Aquela voz não me pareceu
estranha quando, meia escondida por uma noite de inverno sem chuva mas com
muito frio, me foi arremessada em tom de desafio e com um certo desejo à
mistura. No meu relógio já passava das onze e o ensaio do coro das terças feira
havia acabado há pouco tempo.
Atento a
quem se me dirigia, notei logo que aquela figura de mulher não estava ali em
vão. Ela procurava um encontro, ela precisava de fazer o que a ânsia lhe pedia,
ela queria ir mais além… ou talvez não.
Quando me aproximei, vi que a conhecia. Era a
Alice. Vou chamar-lhe assim, porque o seu nome é outro, e mais a mais não acho
que seja importante dizer toda a verdade. Também é necessário acrescentar a fantasia
e um certo grau de imaginação a esta história, para que ganhe uma tonalidade
diferente. Não é que ela se importasse que o seu verdadeiro nome viesse a público,
eu é que quero que assim seja.
Alice é
ainda jovem e gosta de flores, não admira, por isso, que numa das mãos segurasse
uma simples camélia rosada. Nos seus olhos não lhe vi cor alguma. Talvez o
escuro da ocasião não ajudasse para o caso, mas eu sei que eles são castanhos. Quanto
ao perfume que dela se soltava, ele era intenso e eu já o tinha sentido em
outras horas.
- E
agora? – Pensei para comigo – Já sei, vou convidá-la para tomar qualquer coisa.
Mas tem de ser rápido, pois tenho de ir para casa.
Na
pastelaria, que ficava em frente ao nosso encontro, via-se um ou outro grupo de
jovens. Entrámos e foi na primeira mesa à nossa direita que nos sentamos. E
porque lá dentro estava bem mais agradável, os meus óculos ficaram embaciados.
Do canto, perto de uma das portas envidraçadas que durante o dia ajudam a
iluminar aquele espaço sentava-se um senhor de idade, que, de imediato, nos
olhou de alto a baixo. Eu não o conhecia, mas, de certeza que ele conhecia
Alice.
O chá de
camomila não demorou a chegar e o sorriso da minha companheira ofereceu-se-me logo
de seguida.
- Está
quente! – disse eu.
Ela
inquietou-se e fez um gesto que me satisfez. Na mesma mão, desde o primeiro
instante em que a vira, já não continuava a camélia rosada, agora, um pouco
mais vistosa, estendia-se na mesa, acomodada no seu espaço. Por instantes,
reparei na cor da pele de Alice e remexi-me na cadeira. Do canto, perto de uma
das portas envidraçadas, o senhor de idade continuava a olhar-nos. Alice ainda
não dera pela sua presença, mas eu já começava a ficar apoquentado. O que
quereria ele?
Durante
uma hora, se o relógio não se enganou, pois eu não dei conta do tempo passar,
muitas palavras trocámos. Um ou outro sentir cobriu o nosso entendimento e até
um relembrar de uma outra história, vivida numa primavera passada, me fez corar
o rosto. A dada altura, e porque reparei que os clientes já haviam saído da
pastelaria, achámos que era altura de sair também. De uma forma simpática, levantei-me,
peguei na camélia, e, sem qualquer outra intenção, estendi a mão a Alice, que,
de imediato, aceitou a gentileza.
Saímos
e, quando nos preparávamos para a despedida, Alice disse que já era bastante
tarde e que não tinha trazido o carro, e que o seu apartamento ainda era longe.
Algo embaraçado, devolvi-lhe a camélia e prontifiquei-me a levá-la a casa. Sem
querer, um desejo de homem começou a aligeirar-me o andar, mas uma outra
realidade pôs fim ao que eu já julgava certo. Era o senhor de idade.
- Alice,
- como disse no início da história, ela não se chamava assim - Pergunta ao senhor
se os bilhetes para o espetáculo “Uma Rosa para ti”, do dia 9 de Fevereiro, no
Teatro/Cinema, já estão disponíveis?
- Pai,
que fazes aqui, a estas horas?
Carlos Afonso
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