sábado, 2 de fevereiro de 2013

UMA CAMÉLIA NA NOITE, uma história inventada.



 

      Aquela voz não me pareceu estranha quando, meia escondida por uma noite de inverno sem chuva mas com muito frio, me foi arremessada em tom de desafio e com um certo desejo à mistura. No meu relógio já passava das onze e o ensaio do coro das terças feira havia acabado há pouco tempo.

Atento a quem se me dirigia, notei logo que aquela figura de mulher não estava ali em vão. Ela procurava um encontro, ela precisava de fazer o que a ânsia lhe pedia, ela queria ir mais além… ou talvez não.

 Quando me aproximei, vi que a conhecia. Era a Alice. Vou chamar-lhe assim, porque o seu nome é outro, e mais a mais não acho que seja importante dizer toda a verdade. Também é necessário acrescentar a fantasia e um certo grau de imaginação a esta história, para que ganhe uma tonalidade diferente. Não é que ela se importasse que o seu verdadeiro nome viesse a público, eu é que quero que assim seja.

Alice é ainda jovem e gosta de flores, não admira, por isso, que numa das mãos segurasse uma simples camélia rosada. Nos seus olhos não lhe vi cor alguma. Talvez o escuro da ocasião não ajudasse para o caso, mas eu sei que eles são castanhos. Quanto ao perfume que dela se soltava, ele era intenso e eu já o tinha sentido em outras horas.

- E agora? – Pensei para comigo – Já sei, vou convidá-la para tomar qualquer coisa. Mas tem de ser rápido, pois tenho de ir para casa.

Na pastelaria, que ficava em frente ao nosso encontro, via-se um ou outro grupo de jovens. Entrámos e foi na primeira mesa à nossa direita que nos sentamos. E porque lá dentro estava bem mais agradável, os meus óculos ficaram embaciados. Do canto, perto de uma das portas envidraçadas que durante o dia ajudam a iluminar aquele espaço sentava-se um senhor de idade, que, de imediato, nos olhou de alto a baixo. Eu não o conhecia, mas, de certeza que ele conhecia Alice.

O chá de camomila não demorou a chegar e o sorriso da minha companheira ofereceu-se-me logo de seguida.

- Está quente! – disse eu.

Ela inquietou-se e fez um gesto que me satisfez. Na mesma mão, desde o primeiro instante em que a vira, já não continuava a camélia rosada, agora, um pouco mais vistosa, estendia-se na mesa, acomodada no seu espaço. Por instantes, reparei na cor da pele de Alice e remexi-me na cadeira. Do canto, perto de uma das portas envidraçadas, o senhor de idade continuava a olhar-nos. Alice ainda não dera pela sua presença, mas eu já começava a ficar apoquentado. O que quereria ele?

Durante uma hora, se o relógio não se enganou, pois eu não dei conta do tempo passar, muitas palavras trocámos. Um ou outro sentir cobriu o nosso entendimento e até um relembrar de uma outra história, vivida numa primavera passada, me fez corar o rosto. A dada altura, e porque reparei que os clientes já haviam saído da pastelaria, achámos que era altura de sair também. De uma forma simpática, levantei-me, peguei na camélia, e, sem qualquer outra intenção, estendi a mão a Alice, que, de imediato, aceitou a gentileza.

Saímos e, quando nos preparávamos para a despedida, Alice disse que já era bastante tarde e que não tinha trazido o carro, e que o seu apartamento ainda era longe. Algo embaraçado, devolvi-lhe a camélia e prontifiquei-me a levá-la a casa. Sem querer, um desejo de homem começou a aligeirar-me o andar, mas uma outra realidade pôs fim ao que eu já julgava certo. Era o senhor de idade.

- Alice, - como disse no início da história, ela não se chamava assim - Pergunta ao senhor se os bilhetes para o espetáculo “Uma Rosa para ti”, do dia 9 de Fevereiro, no Teatro/Cinema, já estão disponíveis?

- Pai, que fazes aqui, a estas horas?

 

Carlos Afonso

Sem comentários:

Enviar um comentário