sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Mãe, podemos comprar uma coisa destas?


Mãe, podemos comprar uma coisa destas?

O Natal é sem sombra de dúvida uma época especial. Se os dias estão mais frios e o sol nem sempre é rei, o espírito que se apodera do coração e das fachadas dos simples mortais sempre consegue aquecer as vontades. Tudo parece mais acertado e harmonioso! Tudo parece refletir uma certa partilha de gestos e formas bem caracterizadores deste tempo em que se comemora o nascimento de Jesus.
É curioso, e às vezes dou por mim a pensar neste assunto, que o facto de um humilde menino, lá longe na Judeia, ter vindo ao mundo num curral emprestado, apenas ladeado pelo que a ocasião lhe proporcionou, tenha condicionado as mentalidades de muitos milhões de pessoas, no decorrer cadenciado dos séculos.
Eu sei que nem sempre os rostos dos homens mostram a sinceridade dos seus sentimentos, mas, às vezes, o que reluz é mesmo ouro, principalmente se os raios derivarem das palavras e dos olhos de um inocente com pouco mais de seis anos, que tal como a criança de Belém, tenha escolhido dezembro para esclarecer o precisar dos dias e o raciocínio dos que se julgam senhores da verdade.
A pastelaria estava mais ou menos composta de clientela. As vidraças estavam embaciadas, reflexo da friagem da tarde e do ambiente aquecido no interior. Lá fora, e do pouco que se podia enxergar, alguns transeuntes mostravam alguma pressa. Cá dentro, o pão acabado de sair do forno trazia um aroma especial à ocasião. Sentado numa mesa lateral, ia reparando no que me apetecia. Como era de esperar, prestei bastante atenção à mesa farta em bolos-reis, pães-de-ló e outras iguarias de época que enfeitavam um recanto da pastelaria. Reconheço que o artificie que engendrou esta mesa natalícia, cheiinha de coisas boas, sabia o que estava a fazer.
Para além do quadro adocicado e feliz, outros pontos de interesse ofereceram-se aos meus sentidos. Numa das mesas, uma senhora de idade tomava pausadamente a sua meia de leite, ao mesmo tempo que ia mastigando um bolo de arroz. Dava para ver que alguma coisa a preocupava. Mais encostadas a um dos pilares que se instalava no centro da pastelaria, duas raparigas risonhas e trigueiras iam bebendo o seu café, enquanto pareciam lembrar algo de agradável. Provavelmente os telemóveis que mantinham em cima da mesa eram conhecedores de toda a verdade. Perto da porta, um senhor engravatado lia o jornal. De certeza que os assuntos que se colavam às páginas centrais do diário eram do seu interesse, pois demorava-se bastante na sua leitura. Atrás do balcão, um rapaz de cabelos curtos atendia, finalmente, três clientes, que aguardaram algum tempo pelo pão quente. A televisão que se dispunha num dos lados estava desligada. Será que estava avariada? Talvez estivesse apenas desligada. Bem junto à porta, à direita de quem entra, uma árvore de Natal multiplicava-se em cor e significado. No seu topo uma estrela prateada, meia inclinada para a direita, mantinha-se impávida e serena.
Tudo estava de acordo com a ocasião, pensava eu, até que, e ainda não eram cinco horas da tarde, pois o meu relógio assim mo ditou, uma criança entrou na pastelaria agarrada à mão da mãe. Quase todos os meus colegas de espaço repararam nos recém-chegados. Não que eles tivessem feito muito alarido, mas mais pela atitude e palavras do menino.
Enquanto a mãe se dirigia ao balcão, o pequenote correu para a tal mesa repleta de doçuras e por ali se deixou ficar. A dada altura, e depois de se fartar de olhar, virou-se para a mãe e suplicou:
- Mãe, podemos comprar uma coisa destas?
Como a mãe não respondesse, ele falou mais alto. Sem querer criar caso, a jovem, digamos assim, pois a sua idade não devia ultrapassar os vinte e poucos anos, segredou-lhe alguma coisa ao ouvido. Mas a criança não se conformou e insistiu:
- Mãe, podemos comprar uma coisa destas?
Sem poder segurar mais os verdadeiros argumentos, a apoquentada mãe, sempre alegou em voz alta, ao mesmo tempo que lhe acenava com um pequeno saco onde se acomodavam dois pães.
- Filho, eu não posso comprar mais nada, pois não trouxe dinheiro. O pouco que trazia gastei-o a comprar pão para o teu lanche e do teu irmão.
Sem qualquer vontade em desistir do seu real desejo, a criança de pouco mais de seis anos de idade, e depois de uma pequena reflexão momentânea, virou-se para nós, os outros clientes da pastelaria, e fez um pedido muito convincente:
- Por favor, algum dos senhores pode emprestar dinheiro à minha mãe para que ela comprar um destes bolos? Sabem, ela só trouxe a conta certa para o pão, pois gastou o outro na farmácia para comprar o remédio do meu irmão mais novo.
Muito atrapalhada, a mãe tentou em vão calar o miúdo, mas a vontade e a determinação ingénuas deste eram maiores do que o mundo.
- Na verdade, eu acho que ela não tem mais dinheiro. O meu pai já não é nosso amigo e foi-se embora. A minha mãe, coitada, ganha muito pouco! Juro que se o menino Jesus me oferecer uma prenda no Natal, eu vendo-a a outro menino e com o dinheiro do meu negócio pago-vos.
Na pastelaria todos escutaram o pedido e não se fizeram rogados. Os olhos da criança faiscavam, a estrela da árvore de natal tornou-se mais bela e acertada. A televisão continuou em silêncio. O empregado pouco se importou com o peso que a balança lhe mostrava e o senhor engravatado sempre disse o que todos pensavam:
- Não te preocupes em vender o presente que o menino Jesus te trouxer. Fica com ele e recebe também o presente que nós te oferecemos agora. Quanto ao teu pai, nós achamos que muito em breve ele voltará para casa.
Como foi bem visível, a dita mãe não levou só os dois pães para casa. Foi preciso a ajuda das duas raparigas sorridentes, as que estavam encostadas a um dos pilares bem no centro da pastelaria, para que a consoada do Pedro, era assim que se chamava a criança, e da sua família chegasse direitinha a casa.

Carlos Afonso

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