sábado, 22 de fevereiro de 2014

CULTURA VIVA - 1º Encontro Temático/Pedagógico - (Memórias e tradições de Fafe)

              



                             «O CICLO DO PÃO»

(Com o objetivo maior de realçar o papel formador das tradições na vida do homem, em consonância com a respetiva região em que vive, neste caso o Minho, a Associação cultural de Fafe Atriumemória leva a cabo o primeiro Encontro Temático/Pedagógico centrado no «Ciclo do Pão». Este evento cultural, em que o real e o imaginário convivem afavelmente, mostra como a poesia, as tradições, as memórias, a música e a vida do nosso povo são o enredo ideal para uma bela história plena de rusticidade minhota.)

Programa:
- «O velho e o grão de milho» - Adaptação para teatro de um conto de Carlos Afonso, construído a partir do trabalho de investigação de Maria Soledade Vaz
- «Do corpo à alma» - Poesia de palavras com sabor a terra e céu
- Grupo de Cavaquinhos da AAPAEIF (Associação dos Antigos Professores, Funcionários e Alunos da Escola Industrial e Comercial de Fafe)


Local: Sede da Atriumemoria, Fafe, (Edifício Shopping 134, cave)
Data: 1 de março de 2014, 21h30

Realização: Atriumemoria

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A FLOR DA FELICIDADE




     A maior virtude do homem está na capacidade de encontrar na rigidez do sofrimento a flor da sua felicidade!



Carlos Afonso

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

UM AMOR, UMA VIDA (dia dos namorados)



Sempre que me lançares um sorriso, eu prometo-te a minha alma. Sempre que me ofereceres os teus afectos, eu asseguro-te o
meu coração. Sempre que me deres o teu corpo, eu desvendo-te os
meus segredos.


         O verdadeiro amor não se planeia ou elabora, guiado pelo pendor da consciência, longe da pureza dos momentos. O verdadeiro amor desabrocha de uma forma natural, bem dentro do coração, impelido por um gesto, um olhar, um sorriso sincero ou um simples instante de sorte. Mas, e tal qual as flores dos prados aceitam receber na sua intimidade a incauta abelha, para que esta dê azo ao seu destino, o homem deve deixar-se possuir pela real dimensão do amor e esperar que as nascentes não percam a sua dimensão cristalina e a aragem continue a guiar o rumo das aves.
       Alberto nunca pensou que aquela praça granítica, cravada numas das zonas mais emblemáticas de Braga, espaço onde muitas histórias tiveram o seu ocaso, fosse o começar de uma vida plena de confidências, partilhas e futuros sempre a cimentar. De certeza que os caminhos que o trouxeram até ali sabiam o que ia acontecer. Se assim não fosse, a noite não estaria tão amena e as estrelas só viriam mais tarde.
       Provavelmente, aquele olhar trémulo que Maria deixou escapar, naquele mês de Maio que o tempo gravou na correnteza dos tempos, não era destinado a Alberto. Mas isso não teve qualquer importância, pois os anjos desceram à terra e desviaram a sua trajectória.
       Tiveste sorte, meu rapaz!
      O poeta diz, e com razão, que o coração nem sempre obedece aos desígnios da razão. Ainda bem que assim é, pois, caso contrário, as flores só mostrariam o seu encanto na Primavera e os dias cairiam num enfado sem novidade.
      Para quem pensava regressar às terras donde nasceu, lá para os lados do Marão, no reino encantado de Trás-os-Montes, depois de concluir o seu curso na Faculdade de Filosofia, aquele encontro ocasional de Alberto e Maria inverteu o curso de um sonho de anos. A ideia de voltar como professor aos espaços da sua infância criava em Alberto uma alegria compreensível, aguçada aqui e ali pelo capricho de poder passar por esses espaços numa outra condição, arrancada a ferros de uma existência de vários anos, na companhia de muitos livros e noites mal dormidas. Mas, e tal qual a ave da ribeira descasca as bagas do zimbro, ajudada pela ingenuidade de um movimento, o olhar não intencional daquela esbelta rapariga apagou uma vontade que parecia inquebrável, e acendeu uma estrela que, e depois de muitos anos, ainda dura e, de certeza, continuará a brilhar, até que os deuses a cubram com o seu manto.
        Para bem dos caminhos encurvados que levam os que procuram, e aprazimento daqueles instantes que decoram os anseios dos homens, é bom saber que ainda há corações crentes em olhares sem mágoa e pudores inocentes pregados a rostos com nome, impelidos por lágrimas que nem sempre se mostram. É em torno destas circunstâncias estendidas sobre paisagens de muitas formas, e de janelas expostas à luz, que o amor aparece e, num tom de excelência, deixa bem claro que não deseja esfumar-se em restos de nada.
          Só é de lamentar, e se calhar a culpa é do vento, constantemente embrulhado na indefinição da direcção da sua força, que muitos compromissos se quebrem, justificados por vozes e atitudes que, geralmente, deixam muito a desejar.
          Não, não me acusem de ser um desenraizado dos tempos, e muito menos de um prosador sem plano, ou até de um ser qualquer que se emociona quando saboreia os sonetos de Camões.
         Não, não me mandem escrever rimas soltas na poeira do chão, sempre que está para chover.
        As minhas certezas e o meu acérrimo acreditar na força viva do amor têm todos os ingredientes necessários para contaram com a bênção do perfume das rosas amarelas, ainda antes de serem cortadas por mãos sem jeito. E sabem porquê?
        Porque conheço, e muito bem, as linhas com que se entrelaça o amor do Alberto e da Maria, em véspera do dia dos namorados, não questionem o atrevimento de vos deixar nas linhas desta história alguns versos que roubei a um breve momento de inspiração:


Sonhos de água…

Sonhos de água…

Se me pedires a clareza de um olhar,
O meu peito abrir-se-á de par em par
E nos rostos que nos definem
Nascerão mil vontades de ousadias cobertas de cor e fantasias!

Depois, de certezas férteis semeadas nas almas,
Erguer-se-á, leve, a ternura das fontes e o céu esperará por nós!

Água salubre, escorrida de nuvens feitas de carícias,
Gotejará do roçar consentido dos nossos corpos,
Unidos por linhas que o tempo tecerá,

Antes das madrugadas começarem a acordar!

Carlos Afonso

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um pardal na neve (histórias da minha infância)*



Lembro-me como se fosse hoje…
Era sábado.
Os sábados em Trás-os-Montes, no Inverno, às vezes, têm neve. Naquele sábado, tudo era neve. Neve a sério. Neve e neve e neve…
Se não estou enganado, naquela altura, eu não tinha mais de dez anos e estava de férias na minha aldeia de Parada, concelho de Alfândega da Fé. Digo de férias, porque, e como é habitual ainda hoje, as crianças estão de férias nas vésperas de Natal. Eu estudava no seminário de Vinhais…
-Filho, hoje não saias de casa, ouviste?
Claro que eu ouvi, mas não obedeci. Quem me avisava de uma forma tão assertiva e preocupada era a minha madrinha Antoninha.
Sem que ninguém me visse, saí porta fora, caminhei a custo por ruas cheias de neve, encostado a todo um casario coberto de neve. E, quando dei por ela, já estava fora da aldeia com os meus passos enterrados na neve, e quase até aos joelhos, neve essa que se espalhava com força por todo o caminho dos «Espoios».
Meio ofuscado pela clareza branca do horizonte que me cercava, enrodilhado em milhares de farrapinhos frios que esvoaçavam por todo o lado, reparei num remexer aflito por entre a neve, em tons de morte, encostado a uma parede já velha. E porque queria perceber o que se estava a passar, aproximei-me.
Coitado! É um pobre pardal!
Com algum engenho e cuidado, retirei o pardal do sítio que o escondia por entre a neve, e que o iria matar, e acolhi-o dentro da minha casaca castanha. Voltei para casa, outro vez envolto por uma neve que continuava a cair sem descanso. Já no quarto, vislumbrei uma caixa vazia de sapatos, debaixo da cama, puxei-a a custo, abri-a, fiz-lhe uns buracos pequenos e coloquei lá o pardal. Depois, desci à adega, retirei uns grãos de trigo de um saco e ofereci-os ao pequeno pássaro que, sem se fazer rogado, os debicou e ficou saciado. Na manhã seguinte, o céu já estava azul, mas cá em baixo, na terra dos homens, tudo continuava pintado de um branco cor de neve. Coloquei a caixa na varanda, retirei-lhe a tampa e o pardal voltou a ser um pardal a sério, enquanto o meu coração me dava os parabéns pela minha atitude de bom menino, apesar de não obedecido às ordens de minha madrinha.
Eu sei que os pássaros não pensam. Mas aquele pardal pensava ou, então, tinha um dom especial que me levava a julgá-lo dessa maneira. Na verdade, o bendito pardal, e depois do ocorrido, todos os dias, e enquanto as férias duraram, ele vinha visitar-me. Pousava na varanda, chilreava com alguma sonoridade, como que a chamar-me, depois saltava para dentro da caixa, que eu lá havia deixado ficar, assim como um punhado de grãos de trigo, que ele comia com agrado. Passado pouco tempo, talvez dois minutos, abria as asas, chilreava mais um bocadinho e voltava para donde viera. Os espaços eram o seu reino.
As aulas recomeçaram e eu voltei para o Seminário de Vinhais. Não tive tempo de me despedir do pardal e ninguém me soube dar notícias do mesmo, durante as largas semanas de estudo que se seguiram.
O Carnaval chegou e as férias, ainda que pequenas, também.
Mal cheguei à minha aldeia, cumprimentei os que amavam, corri para a varanda e vi o que nunca imaginara encontrar.
A caixa de sapatos, ainda aberta, lá estava e, dentro dela, o que restava da pobre avezinha!
Depois desse dia, e ainda hoje, e durante todos estes anos, tenho por hábito, sempre que vou à minha querida Parada, lá no reino encantado de Trás-os-Montes, o reino onde os pardais gostam de morar, subir à dita varanda, agora com novo rosto e forma, olhar o céu e procurar, para além do mundo dos homens, o pardal que encontrara na neve.
Pode não acreditar, amigo leitor, mas não só o reencontro como costumo partilhar com ele o seu magnífico voar.

*(Esta história é dedicada ao meu filho mais novo, Carlos Manuel, e aos seus colegas de turma, Carolina, Alexandre e José Nuno, que me inspiraram a escrevê-la, no preciso instante em que me pediram ajuda quando estudavam as «Memórias», conteúdo obrigatório da disciplina de Português.)

Carlos Afonso


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O gato da mulher que conheceu o seu “home” no comboio de Fafe


           O gato da mulher que conheceu o seu “home” no comboio de Fafe

            Ainda não eram quatro horas da tarde e já o dia dava indícios de se querer acabar, circunstância que era fortalecida pelo cinzento carregado que varria o horizonte em redor. De vez em quando, muitos pingos de chuva faziam-se mostrar, mas só às vezes, independentemente de serem desejados ou não.
 No momento exato em que tudo aconteceu, e na totalidade da hora que se lhe seguiu, do céu apenas escorregaram uma luz baça e húmida e um ou outro pássaro meio incomodado.
 E eu que até pensava que andava sozinho nesse meu passeio pela cidade de Fafe!
Muitos são os pormenores, bons ou maus, que me fazem parar quando ando nestas minhas demandas pela cidade. Na verdade,  gosto de sentir o que me rodeia, nem que para isso tenha de demorar horas a percorrer centenas de metros ou ainda menos. São opções, nada mais. Mas que me tornam mais completo e interventivo. Lá virá o dia em que  a idade ou outro pormenor qualquer me impedirá de ver, ouvir, cheirar, provar e tocar.
Nessa tarde de janeiro, foi a antiga estação de comboio ou, melhor dizendo, o que resta dela, que me fez parar.
Meu Deus, a que estado ela chegou! Bem, o edifício principal ainda continua digno, embora noutras funções, mas os outros acrescentos, que noutros tempos tinham tanta serventia e vida, hoje não passam de um aglomerado de restos e coisas mortas, em final de linha! E foi nesse meu visualizar de desgraças, angústias e acentuadas nostalgias, apesar de não ter o privilégio de ter conhecido esse outrora com comboios cheios de vida, e agora findo, que um gato me saltou para o entendimento e bem para a frente dos meus olhos.
Era um gato acinzentado e com uma fina coleira de onde se dependurava um refinado guiso. Que gato lindo! E que rapidez! Num ápice, e tal e qual como quem o costuma fazer muitas vezes, o esbelto animal passou por mim a correr, saltou quase em claro o gradeado, em forma de portão, que separa o fora do dentro do que resta da antiga estação. Curioso! Não é que o bendito bicho, trepou ao que sobrava de um carro abandonado, no meio de outros, e saltou para o chão. Sem querer parar, contornou, sem ignorar, uns amontoados de pedra de calçada, misturada com terra e areia, e, na sua correria, foi posicionar-se bem na minha frente como que a desafiar-me não sei bem para quê. Ou sei?
- Raio do gato, lá anda ele outra vez com as suas maluqueiras! Qualquer dia…
Quem assim dizia era uma velha senhora, meia despenteada, cosida a um casaco bem castanho e com um guarda-chuva preto na mão. Era a dona do gato.
            - Sabe, senhor, o meu gato é meio esquisito, de vez em quando, prega-me estas partidas. Foge de casa e vem para aqui. Não quer o amigo saber que sempre que chego onde agora estou, ele lá está, precisamente naquela postura. Está ver? Qualquer dia… - adiantou-me, sem papas na língua, a velha senhora.
            Mas o que o é que ela quereria dizer com tão estranha expressão e sempre incompleta? «Qualquer dia…»
            -Sabe – e sem que eu lhe perguntasse nada – eu ainda me lembro de como tudo isto era…Gente a partir, gente a chegar… Este comboio era uma riqueza, uma festa. Agora só há para aqui restos. Qualquer dia…
            - A senhora mora aqui perto! – Perguntei-lhe eu.
            - Moro ali mais abaixo, mas venho muitas vezes aqui, pois o raio do gato… Sabe, foi neste comboio de Fafe que conheci o meu “home”. Eu vinha de Guimarães, eu tinha lá uma irmã… ela já morreu, mas ainda lá tenho dois familiares e… eu acho que era uma sexta e calhou sentar-me no banco do lado esquerdo… não. Era do direito. Não interessa. O que eu sei é que ao meu lado estava um rapaz um pouco mais velho do que eu e… Não desfazendo, era um belo rapaz! A vida tem destas coisas. Só sei que cinco meses depois eu já era a mulher dele.  Coitado, já morreu há dois anos. Morreu ele, morreu o comboio e qualquer dia morro eu. Não quer você saber que o primeiro presente que ele me deu foi um gato igualzinho a este. Este malandrete, que anda sempre “prá`qui” a fugir é descendente desse gato que o meu “home” me deu. Eu às vezes até tenho medo que…
            E mais uma vez a velha senhora não acabou o que ia a dizer. Pois, e mal o gato correu na nossa direção e, com certeza voltava para donde viera, ela apressou-se a segui-lo. Ao longe, ainda consegui escutar de uma forma bem clara, o que já havia dito e redito:
            - Qualquer dia…
            Ora bem! Se o gato foi para casa e a velha senhora também, na altura, pensei para com os meus botões que estava na hora de regressar. É que da estação até ao sítio onde moro ainda era um bom pedaço.
            E porque a história não podia acabar assim, apenas acrescento que seria de bom agrado que se olhasse para o que resta da antiga estação e se desse por acabado todo aquele retrato incompreensível. Está na hora de dar melhores vistas a um espaço que já foi uma porta de excelência de Fafe. Uma porta que trazia o mundo a Fafe e que levava Fafe para o mundo.
Por que não implantar naquele lugar tão emblemático para Fafe uma locomotiva pedagógica ou um museu temático ou algo de parecido… Vá lá, nem que seja em homenagem ao “home” da velha senhora e ao amor que um dia o comboio de Fafe ajudou a nascer.
Senão… qualquer dia…
Para finalizar, e juro que não digo mais nada, amigo leitor, peço uma atenção para um excerto que, num belo dia de 1911, o “Almanaque Ilustrado de Fafe” publicou:
«Como é bom recordar! Parece que foi hontem e já lá vão três annos! Transcrevemos para aqui parte do que sobre tão grato motivo dissemos no nº 749 do Desforço de 1907 (…)
A CHEGADA
Aos primeiros silvos das locomotivas, tudo rejubila. São duas, conjugadas, que se denominam «Porto» nº 5 e «Negrellos» nº 2, a rebocarem 17 vehiculos. Ao apparecimento, na ultima curva, quando os silvos redobram e o penacho de fumo se torna mais intenso, a alegria é então dilerante, chega ao seu auge o contentamento!

E’ uma hora e 20 minutos quando o comboio entra nas agulhas da estação por entre filas de povo. O enthusiasmo, a esta hora feliz para Fafe, é indescritível!
Aquelle acenar de lenços, aquella animação, aquella vivacidade, aquellas acclamações, tudo aquillo que se não pôde anotar, oh! Era sublime!!
Sublime, sim!!
Nós, que fomos uns pugnadores do caminho de ferro para Fafe, que temos anciado para o nosso torrão natal esse melhoramento indispensável, ao ver chegar o comboio inaugural, fomos apossados de tanta alegria, que quasi se nos estonteia o espírito! Ah! É que víamos triumphar uma das nossa maiores aspirações!
E as bandas fazendo ouvir os seus sons musicais, vibrantes, pareciam exprimir o que nos ia n’alma; o dynamite, estralejando nos ares, annunciou ao longe o nosso enorme contentamento.
No comboio inaugural vinha um grande numero de convidados, de que os jornaes diários teem dado nota e que por isso achamos supérfluo aqui reproduzir.
As locomotivas chegaram adornadas com bandeiras e tropheus, a gosto.
A da vanguarda, a nº 5, trazia a dirigi-la o engenheiro sr. Francisco Ferreira de Lima, que trajava de machinista, e o chefe de tracção e officinas sr. Joaquim Lopes.
Acompanhava o comboio uma banda de musica.
Na cauda vinha uma carruagem-salão, em que tomaram logar, alem do pessoal superior da Companhia e outros cavalheiros, a commissão das festas, que daqui foi a Paçô fazer a espera.

Ao apeiaren-se, o sr. Conselheiro Florencio Monteiro foi o que iniciou os vivas, que proseguiram, correspondidos sempre com ardor.
Em seguida, no estrado, onde permanecia a câmara, depois de trocados muitos cumprimentos, discursa o director da Companhia sr. Reis Porto, que, fazendo o elogio da nossa terra declara aberta á exploração a linha férrea.
Termina por levantar vivas a Fafe e ao seu povo.
Seguiu-se-lhe o presidente da câmara sr. Dr. João Leite de Castro, que discursa sobre os benefícios da linha trazidos a Fafe, melhoramento que há muito todos nós aspiramos, e attribue esse melhoramento á boa vontade do sr. Conde de Paçô Vieira e do extinto Soares Velloso, e simultaneamente, á intelligencia e actividade do sr. Reis Porto. Concluindo, saúda o povo de Fafe.
E’ depois lido o auto inaugural pelo guarda-livros da Companhia sr. Francisco Garrido Monteiro, que, cavalheiros de Fafe, Guimarães, Porto we Graga, assignam.
Depois disto, partiu a comissão das festas, pessoal da Companhia e convidados, seguidos por duas bandas de musica, para a villa. Os vivas, que tinham sido levantados no estrado, proseguem – ao sr. Reis Porto, á Companhia do Caminho de Ferro, engenheiro Lima, aos hospedes de Fafe, e outras individualidades, - que são correspondidos com indiscrptivel enthusiasmo. Immediatamente marcha a corporação dos bombeiros com a sua banda, que tinha feito a guarda d’honra.
Muito povo acompanha»

Às vezes, não entendo progresso! São coisas...


Carlos Afonso

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

«Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo», uma obra de todos os tempos




            No passado dia 31 de janeiro, tive a honra de apresentar mais uma obra do meu grande amigo, professor José Augusto Gonçalves, e desta vez, em colaboração do meu colega, o professor Amâncio Novais. Ambos nos debruçamos no assunto/tema, dimensão linguística e visão pedagógica do livro Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo. Sem sombra de dúvida que esta tarefa foi deveras fascinante, tendo em conta a grandeza e a vernaculidade do trabalho em causa.
É importante evidenciar o fervilhar cultural que em Fafe se vive, nestes últimos meses, concretamente no que toca ao assomar, à luz do dia, de certas obras centradas no património regional. Na verdade, e numa altura em que Portugal “Anda c`o a mosca”* e “Andémos p`rá `qui desmangados”,* eis que surgem nos nossos horizontes certas publicações, tal qual pedras vivas e bem rijas da nossa existência, pertença do nosso povo, pregadas às folhas inocentes de vários livros, nestas nossas formosas terras de Fafe. E, como exemplo, podemos salientar as seguintes: «Santa Maria de Aboim, o olhar sincero do Minho», coordenado por mim em coautoria com historiadores e prosadores de Fafe; «Fafe, meu amor» de Artur Coimbra; «Fafe, História, Memória e Património» de Daniel Bastos, Paulo Teixeira e José Pedro, assim como o trabalho do professor João Ferreira, centrado nos dialetos de Fafe, entre outros.
 «Quando o passado não ilumina o futuro, o presente vive nas trevas» - (Alexis de Tocqueville).

- Por que razão, o autor escreveu este livro?

*“Vivências do passado: que nostalgia!
 Costumes do passado: que ousadia!
Linguagem do passado: que categoria!”

            A obra Palavras, “Frases e Expressões do Minho Profundo”, que temos nas mãos, é muito mais do que um aglomerado de páginas pintadas, ele é um dicionário de vidas, contadas oralmente. Um livro escrito com alma, saudades, experiências, histórias, louvor, respeito, amor e CARINHO por todo um povo que habita um pedaço deste Minho profundo e que representa o que de mais puro e belo se encontra no homem, especialmente na sua faceta que o faz chorar, rir, dormir, falar e sentir.
            Sem sombra de dúvida que toda a essência que deriva deste livro escorre direitinha para a certeza de que estamos perante um verdadeiro tesouro do nosso Património Cultural, e que temos a obrigação de preservar.
            E como refere o professor Abílio Peixoto, no seu artigo do Diário do Minho, «José Augusto, apresenta-nos um autêntico “tratado” de fonética (…) de incalculável  valor etnográfico e linguístico”.
            Este Manual de Vida mostra claramente o linguajar de um povo retirado do dia-a-dia dos falantes que habitam no meio dos montes, o Minho recôndito e profundo.
 Na literatura de todos os tempos, a simbologia dos Montes pode remeter-nos para esconderijo, lugar mais inacessível e elevado. Os montes podem oprimir, pela sua faceta de impedir de caminhar. O desenvolvimento pode chegar mais tarde ou não conseguir transpor as ladeiras acentuadas. A ruralidade pode apertar mais os rostos. Mas, e é isso que nos interessa agora, os Montes do nosso Minho escondido salvaguardaram toda uma linguagem oral que já se falava no início da nossa nacionalidade, e que continua com os mesmíssimos sons e sentidos. A vernaculidade do linguajar do nosso povo é deveras fascinante. Até parece que os séculos não passaram.
Igualmente a Lei do menor esforço continua a existir como acontecia há centenas de anos, permitindo que o falar se torne mais rápido e fluído. Esta técnica assentava no suprimir letras/sílabas, ou no interligar de palavras. O nosso povo continua a seguir estes ensinamentos
Podemos dizer que os séculos passaram, mas o linguajar das gentes do Minho profundo continua na sua pureza inicial.
Meus amigos, estamos perante um fenómeno vivo que o tempo não foi capaz de alterar. Os MONTES protegeram as nossas origens, e o professor José Augusto mostrou, com veemência, esta certeza, ao gravar na sua obra todo o linguajar do povo do Minho profundo.
Uma das maiores grandezas deste Dicionário de vidas feito, escrito com sons e coração, é ter a capacidade e ousadia de nos contar histórias que nos fazem rir e chorar, pensar e bailar, sentir saudades e olhar o céu, para além dos montes, tal como acontecia na poesia medieval.
Também podemos encontrar em Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo narrativas, plenamente reescritas com as categorias de qualquer diegese, vividas quase em primeira pessoa, o que prova que não estamos perante um narrador heterodiegético, mas sim um narrador, autodiegético e omnisciente. Acrescentamos, então, que temos à nossa frente um verdadeiro contador de histórias, que pega numa simples palavra e, com o engenho e sabedoria de um alquimista, a transforma em ouro.
 Para concluir, quero apenas adicionar, ao que tenho estado a dizer, que mais do que um produto final, de uma colheita qualquer, Palavras, Frases e Expressões do Minho profundo do professor José Augusto é a semente de futuros esforços a serem promovidos por todos os promotores culturais da Nossa Terra.
É URGENTE continuar a recolher, organizar, vivenciar e divulgar todo o tipo de tradições orais da nossa terra. Contos e poemas populares, lendas, adivinhas, lengalengas, anedotas, provérbios, orações, e canções tradicionais… Todo um património que vai morrendo a cada dia, à medida que morrem os únicos detentores desse conhecimento: os nossos pais, os nossos avós e os nossos bisavós. Todo este trabalho deve ser feito com rigor e coração e sempre com o respeito e o cuidado de preservar aquilo que é a identidade cultural dum povo.

«UM POVO SEM MEMÓRIA É UM POVO SEM FUTURO»

- Parabéns, meu amigo José Augusto, e obrigado.


*expressões retiradas do livro Palavras, Frases e Expressões do Minho Profundo de José Augusto Gonçalves

Carlos Afonso