabem ver a verdadeira cor das flores. Eu defino-me como uma pessoa simples, incompleta, irrequieta, incauto, sonhador, crente e amante do povo. Sou apenas um homem que gosta do que faz e nem sempre acredita no que diz. Sou apenas um homem que gosta de ouvir as pessoas, sentir os sentimentos e que ainda tem muito para aprender.

 

NF - O Município de Fafe tem, seguramente, reconhecido o seu trabalho, (…)?

 

CA - O Município de Fafe sempre esteve com as Jornadas Literárias. Sem a sua forte colaboração e apoio, este grande evento cultural não chegaria ao que é hoje. Várias vezes reconheceram o meu trabalho, assim como o dos amigos que comigo têm governado esta caravela de cultura (…).

Digo de uma forma bem clara que tem sido uma honra ter trabalhado com o Município de Fafe, e que nunca esquecerei os gestos do Sr. Presidente da Câmara e dos Senhores Vereadores da Cultura e Educação, de se terem trajado a rigor, terem subido ao palco e terem calcorreado as ruas de Fafe, dando vivas à nossa história e à nossa cultura, nestas últimas Jornadas. Estas atitudes dizem-me muito e mostram que os nossos políticos também são feitos de sentimentos.

(…) Eu tenho vontade própria, gosto de fazer o que a minha determinação me diz e, aconteça o que acontecer, e enquanto Deus mo permitir, continuarei a trabalhar em prol da cultura e de Fafe, seja de que forma for.

No meio de toda a vida que levo, só tenho pena de não ter mais tempo e as condições necessárias para trabalhar, com a dignidade que lhe é devida, a cultura que se espraia pelas nossas ruas, praças, aldeias e lugares.

 (…)

NF - A fasquia das JL está muito elevada. Receia não ter condições para manter o nível do evento?

 

CA- (…) Eu disse no início desta entrevista que as Jornadas são apenas mais um filho que brotou do meu sémen de sonhador. Como era de esperar, muitos sonos ficaram por terminar, e algumas circunstâncias ainda não estão totalmente limadas, pois há certos rigores de percurso que me querem esconder aquilo que para mim não devia ser problema.

As próximas Jornadas têm quase todas as condições para serem maiores e melhores. O problema é a fasquia a que se chegou e as limitações que me perseguem. Quem estiver ao leme das 4.ªs Jornadas Literárias de Fafe tem de ter tempo para sonhar, criar, orientar, promover, escolher, limar, descansar, dormir, praticar desporto, ganhar o pão de cada dia, ouvir, sorrir, olhar, escolher, calcorrear caminhos, incentivar, representar, cheirar o jasmim. Será isto possível?

Por muito amor que se tenha a uma causa, às vezes temos de esfarrapar o que mais queremos, olhar o céu, encolher as mãos e chorar. Mas Deus é grande e o vento pode soprar de maré. Todos sabemos que ninguém é insubstituível, por isso os rostos podem mudar, desde que o motivo que semeou as Jornadas Literárias permaneça o mesmo. O importante é querer e trabalhar em equipa.

 

NF - Acredita que as JL de 2013 possam surpreender ainda mais?

CA - O absoluto está para além das estrelas e tudo pode acontecer. Se todas as condições forem criadas, as Jornadas Literárias de Fafe poderão tornar-se numa referência mais global, mesmo que a nossa imprensa nacional não dê por isso. O Brasil pode voltar a ser um grande porto cultural a redescobrir, assim como o voltar a beber nas nascentes que continuam frescas e puras bem no centro do nosso Minho. As recriações históricas podem-nos levar a eras diversas, pois as terras de Montelongo assentam em estruturas com muita dimensão e origens.

Fafe dos Brasileiros tem todas condições para ir muito longe. A rota dos brasileiros por todo o concelho pode ser uma realidade e a sua orientação de caminho de memórias será apenas mais uma folha desta frutífera árvore visionária. Para além do que acabei de dizer, (…) a  ligação à Associação Empresarial de Fafe é um ponto a relevar. Se as vertentes económica e turística encarnarem as Jornadas Literárias, Fafe terá muito a ganhar. Não é isso que acontece em Óbidos Medieval ou em Santa Maria da Feira?

Outro trilho a desenvolver está na gastronomia fafense. Por que não uma confraria da Vitela assada à moda de Fafe?

O juntar datas de renome para Fafe, pinceladas de ar fresco e de literatura é outra maneira útil de construir o futuro. É imprescindível redefinir eventos e mostrar resultados aos fafenses. O dia 18 de março de 2012 foi apenas uma pequena parte do que se pode construir nas terras de Fafe.

Na nossa cidade temos uma Escola de Bailado, vários grupos de teatro e uma Escola de Música. Era importante que se dessem a estas duas instituições condições para que elas fizessem grandes produções no âmbito das Jornadas. É possível fazer tanta coisa… O importante é fazer tudo com carinho, verdade, mais ordenado e prescindir de vaidades de gabinete e de fachada.

 

NF - Há outros projetos pessoais que gostaria de concretizar?

 

CA - Gostaria de continuar a escrever livros para crianças, poesia e um ou outro romance. Gostaria de um dia produzir um musical que tivesse Fafe no seu centro. Gostaria que o amor pela minha família fosse eterno. Gostaria que o meu trabalho ajudasse os jovens a olhar mais além. Gostaria de ajudar as nossas aldeias a incrementarem o turismo cultural. Gostaria que o percurso pedestre literário «Caminhos de Camilo» fosse o que eu quero que ele seja. Gostaria de ter as condições necessárias para promover as tradições das terras que moram no meu peito. Gostaria que os meus sonhos nunca me largassem. Gostaria de… Gostaria de continuar a ser quase feliz. Obrigado

 

 
Entrevista ao jornal Notícias de Fafe de 5 de abril de 2012

Coisas que a gente sente: «Amendoeiras no frio»




           

Depois de receber um telefonema que me ajudara a confirmar que ventos estranhos, vindos de outros propósitos, tinham, no seu intento, um certo querer em quebrar um sonho real, nascido todo ele nas cercanias de Fafe, e que me é muito querido, senti um amargo de alma e uma vontade imensa de dizer basta. Mas, as minhas boas maneiras e a forma correta como gosto de lidar com as pessoas que acreditam nas minhas palavras, limitei-me, apenas, a desabafar com o cinzento do fim de tarde. Mais tarde, e só depois de me aperceber que, no dia seguinte, podia percorrer caminhos que aceitam de bom agrado os meus intentos, decidi seguir os passos de Miguel Torga e procurar, no colo das fragas que me viram nascer, o afago e as forças de que muito precisava. Eu carecia de revisitar o reino encantado de Trás-os-Montes.

A manhã acordara fria e apática, pormenor que não ajudava a minha forma de estar. Assim, apressei o início da viagem e corri, sem transgredir regras, na direção do meu destino. Eu sei que as paisagens de Fafe são únicas, belas e minhas amantes, mas, às vezes, só o leite materno é que nos acalma o peito e alimenta a inquietação.

Os quilómetros iam passando, os pinheiros e eucaliptos deram lugar às torgas e carrascos e depois surgiram os olivais e depois os zimbros e depois as estevas e… de repente, nascidas das entranhas da terra as fragas e as amendoeiras, algumas já floridas, começaram a sorrir-me na pouca distância que nos separava. O céu e os que nele moram deram-se conta do meu pensar e arrumaram para um dos lados mais a jeito aquelas nuvens molhadas e fartas, que só se tornam incomodativas nas alturas em que os campos não precisam de mais chuva.

Ao chegar a Parada, um pequena aldeia de Alfândega da Fé, disposta de uma forma acomodada na borda de um outeiro, mergulhei, devagarinho, o carro pelas ruas apertadas, para não ferir o dormitar das casas quase sem gente, ou assustar algum garoto meio distraído. Mal parei o carro bem ao lado da casa que me esperava, espaço modesto e asseado onde moram a minha mãe e madrinha, encontrei o meu amigo e primo Luís, que, e depois de me cumprimentar, me disse que dali a pouco me levaria um garrafão de vinho a casa, para eu almoçar à maneira e levar o resto para Fafe.

Quando a abri a porta, a minha mãe esperava-me feliz, com o coração aberto, mas muito ocupada, pois ainda não tinha metido os grelos na panela. A minha madrinha, uma bela senhora de 88 anos e que ainda há bem pouco tempo estivera muito doente, atirou-me logo o seu meigo olhar, mostrou-me as suas mãos perfeitas e sorriu na sua beleza. No ar distendia-se um aroma bem gravado nas minhas memórias de criança. Meu Deus, cheira-me a arroz doce!

Eu sei que podia gastar todas as frases do mundo para descrever e narrar o que me aconteceu nesta terça de Carnaval, dia 12 de fevereiro. Mas não o vou fazer, pois os meus leitores não têm tempo para me aturar e, mais a mais, também não convém sermos demasiados linguarudos, como costumava dizer a minha falecida avó Alcina. Apenas quero acrescentar que comi pé de porco guisado, que a minha mãe faz como ninguém, fartei-me de arroz doce, feito pela minha madrinha, bebi dois copos de vinho, encantei-me com o pormenor alegre dos caretos, naquele carnaval que também era meu, parti um punhado de amêndoas e comi-as, relembrei momentos, colhi memórias, fui à horta dos «Espoios» e da «Portela» aos nabos, grelos e couves, mirei o Santo Antão de longe, coloquei parte da conversa em dia com as minha primas Betinha, Goreti e Lizinha, visitei o meu irmão Albino e a minha cunhada Elvira, brinquei com o Sabor, um cão que é pertença da minha afilhada Margarida, cumprimentei pessoas do meu imaginário e deslumbrei-me com a eternidade do paraíso da minha alada infância!

Pronto para regressar a Fafe, não sei porquê, lembrei-me dos tais ventos contrários de que falei no início desta história e cocei a inquietação. Sem mais, liguei o carro, comentei qualquer coisa com a minha esposa, que também me acompanhara nesta demanda e seguimos. Ainda antes de entrar na IC5, uma via rápida recentemente inaugurada, e que nos leva e traz mais depressa, reparei num arranjo belíssimo de amendoeiras floridas, dispostas todas a jeito que me piscavam incessantemente os seus muitos olhos de um branco rosado. Parei o carro bem junto ao seu peito floreado, encostei-me com todas as minhas forças nos seus braços perfumados e doces e ali me deixei ficar algum tempo, o tempo suficiente para complementar a minha postura, determinação e alento, para enfrentar os tais ventos meios contrários que parecem ter, no seu intento, a vontade de quebrar o tal sonho real que tanto prezo e em que acredito. Vamos lá ver como as coisas correm. Em meu redor, o frio voltara em força.

Valha-me Deus! Esqueci-me de trazer o garrafão do vinho!


                                                                                  Carlos Afonso

domingo, 10 de fevereiro de 2013

A verdadeira história de UMA ROSA PARA TI…



            Há algum tempo atrás, numa noite em que participava num atividade cultural na Biblioteca Municipal de Fafe, um homem com alguma idade, meu conhecido e que muito estimo, numa postura digna e comovida, abeirou-se de mim e colocou-me nas mãos uma simples carta de amor, uma carta que fazia parte de uma sua antiga vivência sentimental, ainda em memória e coração. Depois de algumas palavras trocadas, foi-me acrescentando, numa voz que me soou a saudade, que essa carta era um tesouro e que fazia parte do espólio de uma linda história de amor. Igualmente me foi adiantando que poderia ser utilizada como princípio e motivação para uma outra narrativa que eu, se assim o entendesse, quisesse ou pudesse escrever. Agradecido por tamanha confiança e prova de amizade, olhei com carinho o homem, que se mantinha frente a mim, hirto na sua dignidade e sentimento, à espera do que eu dissesse. É evidente que eu sorri e… mais nada. No ar, e porque a ocasião o proporcionou ou alguém o forçou, senti um cheiro suave a rosas.

            Depois daquele encontro na Biblioteca, e já em casa, fui à carteira onde havia guardado a carta, tirei-a com alguma pressa e li-a de uma forma bem atenta, ao mesmo tempo que ia sentindo alguns apertos na alma. De seguida, e já envolto numa postura mais racional, lembrei-me que, se calhar, a história ou o romance que viesse a escrever a partir da missiva daquele homem com alguma idade poderia chamar-se “Uma Rosa para Ti…”. Mas quando é que eu arranjaria tempo para tão atraente desafio, se a minha vida de professor, pai, coordenador das Jornadas Literárias de Fafe e de mais afazeres me pegaram o tempo todo? Sem querer pensar mais no assunto, uma vez que me sentia bastante cansado, fui dormir, pois já era bastante tarde. Nessa noite, nenhum sonho me acordou!

Passados alguns dias, e numa reunião do Núcleo de Artes e Letras de Fafe, organismo cultural a que pertenço, e numa altura em que estávamos a programar as iniciativas a realizar ao longo do ano, veio-me à cabeça de propor um evento cultural para comemorar o dia dos namorados, cujo nome poderia ser “Uma Rosa para Ti…”.

Como era de prever, e uma vez que a meu lado estavam pessoas com uma grande sensibilidade cultural e sentimental, a ideia foi aprovada por unanimidade. E o que era inicialmente um sonho vago e indefinido começou ali mesmo a roçar os alicerces do real e do desvendar a espuma.

E porque os dias passam, mas os projetos em que acreditamos permanecem presos ao nosso querer, rodeei-me das pessoas certas que encontrei na Escola Secundária e de Bailado de Fafe e na Academia José Atalaya, dormi menos algumas horas, procurei as palavras de que precisava, escrevi o guião, associei-lhe os acrescentos necessários e, tal como afirma Fernando Pessoa, a obra nasceu:

 “E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.”

 

Eu sei que as coisas perfeitas não existem, e jamais eu as conseguiria encontrar ou construir com demasiadas perfeições, tendo em conta as minhas incompletudes, mas o que sei é que o sonho acrescido do querer, esperança e muito trabalho, às vezes, quase faz milagres.
Assim, no dia 9 de Fevereiro, pelas 21h30, véspera do dia dos namorados, a cortina do palco do Teatro-Cinema abriu-se de par em par e o amor encheu de afetos e brilho todos os presentes. As palavras, a música, a dança, o engenho, a vontade, os corações e muitas rosas soltaram-se, condignamente entrelaçados, e tudo aconteceu…

E porque quero terminar, apenas acrescento que “Uma Rosa para Ti…” apenas teve o seu primeiro momento. Na verdade, e quando o tempo me emprestar mais algumas horas, terei muito gosto em ir mais longe, bem àquele sítio onde os lírios florescem ao sabor das muitas cores com que o amor se tinge. E, no mesmo sítio, concretamente na Biblioteca Municipal de Fafe, e se calhar à mesma hora, devolverei a carta àquele homem com alguma idade, entregando-lhe também para as mãos um romance ou, se calhar, uma outra história, com o título já há muito tempo definido: UMA ROSA PARA TI...

 

                                                                                               Carlos Afonso

           

 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

UMA CAMÉLIA NA NOITE, uma história inventada.



 

      Aquela voz não me pareceu estranha quando, meia escondida por uma noite de inverno sem chuva mas com muito frio, me foi arremessada em tom de desafio e com um certo desejo à mistura. No meu relógio já passava das onze e o ensaio do coro das terças feira havia acabado há pouco tempo.

Atento a quem se me dirigia, notei logo que aquela figura de mulher não estava ali em vão. Ela procurava um encontro, ela precisava de fazer o que a ânsia lhe pedia, ela queria ir mais além… ou talvez não.

 Quando me aproximei, vi que a conhecia. Era a Alice. Vou chamar-lhe assim, porque o seu nome é outro, e mais a mais não acho que seja importante dizer toda a verdade. Também é necessário acrescentar a fantasia e um certo grau de imaginação a esta história, para que ganhe uma tonalidade diferente. Não é que ela se importasse que o seu verdadeiro nome viesse a público, eu é que quero que assim seja.

Alice é ainda jovem e gosta de flores, não admira, por isso, que numa das mãos segurasse uma simples camélia rosada. Nos seus olhos não lhe vi cor alguma. Talvez o escuro da ocasião não ajudasse para o caso, mas eu sei que eles são castanhos. Quanto ao perfume que dela se soltava, ele era intenso e eu já o tinha sentido em outras horas.

- E agora? – Pensei para comigo – Já sei, vou convidá-la para tomar qualquer coisa. Mas tem de ser rápido, pois tenho de ir para casa.

Na pastelaria, que ficava em frente ao nosso encontro, via-se um ou outro grupo de jovens. Entrámos e foi na primeira mesa à nossa direita que nos sentamos. E porque lá dentro estava bem mais agradável, os meus óculos ficaram embaciados. Do canto, perto de uma das portas envidraçadas que durante o dia ajudam a iluminar aquele espaço sentava-se um senhor de idade, que, de imediato, nos olhou de alto a baixo. Eu não o conhecia, mas, de certeza que ele conhecia Alice.

O chá de camomila não demorou a chegar e o sorriso da minha companheira ofereceu-se-me logo de seguida.

- Está quente! – disse eu.

Ela inquietou-se e fez um gesto que me satisfez. Na mesma mão, desde o primeiro instante em que a vira, já não continuava a camélia rosada, agora, um pouco mais vistosa, estendia-se na mesa, acomodada no seu espaço. Por instantes, reparei na cor da pele de Alice e remexi-me na cadeira. Do canto, perto de uma das portas envidraçadas, o senhor de idade continuava a olhar-nos. Alice ainda não dera pela sua presença, mas eu já começava a ficar apoquentado. O que quereria ele?

Durante uma hora, se o relógio não se enganou, pois eu não dei conta do tempo passar, muitas palavras trocámos. Um ou outro sentir cobriu o nosso entendimento e até um relembrar de uma outra história, vivida numa primavera passada, me fez corar o rosto. A dada altura, e porque reparei que os clientes já haviam saído da pastelaria, achámos que era altura de sair também. De uma forma simpática, levantei-me, peguei na camélia, e, sem qualquer outra intenção, estendi a mão a Alice, que, de imediato, aceitou a gentileza.

Saímos e, quando nos preparávamos para a despedida, Alice disse que já era bastante tarde e que não tinha trazido o carro, e que o seu apartamento ainda era longe. Algo embaraçado, devolvi-lhe a camélia e prontifiquei-me a levá-la a casa. Sem querer, um desejo de homem começou a aligeirar-me o andar, mas uma outra realidade pôs fim ao que eu já julgava certo. Era o senhor de idade.

- Alice, - como disse no início da história, ela não se chamava assim - Pergunta ao senhor se os bilhetes para o espetáculo “Uma Rosa para ti”, do dia 9 de Fevereiro, no Teatro/Cinema, já estão disponíveis?

- Pai, que fazes aqui, a estas horas?

 

Carlos Afonso

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O HOMEM DE LOVECH


 

 

Por muitos que sejam os retratos ou os espaços ou as circunstâncias que possam apresentar os ingredientes necessários para serem gravados com sucesso no álbum do nosso entendimento, às vezes achamos mais interessante pegar em pormenores com um brilho diferente para construir o quadro acertado que projetamos eternizar. Se assim não fosse, as pedras mais insignificantes que se estendem nos leitos dos rios nunca teriam serventia perante o tamanho dos caudais que por elas passam. E porque o que acabei de dizer tem as linhas todas para tecer o texto que quero escrever, amigo leitor, agasalhe-se, pois estamos bem no meio do inverno, pegue nas minhas palavras e siga na direção de Locevh, uma curiosa cidade da Bulgária.

Lovech é uma cidade do centro-norte da Bulgária, situada nas duas margens do rio Osam, na zona da Cordilheira dos Balcãs. Este rio de alguma dimensão é atravessado no centro da cidade por várias pontes, sendo uma delas muito famosa. Trata-se de uma ponte pedonal totalmente coberta, constantemente espionada por todo um casario bem ao estilo barroco. No seu interior, inúmeras lojas de souvenires mostram outras paisagens e realidades para turista mirar e comprar, se assim o desejar.

O que me quereria dizer aquela rapariga de olhar triste e de lenço escuro pelos ombros, quando, à minha passagem pela ponte, bem em frente à sua banca de quadros e livros, me estendeu uns falares que em nada se pareciam com uma qualquer coisa instintiva? Numa outra altura voltarei a falar desta rapariga.

Situada a cerca de cento e cinquenta quilómetros da capital Sofia, Lovech é uma cidade com muitos registos de antigas lutas contra o império turco, assim como detentora de inúmeros parques que, na primavera, se enchem de tonalidades verdes, enquanto fartos arranjos de lilases enfeitam o parque Stratesh, o local mais alto da cidade, onde existe um grande número de plantas da flor lilás, que são facilmente vislumbradas de toda a cidade e proporcionam um espetáculo magnífico. Por esta razão, Lovech é conhecida pela cidade dos lilases. No entanto, e porque fui isso que eu vi, nos dias em que por aqui andei, no mês de janeiro de 2013, o seu encanto distendia-se da cor de gelo que a tingia logo de manhã para, durante o dia, se acomodar aos vários semblantes que o sol lhe emprestava.

Provavelmente, o amigo leitor já se questionou acerca da minha presença neste lugar tão afastado. Na verdade, eu faço parte de um grupo de pessoas de Fafe que se encontra ligado ao projeto “Comenius Regio Partnerships”, e que tem como objetivo estreitar relações entre Portugal e a Bulgária no âmbito da educação pré-escolar e na formação, guiadas pela máxima “ Educar pela arte”. Como a Associação AtriuMemoria, a que pertenço, está ligada a este projeto, juntamente com outras instituições de Fafe, tive o privilégio de partilhar esta interessante e frutífera viagem, rodeada de múltiplas experiências, com as doutoras Helena Alves, Margarida Carvalho e Natália Correia da Escola Secundária de Fafe, os senhores José Manuel e Simão Teixeira do Jardim de Infância de Antime e os doutores José Ribeiro e Daniel Bastos da Câmara Municipal de Fafe. E foi num dos momentos previamente definidos, e enquanto palmilhava os recantos culturais de Lovech, que conheci um homem deveras interessante, um homem que tinha a seu cargo zelar por um espaço de memórias e tradições, um espaço que guardava na perfeição os pedaços de um outro tempo ali bem presente. A rua que levava a este museu etnográfico era de um traço bem medieval, onde as casas que a desenhavam se acolhiam debaixo de telhados de lousas acinzentados.

 A noite já se tinha precipitado na cidade, quando, num primeiro instante, e depois de subir uma escadaria empedrada, uma voz vinda do escuro nos deu as boas vindas numa língua que eu entendi, uma vez que os gestos a que a ela estavam associados, saídos de umas mãos do tamanho da vontade do homem que as dizia, ajudavam na perfeição o seu verdadeiro sentido. Já no interior de uma das casas de outra época vestida, e depois de algumas explicações e informações, consegui olhar de frente o homem que nos recebia. O seu nome não o entendi e muito menos o conseguiria pronunciar, mesmo que o quisesse fazer. A sua idade não foi chamada para o caso, mas já era bastante. Os seus olhos eram profundos, claros e sábios. A boina que lhe cobria a cabeça condizia com o tipicismo da roupa que vestia. A magreza do seu corpo dava-lhe o aspeto de um servidor do exército soviético. O cachecol verde que se prendia ao pescoço anunciava um futuro adiado, embrulhado num passado em que se acreditou. O bafo que se despendia da boca era incolor e inodoro, mas as palavras que viria a pronunciar, embaladas por uma melodia da mesma cor dos cravos que um dia, em abril, floriram em Portugal surpreenderam quem, como eu, fala a língua de Camões.

Como é surpreendente ouvirmos, sem contar, os verdadeiros significados que moram nos sentimentos dos homens!

A dada altura, e sem que a guia que lhe traduzia as frases contasse, da sua boca saiu um verdadeiro cantar português, que num tempo em que Portugal vivia engaiolado na sua dignidade, o poeta e cantor Zeca Afonso trouxe à luz do dia:

“Grândola, vila morena

 Terra da fraternidade

 O povo é quem mais ordena

 Dentro de ti, ó cidade

 

Dentro de ti, ó cidade

 O povo é quem mais ordena

 Terra da fraternidade

 Grândola, vila morena (…)”

 

As palmas soltaram-se do nosso espanto. Uma outra lágrima assomou desprevenida e com algum receio não sei bem de que olhar. Um sorriso de quem sabia o que estava a fazer despegou-se do rosto do homem de Lovech, e da minha máquina fotográfica saiu, repentino, um reflexo que se apagou logo a seguir.

Este homem, numa outra época e em circunstâncias próprias, que o regime comunista lhe emprestara, conviveu em espírito e sentido com a revolução portuguesa de 1974.

Em continuidade aos versos acabadinhos de cantar num português quase claro, seguiu-se uma tradução cantada pelo mesmo homem, num Búlgaro fluente, em que a melodia empregue serviu de tradutor, para depois nos pedir para passarmos às restantes divisórias da casa devidamente apetrechadas. Num dos fundos que enquadrava um quarto de época, descansava de vez um violino que já fora de um famoso músico da Bulgária.

Só um pequeno acrescento sem qualquer serventia ou interesse para algumas pessoas, as unhas da mão direita do homem de Lovech estavam tapadas com uma espécie de adesivo castanho. Por que seria?

 

Carlos Afonso.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

CONVITE(Deputada do Rio de Janeiro em Fafe)


Convite


         Sendo Fafe uma terra com fortes ligações ao Brasil, vimos, por este meio, convidar V. Ex.cia a participar na palestra: «Portugal e o Brasil, dois países irmãos», proferida pela deputada estadual do Rio de Janeiro, Maria Inês Pandeló Cerqueira, a realizar na próxima quarta-feira, pelas 21h15, na Biblioteca Municipal de Fafe.

Neste momento único em que “Fafe dos brasileiros” também será tema de conversa, nas vertentes histórica, cultural e económica, todos os presentes poderão assistir a instantes de música e poesia dos maiores criadores brasileiros.

                                                                  Obrigado

Nota: Este evento conta com o apoio da Câmara Municipal de Fafe e com a organização do Atelier Atriumemoria.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

OS OLHOS DOCES DE AMÉLIA

 
        
Numa altura em que a nossa existência é constantemente atingida pelas garras de uma crise enfadonha e sem sentido, que quase nos abafa o acreditar, é muito reconfortante quando encontrarmos bem à nossa frente circunstâncias especiais que nos deixam vislumbrar outra vez as certezas da primavera e os sabores amadurecidos do verão.
 Só lamento a circunstância das estações dos homens divergir do ciclo da natureza e não permitir que as camélias brancas possam florir duas vezes.
Naquela tarde de dezembro, o sol ainda aquecia aquele lugar onde uma mulher, vestida de cor de viúva, jazia ausente da minha realidade e, talvez, mais apostada numa viagem que a levava para um tempo fora de tempo. Ela estava sentada na soleira de uma porta cerrada, agora sem serventia, pertença de uma casa pintada de amarelo debutado e sem sinais de habitabilidade, numa rua de Fafe. Em seu redor, o volver insistente do vento incomodava a poeira da tarde e deixava bem claro que ainda era inverno e que não valia a pena haver ilusão com a luminosidade do dia. Não sei bem porquê, mas aquela figura de uma idade avançada intrigou-me e resolvi perguntar-lhe o que achasse por bem.
Com alguma calma, e depois de conseguir desfazer-me de um aceno de circunstância que atirei a um conhecido, ou talvez não, pois a minha visão de vez enquanto engana-me quando foco a distância, aproximei-me de tão quieto estar, pois nem por nada queria estragar o que quer que fosse que agarrava a atenção daquela mulher. Antes de lhe dirigir a palavra, reparei que a sua postura sofreu momentaneamente uma pequena alteração. A sua mão esquerda sacou instintivamente de um bolso de saia muito escura um pequeno lenço esbranquiçado com que limpou uma lágrima que lhe banhara o rosto. Depois, sem mais, voltou à primeira postura. Só um pormenor, por cimo das costas estendia-se, espectral, um xaile com muito tempo. Será que o herdara da alguma sua familiar? Digo isto porque ainda me lembro que a minha avó, que Deus levou para si há mais de trinta anos, tinha um assim, que tinha sido dado pela sua mãe, minha bisavó, portanto.
Já encostado aquele corpo presente, procurei logo meter conversa a ver se conseguia obter algumas respostas com sentido. Porque a primeira tentativa não surtiu efeito, insisti na determinação e fiquei logo a saber que ela se chamava Amélia, que morava com uma filha solteira que trabalhava em Guimarães e que estava ali a apanhar um pouco de quentura, antes que as sombras viessem, e consigo trouxessem o regresso de todos os dias.
Não me lembro bem do tempo que me dispus por ali, talvez uma meia hora, ou nem tanto, mas foi o tempo necessário para me apegar aquela simpática senhora que, e enquanto esteve a conversar comigo, abdicara do seu passeio interior para comigo conversar e olhar constantemente.
Eu disse olhar?
Claro que disse. E porque o disse, quero neste preciso instante dizer-vos que os olhos desse olhar mostraram uma tão meiga postura que me obrigou a pegar-lhe nas mãos e a falar-lhe de mim.
            Como eram doces os olhos de Amélia!
Ela sorriu-me muitas vezes, disse-me, entre outros dizeres, que conhecia bem Aboim e que durante muitos anos foi à Senhora das Neves. Ah! Também me contou que já fora feirante e que tem muita devoção por Nossa Senhora. Depois a voz da filha que viera acompanhada pela sombra da tarde, fez com que o nosso involuntário encontro ficasse por ali naquele dia. Na verdade, a simpatia da velha senhora também habitava a disposição da sua descendente que, e perante a postura satisfeita da mãe e as palavras que ela proferira a meu respeito, não se importou que acompanhasse Amélia, e a amparasse com alguma paciência, até à porta de sua casa, pois as suas pernas, já bem degastadas naquela idade de oitenta e cinco anos, não tinham o mesmo vigor da altura em que apregoava a sua fruta e os seus legumes na feira semanal da vila.
Outras vezes visitei Amélia, e, outras tantas vezes, partilhei, com ela, instantes e palavras. Digo-vos, até, caros leitores, que a sua memória ainda é o que era, que a sua franqueza é do tamanho do mundo, que a sua sala é forrada por um papel arramalhado verde, e que o bolo de laranja, que no nosso último encontro me ofereceu, uma vez que já frequento a intimidade do seu lar, é da mesmíssima doçura dos seus olhos.
Da próxima vez que visitar minha amiga de certeza que lhe oferecerei um ramo de camélias brancas, pois ela disse-me que gostava, assim como eu, da sua singeleza e encanto!
Até amanhã, Amélia.
Do Longe, o toque insistente de uma ambulância feriu-me de morte o peito.
Meu Deus, quem roubou o encanto das camélias brancas!
 
Carlos Afonso