segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“O Sítio Onde Moram as Cores do Arco-íris”



Naquela tarde de fim de primavera, a sala de aula mostrou-se diferente a Maria. As palavras que a professora pronunciara tinham entrado de rompante no seu entendimento, e tudo por causa da estranha pergunta que a professora havia lançado aos alunos.
- Meninos, algum de vocês conhece o sítio onde moram as cores do arco-íris?
A pergunta tão especial, e inesperada, ninguém respondeu. O silêncio tomou conta da sala e todos os lábios se aquietaram receosos. Apenas o olhar azul de Maria se remexeu na sua curiosidade. Na verdade, só a bela menina de oito anos, quase sempre irrequieta na sua forma de ser, mostrou o interesse necessário de descobrir tão mágico lugar.  
Terminada a escola, Maria regressou a casa, entrou no quarto, arrumou a pasta vermelha ao seu canto costumeiro e fitou a luz cintilante que entrava pela janela. O seu olhar continuava inquieto e à procura de uma só resposta. A pergunta que a professora havia feito continuava a percorrer-lhe o pensamento: «Meninos, algum de vocês conhece o sítio onde moram as cores do arco-íris?»
 Sem mais, a pequena Maria espreitou a ver se não havia ninguém e saiu de casa. No céu, duas pequenas aves voavam apressadas e o sol continuava bem amarelo. Ainda não eram seis horas da tarde.
 Ora correndo, ora caminhando apressada, Maria nem sequer olhava para trás. Para a frente era o seu destino. Os campos pintados de verde estendiam-se em seu redor, confortados pela brisa amena que se soltava de leste. A dada altura, e porque o cansaço também faz parte de qualquer demanda, ela sentou-se numa pedra que para ali estava, encostou o rosto ao silêncio do momento e quando já adormecia, uma voz calma e doce trouxe-a de volta.
- O que estás aqui a fazer? – perguntou um velho que, sem se saber como e de onde, ali apareceu.
Um pouco assustada, Maria ergueu-se, fitou o homem e teve medo! Como o rosto do seu interlocutor lhe manifestasse alguma confiança, aquietou o coração e sempre conseguiu dizer:
- Eu…eu ando à procura do sítio onde moram as cores do arco-íris.
Como que já estivesse à espera de tal resposta, o velho colocou um sorriso nos lábios e, com um gesto simpático, apontou-lhe a direção do norte. Entretanto, com uma disposição de perfeita simpatia, tirou de um bolso, do seu gasto casaco, um pequeno mapa, que colocou nas mãos de Maria, e onde se desenhava uma meta assinalada. Depois, sem mais, desapareceu no alaranjado do crepúsculo vespertino que naquela altura se iniciava. Maria levantou-se, agradeceu e seguiu os desígnios que o velho lhe apontara.
Se por entre vales e outeiros, Maria tentava encontrar o sítio onde moram as cores do arco-íris, em casa, seus pais viviam momentos aflitivos. Sem saberem notícias de sua filha, procuravam-na pelos lugares mais óbvios, mas nada. E foi no meio deste alvoroço todo, que um grupo de colegas de Maria decidiu também procurá-la.
Dispostos a encontrar a Maria, o grupo de amigos meteu os pés ao caminho e seguiram a direção do norte. Num dos prados por onde passaram, a cor violeta de umas flores silvestres, acomodadas em redor de um penedo antigo, ainda despertaram a sua curiosidade, mas o seu objetivo era outro e continuaram em frente. Com a noite a romper no horizonte, muitas preocupações começaram a surgir, o que levava a que nenhuma das crianças reparasse que as estrelas já começavam a despertar no céu.
Onde estaria Maria? Por onde andaria a sua colega de escola?
Com a escuridão a cobrir o horizonte e o caminho a seguir, uma gruta na encosta serviu para eles se abrigarem e passarem a noite. Como as circunstâncias não permitiram que o sono habitual chegasse a horas decentes, o contar de algumas histórias e o recordar dos passos que a sua amiga tinha dado nos dois últimos dias, antes do seu desaparecimento, ajudaram a passar o tempo. Só pela madrugada, os olhos se cerraram até ao momento exato em que um estrondo forte os acordou.
Uma invulgar trovoada de maio espraiava-se pela manhã, sem ter de esperar pela tarde, como é habitual acontecer. Se raios e trovões afligiam os espaços, uma chuva persistente obrigou os seis amigos a continuarem no seu local de abrigo. Só por volta da dez da manhã, é que tudo acalmou, e permitiu que se preparassem para continuar a procurar Maria. Mas não foi necessário fazê-lo, porque o destino se encarregou de tudo.
Quando abandonavam a gruta, e para surpresa das partes, deram de caras com Maria que, tal como eles, se abrigara ali perto, numa outra gruta, escavada mais abaixo. Afinal, eles passaram a noite quase juntos, apenas separados por poucos metros, naquele lugar, situado a norte da vila onde residiam.
E porque tinha de ser assim, muitas perguntas surgiram, para uma só resposta.
- Maria, por que fizeste isto?
- Por que não nos dissestes nada?
- Já imaginaste a confusão que arranjaste?
- Não tiveste medo?
Num tom de quem ainda não encontrara o que procurava, Maria fixou-os com o olhar e, sem mais, adiantou:
- Calma. Eu estou bem. Eu apenas vim à procura do sítio onde moram as cores do arco-íris. Qual é o problema?
- Qual é o problema? O problema é que andámos para aqui à tua procura, e agora os nossos pais também devem estar aflitos, - acrescentou um dos colegas.
Como quisessem continuar a discussão, um grito agudo, fez com que todos olhassem o céu já liberto da chuva matinal e agora pintado de beleza.
- Olhem. Lá no alto. Que bonito! É o arco-íris. Tão grande!
                Satisfeita, Maria pregou os olhos no céu, e por lá os deixou ficar por muito tempo. Depois, com um sorriso enorme, disse bem alto:
                - Encontrei-o. Este é o sítio onde moram as cores do arco-íris…

“Nunca encontrarás o arco-íris se estiveres sempre a olhar para baixo.”

Carlos Afonso

                 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um conto de Natal ... « UMA VELA PARA JESUS»



            Na aldeia onde morava, Alcina era a menina mais sorridente e a mais atenciosa para com todas as pessoas. Com apenas sete anos, esta simpática criança de cabelos pretos, e de olhos quase da mesma cor, tinha por costume oferecer gestos meigos e de ajudar a velha Luísa do Largo a dar de comer às suas pombas, que habitavam às dezenas no pombal do Cabeço. As pernas da senhora de setenta anos já não eram o que em tempos foram e a ajuda de Alcina vinha mesmo a calhar. Claro que a velha Luísa não gostava de ficar a dever favores a ninguém, e muito menos à pequena Alcina que, infelizmente, tinha o seu pai desempregado e o dinheiro lá em casa não abundava. Retribuía-lhe a ajuda com bolachas, roupa, alguns trocos que sobravam da reforma, para além de outras pertenças sempre de grande utilidade.
            Com a mãe a trabalhar na vila e o pai à procura de emprego longe da aldeia, quando acabava a escola, Alcina corria para casa, lanchava, dizia olá à vizinha que morava na casa ao lado da sua e depois corria para ajudar a velha Luísa. Os deveres que trazia da escola ficavam para a noite, à espera da ajuda preciosa do pai. E eram assim quase todos os seus dias.
            Com a chegada das férias de Natal, o tempo de Alcina ficou mais sobrado e as suas brincadeiras de criança espalhavam-se por toda a aldeia. Era um regalo ver a felicidade estampado no rosto que Deus lhe deu.
Chegada a noite de vinte e três de dezembro, um pedido de ajuda da catequista Rosa fez com que Alcina ficasse mais feliz. Na verdade, a catequista pediu à criança que, nessa noite, a fosse ajudar a fazer o presépio.
Claro que ela foi, e com muito gosto!
Ainda o relógio da torre não tinha dados as dez horas e todo o presépio já estava prontinho. Diga-se de passagem que nunca o presépio da aldeia tinha ficado tão original e bonito. De certeza que todo aquele bom gosto tinha partido de Alcina. Para além de todas as imagens que enfeitavam a gruta do menino Jesus e encostas em redor, destacava-se, bem lá no alto, um castiçal dourado com uma vela já meia usada. Como não havia estrela, foi o que se conseguiu arranjar.
Será que daria um belo efeito? Só experimentando. E foi o que a despachada Alcina fez.
Com a catequista e as outras ajudantas sentadas no banco em frente ao presépio, coube à pequena o gesto inaugural. Mas, e porque uma vontade, vinda lá do fundo do coração, se espalhou bem à sua frente, a simpática criança, antes de acender a vela, virou-se para a catequista e perguntou:
- Antes de acender a vela, será que posso pedir um desejo ao menino Jesus?
- Claro que podes, Alcina:
E ela… ajoelhou-se, benzeu-se e pediu:
- Menino Jesus, por favor, pede ao teu pai que arranje um emprego ao meu. De certeza que ele, como está no céu, conhece muitos patrões. Obrigado e desculpa!
Depois de se voltar a benzer, levantou-se, acendeu a vela e sentou-se no banco, ao lado das outras, para ver o efeito da vela.
Que maravilha! Como a luz da vela brilhou! Nunca o rosto de Jesus, Maria e José ficaram tão iluminados…
Na manhã seguinte, o telefone tocou, o pai atendeu e...
- Alcina, Alcina, acorda. Tenho de sair já. Por favor, ajuda-me. Tenho de estar daqui a uma hora no emprego, pois amanhã é Natal e eles, hoje, fecham à uma da tarde. Uma empresa de construção civil aceitou-me como carpinteiro. Ai! Quando a mãe souber…
Alcina, levantou-se, abriu a janela e olhou o céu. Depois, baixinho disse:
- Obrigado, Jesus. Agora tenho de ir…


Carlos Afonso