“(…)as soluções, às vezes, estão bem perto
de nós. Basta, apenas, entender a verdade que nos cerca: as raízes de um povo;
a naturalidade das paisagens (…)”
Neste mundo de
Deus, e de todos os que o habitam, há muitos enredos de histórias que nos dão
interessantes certezas. E esta asserção é tão exata que não é preciso pedir às
pedras que falem, aos rios que voem ou às flores que ignorem a primavera. O
elementar é saber descortinar as soluções acertadas, a partir de indícios ou
sementes que nos lançam para as mãos. Não admira, por isso, que eu queira
partilhar convosco o que se me desapegou da inspiração:
«Era uma vez
um rei que morava numa terra já quase sem nome, onde os seus súbditos já quase
não sonhavam e onde as estações do ano já não sabiam o momento exato para se
darem ao desfrute. Não era de estranhar que o monarca, que já governara esta
terra no tempo das vacas gordas, agora, nestes acinzentados momentos, não
tivesse paciência para escutar os conselhos inconsequentes dos seus
conselheiros ou esperar, em vão, que as suas vinhas voltassem a dar suculentos cachos
e os seus trigais, muito cereal. Às vezes, quase que lhe apetecia despojar-se
da sua realeza e afogar-se na desistência, mas, quando voltava a si, apertava a
mão direita de encontro à espada, que já tinha sido do seu avô, e só pensava em
queimar a praga peganhenta, que o apertava, e voltar a erguer o seu país.
Um dia, e
depois de muito penar no meio de tanta apatia existencial, decidiu por pernas
ao caminho e descobrir, por sua própria conta, um final feliz para os seus
desígnios. Andou, andou, mas o naco de pão, que levava na algibeira, já não
tinha sabor. Andou, andou, mas o cavalo, que o transportava rapidamente, já não
tinha mais força. Andou, andou, mas a lua, que lhe emprestava a luz, cegara de
vez. Andou, andou, mas o sentido dos caminhos, que lhe apontava a meta,
esquecera o rumo. Pobre rei!
Já gasto pela
desesperança, ordenou aos seus propósitos que, se não encontrasse um fim
desejável para tão insustentável situação, deixaria, e agora sim, de ser o que
era e não mais se importaria com o destino dos seus súbditos ou as insígnias do
seu brasão. E ponto final.
Passada a
noite, e depois a manhã, e no preciso instante em que passava entre um outeiro
e um vale, o rei reparou num pequeno espaço, torneado por um insignificante
muro de pedra, e que tinha, em todo o seu interior, um verdadeiro paraíso. Com
os olhos, que a terra lhe há de comer, enxergou, encostado a uma cerejeira
florida, um velho homem a dormir, com um corroído livro no regaço. Em redor do
ancião, mas dentro do dito quintal, viu ainda outras árvores repletas de cor e
vida, pedaços de terreno com fartos legumes de época, um pequeno poço de água
cintilante, algumas alfaias agrícolas, um gato estendido ao sol e muita
passarada pousada nos ramos a chilrear. Era, de facto, um ambiente repousante e
acolhedor, que contrastava, claramente, com a sua inquietude de monarca aflito.
Num ápice, sua
senhoria bateu as palmas para ver se chamava a atenção do velho, mas nada. Repetiu,
tornou a repetir o jeito e só lá para quinta vez é que obteve resposta.
Perseverante nas suas palavras quis logo ali saber a razão de tamanha acalmia,
pureza e fartura. Calmoso, em toda a sua compostura, o velho homem, dirigiu-lhe
a atenção, sorriu, abriu o livro, leu qualquer coisa, fechou-o e, sem se
levantar, sempre adiantou:
- Desculpe-me
a cortesia, mas estava a dormir e os meus ouvidos escutavam outras certezas.
Ainda
pertinente, o rei logo contrapôs:
- Mas tu não
sabes que os habitantes deste grande reino, de que eu sou o suserano, andam
tristes e sem sonhos? E só tu, com essa atitude, pareces viver num mudo à
parte? Qual é a razão do seu sorriso?
- Desculpe-me,
real senhor, se vos ofendi. Eu moro aqui perto, este é o meu quintal, e o meu
sorriso é verdadeiro. Ele vem da felicidade que me mora na alma, dos
sentimentos que retiro dos livros que leio, da grandeza a que se apegam as
minhas memórias, do perfume que se solta das flores, do canto que oiço das
aves, da clareza que me oferece o sol, e de eu continuar a poder dormir as
minhas sestas – esclareceu o velho.
O rei, agora
com uma voz mais humilde, quase lhe implorou:
- Como já
reparaste, eu ando preocupado com o mal que me cerca, e não encontro soluções
para o meu reino. Gostaria que me explicasses melhor o que acabaste de dizer.
Perante a
insistência do rei, o velho ergueu-se com agilidade, convidou-o a entrar no quintal
e pediu-lhe que o acompanhasse até ao poço. Depois, pediu à passarada que
chilreasse mais baixo, encheu uma pequena vasilha de água fresca e
ofereceu-lha. De seguida, acrescentou:
- Sua
majestade, farei o que me pedis, mas antes quero que proveis desta água e depois
gostaria que sentísseis a realidade que vos cerca.
Durante algum
tempo, o velho e o rei foram conversando, ao mesmo tempo que a tarde ia
avançando. Já bem perto da noite, um silêncio especial começou a aproximar-se
dos dois, facto que facilitou escutar e ver o que há muito tempo não se sentia: O SORRISO DO REI.»
Caros
leitores, pelos vistos o nosso rei sempre encontrou a cura para os seus males.
Afinal, e como foi bem percetível na pequena história, as soluções, às vezes,
estão bem perto de nós. Basta, apenas, entender a verdade que nos cerca: as
raízes de um povo; a naturalidade das paisagens; os ensinamentos de um livro; a
espontaneidade das aves; a frescura das nascentes; a história das fachadas; o
silêncio de um pôr-do-sol; a fragrância das tílias ou o saber de um velho. É
aí, aí que a felicidade existe e o amor sorri…
Carlos Afonso
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