Em todas as
histórias que se vivem neste mundo de Deus, há sempre destinos e cores bem definidos
para cada caminho traçado, independentemente das metas que se venham a atingir.
Na verdade, cada ser humano é constantemente posto à prova, numa espécie de
jogo de fim incerto, enrodilhado num permanente aglomerado de fios, gestos e
sentimentos que, às vezes, sufocam e doem, mas também libertam. O caso de Marisa
é um desses enredos em que o laço apertado do sofrimento foi confrontado de
frente pela brisa da solidariedade e o céu ficou azul…
A história
que se segue é apenas o que meu coração sentiu no dia 27 de outubro de 2013,
dia em que caminhei por uma causa maior. Dia em que, e já no fim da caminhada,
na Capela de Casadela, de joelhos, roguei a Santa Luzia que tingisse de
esperança e luz a vida dos que sofrem.
Pouco
passava das oito horas da manhã, e depois de uma noite razoavelmente bem
dormida, quando o meu Renault Clio estacionou perto da Capela de Santo Amaro,
em Quinchães. O que ali me trazia era o intento de participar numa iniciativa
louvável para a ajudar a Marisa. Esta jovem mãe de dois filhos é uma das muitas
vítimas que o cancro agarrou e não mais quis largar. A minha presença ali, assim
como a da minha esposa que me acompanhava, e de muitas outras dezenas de
pessoas, era mais do que um gesto simbólico de solidariedade. Nós estávamos ali
para dizer que o nosso coração e pensamento estavam com Marisa.
Em meu redor,
as falas estavam em crescendo. As motas, bicicletas e jipes arribavam sem
sessar. Uma música vinda do local da concentração expressava-se à sua maneira.
Em bancas improvisadas, homens e mulheres de boa vontade faziam o melhor que
sabiam para orientar quem chegava. Tudo parecia de acordo com o previsível.
Tudo não… Só céu estava apegado a uma
cor cinzenta e triste, circunstância chata que incomodava os presentes e me fez
carregar um impermeável durante toda a caminhada. Ora bem! Se as nuvens denotavam uma melancolia
indesculpável, a vontade de quem chegava, e cada vez eram mais, não esmorecia. Havia
um objetivo a cumprir, acontecesse o que acontecesse.
Num começo de rua, num lugar alto que
todos viam, uma facha de azul pintado, salpicado de um branco bem conseguido e algum
preto, lia-se: Ajudar a Marisa. Era uma espécie de princípio de meta. Por todo
o lado também eram visíveis pequenos prospetos e cartazes do mesmo azul e
dizeres.
Quis visitar o interior da Capela de
Santo Amaro, mas estava fechada. No meio da concentração, e se calhar poucos
repararam, um imponente cruzeiro de granito marcava a sua presença. Naquela
hora, e, se calhar, dadas as circunstâncias, olhei em pormenor para a cruz que perfazia
o seu topo e lembrei-me do seu verdadeiro sentido. Ali estava ela, digna e
sacra, mostrando o verdadeiro significado da vinda de Cristo ao mundo: sofrer
para salvar.
A dada
altura, e tal qual um mar de água a quem abriram o correr inverso dos rios,
tudo se esvaiu. Os jipes foram por um lado, as motas por outro, as bicicletas
também se sumiram e quem ia a pé seguiu em frente.
Para quem,
como eu, seguiu a pé, os quase seis quilómetros souberam a pouco. Ora pela
estrada, ora por caminhos estreitos, ora a descer, ora a subir, os passos
levavam cada um, e todos imbuídos pela causa que nos tinha trazido ali.
Encontrei muitos conhecidos e outros que nunca tinha visto. Palavras e
sorrisos foram trocados, assim como olhares e opiniões. A dada altura reparei numa
rapariga que levava às cavalitas uma criança de poucos anos. O que a moveria para
tal atitude? De facto o que ela estava a fazer, devia ser bem custoso, pois o
seu corpo era demasiado franzino para tal carga…
E porque é
normal os percursos terem metas marcadas, chegámos a Casadela, por volta das
onze da manhã, e o adro da capela de Santa Luzia acolheu-nos com sol. Não sei
se foi o adro, se calhar foi a Santa, que lá de dentro da Capela, deixou sair a
luz e nos ofertou o azul do céu, para que todos os olhos, que por aquele lugar
se estendiam, vissem o que ali estava a acontecer!
Agora o céu já era azul! Do mesmo
azul que pintava a facha que determinava o início, e agora, o fim da caminhada.
De um dos lados, e após o chamado, a
verdadeira Marisa surgiu no meio dos que a esta Capela vieram por sua causa. De
olhar agradecido e vago, aproximou-se de um dos homens que esteve na origem desta
jornada de solidariedade. Este homem chama-se Alcides e, pelo que o mesmo contou,
tudo começara quando o amigo Júlio Leite, e depois de este saber do que estava a
acontecer com esta jovem mãe de Quinchães, o havia questionado:
- Não vamos fazer nada?
-Claro que vamos – respondeu de
imediato, na altura, o Alcides, que tal como o Júlio, faz também o favor de ser
meu amigo.
Das mãos do Alcides, e de outras mãos
que se soltaram da multidão, Marisa recebeu as provas de um sentido gesto de
partilha. O dinheiro que foi angariado para esta bela jovem poderá não ser o
suficiente para lhe apagar a doença, mas, de certeza, irá contribuir para que
os seus dias sejam mais azuis…
O casaco de Marisa também era azul…
Carlos Afonso
E tu, Carlos, com o teu gesto solidário e este teu belo texto, também contribuíste para o eternizar desta história!
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