quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Coisas que a gente sente: «Amendoeiras no frio»




           

Depois de receber um telefonema que me ajudara a confirmar que ventos estranhos, vindos de outros propósitos, tinham, no seu intento, um certo querer em quebrar um sonho real, nascido todo ele nas cercanias de Fafe, e que me é muito querido, senti um amargo de alma e uma vontade imensa de dizer basta. Mas, as minhas boas maneiras e a forma correta como gosto de lidar com as pessoas que acreditam nas minhas palavras, limitei-me, apenas, a desabafar com o cinzento do fim de tarde. Mais tarde, e só depois de me aperceber que, no dia seguinte, podia percorrer caminhos que aceitam de bom agrado os meus intentos, decidi seguir os passos de Miguel Torga e procurar, no colo das fragas que me viram nascer, o afago e as forças de que muito precisava. Eu carecia de revisitar o reino encantado de Trás-os-Montes.

A manhã acordara fria e apática, pormenor que não ajudava a minha forma de estar. Assim, apressei o início da viagem e corri, sem transgredir regras, na direção do meu destino. Eu sei que as paisagens de Fafe são únicas, belas e minhas amantes, mas, às vezes, só o leite materno é que nos acalma o peito e alimenta a inquietação.

Os quilómetros iam passando, os pinheiros e eucaliptos deram lugar às torgas e carrascos e depois surgiram os olivais e depois os zimbros e depois as estevas e… de repente, nascidas das entranhas da terra as fragas e as amendoeiras, algumas já floridas, começaram a sorrir-me na pouca distância que nos separava. O céu e os que nele moram deram-se conta do meu pensar e arrumaram para um dos lados mais a jeito aquelas nuvens molhadas e fartas, que só se tornam incomodativas nas alturas em que os campos não precisam de mais chuva.

Ao chegar a Parada, um pequena aldeia de Alfândega da Fé, disposta de uma forma acomodada na borda de um outeiro, mergulhei, devagarinho, o carro pelas ruas apertadas, para não ferir o dormitar das casas quase sem gente, ou assustar algum garoto meio distraído. Mal parei o carro bem ao lado da casa que me esperava, espaço modesto e asseado onde moram a minha mãe e madrinha, encontrei o meu amigo e primo Luís, que, e depois de me cumprimentar, me disse que dali a pouco me levaria um garrafão de vinho a casa, para eu almoçar à maneira e levar o resto para Fafe.

Quando a abri a porta, a minha mãe esperava-me feliz, com o coração aberto, mas muito ocupada, pois ainda não tinha metido os grelos na panela. A minha madrinha, uma bela senhora de 88 anos e que ainda há bem pouco tempo estivera muito doente, atirou-me logo o seu meigo olhar, mostrou-me as suas mãos perfeitas e sorriu na sua beleza. No ar distendia-se um aroma bem gravado nas minhas memórias de criança. Meu Deus, cheira-me a arroz doce!

Eu sei que podia gastar todas as frases do mundo para descrever e narrar o que me aconteceu nesta terça de Carnaval, dia 12 de fevereiro. Mas não o vou fazer, pois os meus leitores não têm tempo para me aturar e, mais a mais, também não convém sermos demasiados linguarudos, como costumava dizer a minha falecida avó Alcina. Apenas quero acrescentar que comi pé de porco guisado, que a minha mãe faz como ninguém, fartei-me de arroz doce, feito pela minha madrinha, bebi dois copos de vinho, encantei-me com o pormenor alegre dos caretos, naquele carnaval que também era meu, parti um punhado de amêndoas e comi-as, relembrei momentos, colhi memórias, fui à horta dos «Espoios» e da «Portela» aos nabos, grelos e couves, mirei o Santo Antão de longe, coloquei parte da conversa em dia com as minha primas Betinha, Goreti e Lizinha, visitei o meu irmão Albino e a minha cunhada Elvira, brinquei com o Sabor, um cão que é pertença da minha afilhada Margarida, cumprimentei pessoas do meu imaginário e deslumbrei-me com a eternidade do paraíso da minha alada infância!

Pronto para regressar a Fafe, não sei porquê, lembrei-me dos tais ventos contrários de que falei no início desta história e cocei a inquietação. Sem mais, liguei o carro, comentei qualquer coisa com a minha esposa, que também me acompanhara nesta demanda e seguimos. Ainda antes de entrar na IC5, uma via rápida recentemente inaugurada, e que nos leva e traz mais depressa, reparei num arranjo belíssimo de amendoeiras floridas, dispostas todas a jeito que me piscavam incessantemente os seus muitos olhos de um branco rosado. Parei o carro bem junto ao seu peito floreado, encostei-me com todas as minhas forças nos seus braços perfumados e doces e ali me deixei ficar algum tempo, o tempo suficiente para complementar a minha postura, determinação e alento, para enfrentar os tais ventos meios contrários que parecem ter, no seu intento, a vontade de quebrar o tal sonho real que tanto prezo e em que acredito. Vamos lá ver como as coisas correm. Em meu redor, o frio voltara em força.

Valha-me Deus! Esqueci-me de trazer o garrafão do vinho!


                                                                                  Carlos Afonso

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