sábado, 5 de novembro de 2011

O sorriso que venceu a morte…



O dia 31 de outubro, deste ano de 2011, não foi, para mim, um dia comum. Se alguns momentos, do seu todo, me pareceram usuais, mais ou menos programados, outros foram tecidos de cores que me conduziram a outros espaços, em tempos diversos.
Como faço quase todos os dias, por volta das oito da manhã, peguei na pasta, saí de casa, subi a rua José Cardoso Vieira de Castro, esperei que os semáforos me dessem autorização para passar, continuei na direção da Escola Secundária, e antes de chegar à Padaria Silva, reparei que no chão, bem à minha frente, estava um ramo de flores ainda viçosas. Num instinto natural, olhei à minha volta e, só bem mais à frente, vislumbrei um senhor de alguma idade, que caminhava apressado. Sem quaisquer dúvidas em relação ao sucedido, pensei logo que foi o tal senhor que deixara cair o dito ramo. Pequei no mesmo, apressei o meu andar, e levado pela curiosidade, sempre acabei por ler um simples dizer que se encontrava gravado num papel acinzentado, preso à base do arranjo: «Com muito amor. José».
Meio emocionado, aligeirei ainda mais o passo e sempre apanhei o tal senhor de alguma idade que ia à minha frente. Claro que o ramo era dele. Claro que o ramo era para o seu amor. Como ele ficou feliz!
- Agradeço a sua simpatia. Veja como está a minha cabeça. As flores são para oferecer à minha esposa – disse-me a sorrir.
- Gesto bonito o seu, oferecer flores à sua esposa – adiantei eu.
- Sabe uma coisa? Sempre gostei de lhe oferecer flores em dias especiais. Agora que ela já morreu há mais de dez anos, continuo a fazê-lo, porque sei que ela gosta. Muito obrigado e que Deus lhe pague.
Sem me dizer mais nada, e com um sorriso do tamanho do mundo estampado no rosto, continuou a sua caminhada.
Reparem bem, meus amigos, este senhor de alguma idade ia oferecer as suas flores ao seu amor, que ansioso as esperava no cemitério. Afinal, a morte não impediu que um lindo gesto se continuasse a cumprir.
Como eram quase 8h30, fui para a escola trabalhar, mas este episódio matinal não caiu no esquecimento. Durante a manhã, uma ou duas vezes, e sem que o determinasse, dei por mim a olhar pela janela da sala de aula a reparar não sei bem onde, mas com um só pensamento na cabeça. Será que o tal senhor já ofereceu as flores à sua esposa?
O dia foi decorrendo com alguma normalidade, mas ao fim da tarde, um cansaço incomum fez com que me deitasse bem cedo. Algo de estranho se passava comigo. E o mais curioso é que a cena matinal ainda me era familiar.
Já na cama, e ainda sem adormecer, lembrei-me que era véspera do dia de todos os Santos, e a memória de meu pai tomou conta da minha existência. A partir desse momento, um sonho diferente pegou-me nas mãos e levou-me para a aldeia onde eu nasci, ao encontro de uma pessoa muito especial.
O cemitério estava todo enfeitado! A aragem matinal atirava-me ao rosto uma estranha doçura, que parecia derivar do ramo de flores que segurava nas mãos.
Meu Deus! É igual ao que encontrara no passeio, bem perto da Padaria Silva!
Sem me importar com tal coincidência, dei alguns passos no interior do cemitério e uma voz bem minha conhecida chamou por mim. Olhei, e vi que o dono dessa voz, o meu pai, estava sentado numa pedra robusta que ali jaz há mais de dez anos. Ofereci-lhe o ramo com carinho, e ele recebeu-o com um sorriso. Depois, meus amigos, colocamos a conversa em dia. Falamos disto e daquilo, e até trouxemos à memória aquele jogo de futebol entre o Fafe e o Sporting, na altura em que o Fafe esteve na I divisão, e em que o meu pai se molhou todo, pois o raio da chuva não dera tréguas durante toda a partida. O diálogo entre os dois foi alegre e reconfortante, só que não foi eterno. A despedida foi indefinida, pois o sonho não ma esclareceu. Só sei que eu saía do cemitério com uma cara de muitos amigos, quando, e para meu espanto, encontrei, logo ali, o tal senhor a quem, nesse dia de manhã, havia dado o tal ramo que ele deixara cair. Claro que as suas palavras só podiam ser estas:
- É tão bom podermos oferecer flores às pessoas que amamos! Quer companhia até casa?
Claro que eu aceitei.
O dia 1 de Novembro acordou lindo! E o meu coração também!
(Para o meu querido pai, que Deus levou para si há mais de 10 anos, aqui deixo esta pequena história para lhe dizer o que ele já sabe há muito tempo: A morte apenas nos torna levemente invisíveis)

Carlos Afonso (carlosehistorias.blogspot.com)

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