(Das minhas lágrimas ao sorriso de um homem velho…)
Os
domingos, às vezes, mostram-nos que as lágrimas e os sorrisos são irmãos gémeos,
apesar das circunstâncias que os motivam serem diversas e nem sempre justas.
Neste
domingo de janeiro, dia 26, desloquei-me com a família a Mirandela com o
objetivo de visitar uma doente muito querida, que se encontra internada no
hospital desta cidade transmontana. A doente de que falo, caro leitor, é a minha
madrinha, a Dona Antoninha, uma das mulheres que mais amo neste mundo e a maior
doceira de Trás-os-Montes.
Vítima de um
derrame cerebral, esta idosa senhora de 89 anos, a minha querida madrinha,
recebeu-me numa indiferença não costumeira, apenas porque a maldita doença que
a colheu assim lho permitiu. Beijei-a na testa, acariciei a sua mão esquerda
com a minha mão direita, e apenas recebi, em troca, um abrir de olhos distante.
Os meus olhos
choraram! O meu coração tremeu! Mas a razão, na lucidez que a define, puxou-me
o entendimento e pediu-me contenção e uma postura de homem. Querendo fazer figura
de forte, tentei obedecer, mas o meu sofrimento queria chorar mais!
Durante o tempo que estive naquele quarto
abafado de hospital, e sempre que olhava a quietude parada e pálida da minha
amada madrinha, a minha memória de adulto descontrolava-se de vez em quando e
saltava para um passado de muitos anos, e algumas recordações de renome vieram
à tona da minha existência. De todas as recordações que se abeiraram de mim, a
que me deu mais saudades, no meio da minha angústia, foi aquela em que a minha
madrinha, no tempo em que tinha apenas nove anos, me fizera um pedido bem
singular.
- Meu filho,
queria tanto que fosses padre! Depois eu ia contigo… Sabes, meu filho, amanhã
vais comigo arranjar o altar da igreja e…
Não aguentei
mais! O tempo voltou aos minutos do domingo de 2013 e as lágrimas voltaram em
força. Para que ninguém notasse, fixei a janela e deixei-me levar pelo voo de
um pássaro, que não consegui determinar a espécie… Seria um estorninho?
Antes de sair
do quarto onde minha madrinha jaz quase sem vida, pois a hora da visita tinha
terminado, ainda tive tempo de lhe dar um outro beijo na testa. Nesta despedida
já não chorei, mas disse-lhe baixinho:
- Madrinha,
tens a pele tão macia… Amanhã eu volto… Sabes, Madrinha, não foi o Duarte que
comeu a marmelada, fui eu… Desculpa só dizer-te a verdade, hoje, passados
tantos anos, mas…
Como os meus
filhos quisessem merendar, mal saímos do hospital, dirigimo-nos para o centro
da cidade, calcorreando a ponte velha. O rio Tua dormia no seu leito,
indiferente a tudo. No céu, o sol mostrava-se envergonhado. Num passeio, encostada
à grade da ponte, uma rapariga olhava para um livro bem aberto. Umas tantas
pessoas erravam pelo tabuleiro já gasto. E, sem aviso prévio, do outro lado da
velha ponte começou a sentir-se um alarido musical crescente. Eu já sabia a
causa daquele barulho todo. Na televisão que estava colada à parede da portaria
do hospital, reparei que mostrava um programa televisivo que estava a acontecer
em direto do centro de Mirandela. Era o «Portugal em festa» da SIC.
Os meus filhos
e a minha mulher entraram numa pastelaria. Eu disse que não tinha fome e que ia
dar uma volta. Caminhei na direção do local onde estava a acontecer o programa
de televisão.
No jardim, as
oliveiras já não tinham o seu fruto de eleição, as lojas tradicionais
enchiam-se de «Alheiras de Mirandela», «Azeite de Mirandela», «Pão de Mirandela»,
«Folar de Mirandela». Não sei porquê, lembrei-me de um pormenor bem evidente em
Fafe. Eu nunca vi nas ementas expostas nos restaurantes de Fafe a frase que aí
devia estar - «Vitela assada à moda de Fafe». Desculpe, amigo leitor, este leve
desabafo.
Bem na
confusão do «Portugal em festa», reparei em muita coisa. As crianças dançavam! As
mulheres estavam felizes! O apresentador da SIC José Figueiras vestia calças
vermelhas. O cantor Toy limpava o rosto com um lenço e…
A dada altura,
e quando já decidira regressar e ver se os meus filhos e mulher já tinham
lanchado, e podermos, assim, voltar para Fafe, um homem velho, abeirou-se de
mim, cumprimentou-me e, com um sorriso do tamanho do mundo, disse-me:
- Sorria,
amigo. Olhe que festa bonita! As tristezas não pagam dívidas. Anime-se, homem.
Quer ir beber um copo comigo?
Não fui beber
um copo com o velho homem, mas, muito a custo, sempre consegui recompor a alma,
apagar a leve angústia que insistia em molhar-me o rosto e SORRIR.
Carlos Afonso
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