domingo, 27 de outubro de 2013

E O CÉU FICOU AZUL PARA MARISA…



            Em todas as histórias que se vivem neste mundo de Deus, há sempre destinos e cores bem definidos para cada caminho traçado, independentemente das metas que se venham a atingir. Na verdade, cada ser humano é constantemente posto à prova, numa espécie de jogo de fim incerto, enrodilhado num permanente aglomerado de fios, gestos e sentimentos que, às vezes, sufocam e doem, mas também libertam. O caso de Marisa é um desses enredos em que o laço apertado do sofrimento foi confrontado de frente pela brisa da solidariedade e o céu ficou azul…
            A história que se segue é apenas o que meu coração sentiu no dia 27 de outubro de 2013, dia em que caminhei por uma causa maior. Dia em que, e já no fim da caminhada, na Capela de Casadela, de joelhos, roguei a Santa Luzia que tingisse de esperança e luz a vida dos que sofrem.
            Pouco passava das oito horas da manhã, e depois de uma noite razoavelmente bem dormida, quando o meu Renault Clio estacionou perto da Capela de Santo Amaro, em Quinchães. O que ali me trazia era o intento de participar numa iniciativa louvável para a ajudar a Marisa. Esta jovem mãe de dois filhos é uma das muitas vítimas que o cancro agarrou e não mais quis largar. A minha presença ali, assim como a da minha esposa que me acompanhava, e de muitas outras dezenas de pessoas, era mais do que um gesto simbólico de solidariedade. Nós estávamos ali para dizer que o nosso coração e pensamento estavam com Marisa.
            Em meu redor, as falas estavam em crescendo. As motas, bicicletas e jipes arribavam sem sessar. Uma música vinda do local da concentração expressava-se à sua maneira. Em bancas improvisadas, homens e mulheres de boa vontade faziam o melhor que sabiam para orientar quem chegava. Tudo parecia de acordo com o previsível.
Tudo não… Só céu estava apegado a uma cor cinzenta e triste, circunstância chata que incomodava os presentes e me fez carregar um impermeável durante toda a caminhada.  Ora bem! Se as nuvens denotavam uma melancolia indesculpável, a vontade de quem chegava, e cada vez eram mais, não esmorecia. Havia um objetivo a cumprir, acontecesse o que acontecesse.
Num começo de rua, num lugar alto que todos viam, uma facha de azul pintado, salpicado de um branco bem conseguido e algum preto, lia-se: Ajudar a Marisa. Era uma espécie de princípio de meta. Por todo o lado também eram visíveis pequenos prospetos e cartazes do mesmo azul e dizeres.
Quis visitar o interior da Capela de Santo Amaro, mas estava fechada. No meio da concentração, e se calhar poucos repararam, um imponente cruzeiro de granito marcava a sua presença. Naquela hora, e, se calhar, dadas as circunstâncias, olhei em pormenor para a cruz que perfazia o seu topo e lembrei-me do seu verdadeiro sentido. Ali estava ela, digna e sacra, mostrando o verdadeiro significado da vinda de Cristo ao mundo: sofrer para salvar.
            A dada altura, e tal qual um mar de água a quem abriram o correr inverso dos rios, tudo se esvaiu. Os jipes foram por um lado, as motas por outro, as bicicletas também se sumiram e quem ia a pé seguiu em frente.  
            Para quem, como eu, seguiu a pé, os quase seis quilómetros souberam a pouco. Ora pela estrada, ora por caminhos estreitos, ora a descer, ora a subir, os passos levavam cada um, e todos imbuídos pela causa que nos tinha trazido ali. Encontrei muitos conhecidos e outros que nunca tinha visto. Palavras e sorrisos foram trocados, assim como olhares e opiniões. A dada altura reparei numa rapariga que levava às cavalitas uma criança de poucos anos. O que a moveria para tal atitude? De facto o que ela estava a fazer, devia ser bem custoso, pois o seu corpo era demasiado franzino para tal carga…
            E porque é normal os percursos terem metas marcadas, chegámos a Casadela, por volta das onze da manhã, e o adro da capela de Santa Luzia acolheu-nos com sol. Não sei se foi o adro, se calhar foi a Santa, que lá de dentro da Capela, deixou sair a luz e nos ofertou o azul do céu, para que todos os olhos, que por aquele lugar se estendiam, vissem o que ali estava a acontecer!
Agora o céu já era azul! Do mesmo azul que pintava a facha que determinava o início, e agora, o fim da caminhada.
De um dos lados, e após o chamado, a verdadeira Marisa surgiu no meio dos que a esta Capela vieram por sua causa. De olhar agradecido e vago, aproximou-se de um dos homens que esteve na origem desta jornada de solidariedade. Este homem chama-se Alcides e, pelo que o mesmo contou, tudo começara quando o amigo Júlio Leite, e depois de este saber do que estava a acontecer com esta jovem mãe de Quinchães, o havia questionado:
- Não vamos fazer nada?
-Claro que vamos – respondeu de imediato, na altura, o Alcides, que tal como o Júlio, faz também o favor de ser meu amigo.
Das mãos do Alcides, e de outras mãos que se soltaram da multidão, Marisa recebeu as provas de um sentido gesto de partilha. O dinheiro que foi angariado para esta bela jovem poderá não ser o suficiente para lhe apagar a doença, mas, de certeza, irá contribuir para que os seus dias sejam mais azuis…
O casaco de Marisa também era azul…

Carlos Afonso










1 comentário:

  1. E tu, Carlos, com o teu gesto solidário e este teu belo texto, também contribuíste para o eternizar desta história!

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