O final da
tarde do dia 25 de Junho convidou-me como que instintivamente a dar um passeio,
não admira, por isso, que tenha pegado na minha determinação e desse uma volta
pelas margens do Rio Ferro, ali bem perto de minha casa. Apetecia-me escutar o
correr das águas, sentir a frescura das árvores e, quem sabe, encontrar um
velho amigo que costumava visitar o meu quintal, mas que já há três dias havia
desaparecido. Ele esvoaçara de certeza para o seu sítio, e que eu o procurava
agora, para lá buscar o meu outro destino. Estou a falar do rouxinol do rio
Ferro.
Desde os primeiros dias de Março
último e até a alguns dias atrás que a minha existência teve a curiosa
circunstância de contar com a presença de um rouxinol. De facto, aquele passeio
em Março pelas margens do Ferro, altura em que dei pela sua presença, num ramo
florido de uma macieira, e que de imediato me fascinou e também, digamos assim,
me intrigou, um sentido diferente tem tomado conta dos meus desígnios. A sua
melodia era única e soava a nostalgia, até parecia que o seu canto era detentor
de uma mensagem qualquer e que estava a ser lançada de propósito aos meus
ouvidos. Não sei porquê, mas na altura lembrei-me de Almeida Garrett e de
Bernardim Ribeiro e do sentido que a avezinha tinha no contexto das suas
narrativas. Na verdade, tanto Joaninha de Viagens na Minha Terra como a menina
de Menina
e Moça tinham uma interligação especial com o rouxinol.
Depois do longo tempo em que estive a
admirar os encantos da avezinha, reparei que a seu canto era quase infinito.
Mas a dada altura começou a decrescer até que se calou. Olhei bem na direção onde
estava pousada, mas apenas notei que a noite já se apoderara do horizonte. Algo
entristecido, voltei para casa e não confidenciei a ninguém o sucedido. Apenas
se me apegava à ideia de que no dia seguinte voltaria ao mesmo sítio onde
encontrara o rouxinol.
Como prometera a mim próprio, no
final da tarde do dia seguinte voltei lá, mas do rouxinol, nem um sinal. Apenas
o rio, a brisa a esbarrar na folhagem e o chilrear da outra passarada que não
despertava a atenção dos meus sentidos. Meio desanimado, sentei-me numa pedra
meia suja que para ali estava e deixei-me levar pelo pensamento. Quando voltei
a mim, dei um último olhar pelo quadro que a minha vista alcançava, limpei
alguma sujidade que se me agarrar às calças e regressei. Quando estava a chegar
a casa, reparei que uma rapariga estava a tocar à campainha. Apressei o passo,
pois pensava que era alguma aluna que queria falar comigo, mas não. Eu não a
conhecia. O que quereria ela?
Era apenas uma bela rapariga de cabelos
castanhos e com uns olhos da mesma cor. A sua postura pareceu-me, na ocasião,
um pouco inquieta e, quando reparei no seu sorriso momentâneo, afigurou-se-me
nele uma mágoa qualquer. Pelos vistos, e segundo me explicou, ela apenas estava
ali porque me queria entregar uma carta, uma vez que o carteiro,
inadvertidamente, a deixara em sua casa. Agradeci o gesto e despedimo-nos.
Depois do acontecido, e mal a
rapariga se pagara na distância, senti um esvoaçar de ave a roçar-me a cabeça,
para logo de seguida escutar um cantar de rouxinol, igualzinho ao que ouvira
junto ao rio, vindo bem do centro do meu quintal. Sem mais, corri para o
escutar e… Que surpresa!... Lá estava ele em cima da pereira, numa postura
digna e sentida. Enquanto não chegou a noite e ele se calou, não arredei pé
dali.
Várias dias passaram, e todos os
finais de tarde, quer estivesse chuva ou sol, o rouxinol ali voltava para
mostrar a sua voz afinada e melodiosa. E eu, sempre que tinha disponibilidade,
ali estava para o ouvir.
No 23 de Junho último, dia de São
João na Fábrica do Ferro, durante a tarde, fui ver a cascata que se localizava
bem perto da Sede dos Leões do Ferro. E como já é seu hábito, ela estava
maravilhosa e sempre com vistas inovadoras. De facto, as mãos que a tecem são
de eleição. Espero que assim continue para gáudio do bairro e de Fafe. Ora bem,
estava eu a olhar para a cascata, quando me apercebo de uma rapariga que caminhava
na minha direção. De imediato a reconheci. Era a mesma que me tinha trazido a
carta. Apenas trazia roupa diferente. Com surpresa, fiz um leve esforço para me
afastar, não me sentia de feição para falar com ela. Se calhar era medo.
Apercebendo-se do meu jeito, ela apressou o passo, estendeu a mão direita e
pegou na minha. De seguida, afagou-me com carinho e sorriu. Ainda meio
atrapalhado, encostei-me um pouco à sua postura, que me pareceu especial,
retribui com um cumprimento nervoso e escutei o que me confidenciava:
- Desculpe, mas está na hora de o meu
rouxinol regressar. Para o tornar a ouvir e finalmente perceber o seu
verdadeiro cantar, terá de ser o Carlos a deslocar-se ao sítio exato onde ele
sempre morou. Na tarde em que isso acontecer, eu também lá estarei para lhe
dizer o meu nome, entregar-lhe uma outra carta e mostrar-lhe o seu outro
destino. A propósito, o que dizia a carta que lhe entreguei na primeira vez que
nos vimos?
Sem
conseguir responder ou dizer o que quer que fosse, só tive tempo de receber um
pequeno beijo que a rapariga me pousou rosto e notar um perfume a rosas que me
aquietou.
Quanto ao rouxinol do rio, desde que
estivera com a rapariga junto à cascata, nunca mais o vi ou ouvi. Ele foi mesmo
embora para o seu sítio.
A propósito,
eu nunca li a carta que ela me trouxera naquela tarde. Lembro-me apenas de a
ter pousado no vaso junta à porta de casa e nunca mais a vi. O que será que ela
dizia? Será que o meu destino estaria lá gravado? E agora?
Em breve o saberei, quando for à
procura do verdadeiro sítio onde sempre morou o rouxinol do rio.
Carlos
Afonso
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