(Dedico esta história à ATRIUMEMÓRIA
e ao seu principal obreiro, Jesus Martinho, no primeiro aniversário desta associação,
para homenagear o incessante e profícuo trabalho que tem sido feito em prol do património
fafense)
Num
ancestral carvalhal, bem nas profundezas das terras de Montelongo, existia uma
antiquíssima pedra, quase totalmente escondida do olhar dos homens. Apenas um
velho pastor lhe emprestava, de vez em quando, a sua atenção, quando por ali
passava à procura das suas memórias, e nela se sentava a tocar a sua flauta.
Bem encostada às faces carcomidas desta pedra, apenas musgos seculares lhe
favoreciam a sua função de assento.
Por muito que o povo dissesse que,
noutras eras, tinha andado por ali um grande rei mouro com o seu exército, e
que por ali havia construído um forte castelo, onde escondera um vasto tesouro,
nunca ninguém, à exceção do velho pastor, procurara quaisquer indícios. Apenas
aquele velho pastor olhava para aquela pedra com respeito e com a certeza de
que ela era a guardiã de um passado grandioso. Mesmo que de vez em quando ele partilhasse
as suas conclusões com as gentes que habitavam aquelas redondezas, nunca
ninguém lhe dera ouvidos, bem pelo contrário. Limitavam-se a olhar friamente a
pedra, sorriam em tom de desdém, ignoravam-no e seguiam os seus destinos. O
pobre velho nunca foi levado a sério e até começou a ser chamado como o louco
da pedra. Sozinho com as suas lembranças, limitava-se a andar por ali na
companhia da sua flauta e dos seus segredos.
Numa tarde de calor, num daqueles
verões tórridos que também acontecem no Minho, o velho pastor regressara ao seu
lugar de eleição e sentara-se, como muitas vezes o fazia, à sombra dos
carvalhos, na tal pedra, tocando a sua flauta. A dada altura, e como que o
velho o esperasse, apareceu à sua frente um homem alto, vestido de escuro e
vinha dos lados de Fafe. Pela convicção que derivava do seu andar, dava para
concluir que ele vinha tomado de um sonho bem definido. Como ouvira falar da
tal lenda do castelo dos mouros, e porque acredita nos sinais do povo, trouxe o
seu espírito observador e sábio, a sua máquina fotográfica e veio na demanda de
mais uma possível riqueza patrimonial. É evidente que este homem da cidade, um
homem para quem o tempo é um guardador de tesouros à espera de serem
descobertos, se agradou da originalidade do quadro que se deparava aos seus
olhos e ouvidos.
A música que derivava da flauta parecia-lhe
divina. O velho que a tocava lembrava-lhe um deus maior. A pedra onde este se
sentava tinha, no seu entender, os requisitos de uma torre de um forte castelo.
Perante este cenário tão especial, o procurador de memórias, vamos chamar-lhe
assim em homenagem à sua importantíssima acção em favor da cultura do seu povo,
encantou-se com esta sua descoberta. Como era de prever, e numa atitude
completamente diferente de todas as outras pessoas que ignoraram a pedra e o
tocador de flauta, este homem que veio da cidade, sentou-se ao lado do velho e
escutou com toda a atenção do mundo os segredos que ele lhe contava. O pastor
estava satisfeito, pois soube reconhecer no seu interlocutor a verdade das suas
intenções. Por isso, contou-lhe tudo o que sabia e o que imaginava. Finalmente,
ele encontrara um homem que sabia escutar.
Algumas horas passaram e só a noite
os separou. Mas, e antes de seguirem os seus caminhos, marcaram um novo encontro,
para ali mesmo, junto à pedra, para a manhã seguinte. No céu, as estrelas mais
apressadas fizeram-se notar, e o canto de um melro perdeu-se na aragem.
A manhã acordara bela e repleta de
sol. A passarada enchia de movimento e melodia todo o carvalhal e o homem que
veio de Fafe foi o primeiro a chegar. Sentou-se na antiquíssima pedra e esperou,
esperou… mas o velho pastor nunca mais chegava. Passaram algumas horas e nada.
Sem perder o ânimo, e como o seu recente amigo estava a demorar, achou por bem
reparar com mais força na antiquíssima pedra e continuar a esperar. Ao de leve,
levantou-se, começou a acariciá-la com as suas mãos curiosas e atentas. Numa
visão mágica, notou em algo de extraordinário. Sem pressa, limpou com cuidado o
musgo que cobria a pedra e viu com os olhos que Deus lhe dera um aglomerado de
palavras gravadas em toda a sua dimensão da mesma. Animado com o que descobrira,
tentou decifrá-las, mas sentiu dificuldade. Só mais tarde é que conseguirá
compreender o real sentido de tão feliz achado e que aqui reproduzimos, desde
já: ”O
maior tesouro de um povo são as suas memórias”.
Sem parar, e como o velho pastor
ainda não dera sina de vida, o homem de escuro vestido e que veio da cidade, pegou
mais uma vez na sua persistência e no seu gosto por tudo o que cheira a passado
e património e começou a limpar em redor da pedra, e o que achava a cada
momento mais o encantava e desafiava. Um mundo maravilhoso começou a crescer à
sua volta e o seu coração a crescer na direção do céu.
Afinal, o tão falado castelo dos mouros sempre
existia e o dito tesouro também. Dos lados do poente um som fascinante de flauta
fez-se escutar e o homem vindo de Fafe sorriu.
**
(Nota:
Caros leitores, afinal o Castelo dos Mouros sempre ali estivera, no meio
daquele frondoso carvalhal, o problema, e tal como acontece ainda hoje por
estas terras de Montelongo, os comuns mortais nem sempre sabem olhar os
indícios que se passeiam à sua frente. Infelizmente, a névoa que lhes tolhe o entendimento
nem sempre os deixa escutar os sinais, ou sentir a fala das pedras, ou perceber
os desenhos dos montes e até nem os deixa compreender as verdadeiras histórias
do nosso povo. Para salvar o nosso património, meus amigos, é preciso estar
atento e ter as mãos e a mente lúcidas e argutas, tal como o homem que veio de
Fafe.)
Carlos Afonso
Caro Professor:
ResponderEliminarFoi com muita surpresa e profundo afecto que no serão de ontem ouvi na primeira pessoa a maravilhosa história aqui apresentada. Em nome da direção da Atriumemoria e em meu nome pessoal quero agradecer-lhe toda a força e apoio que nos tem dado.Esta modesta associação tem muito orgulho em poder contar com o líder da Assembleia Geral nesta cruzada em defesa da nossa identidade cultural, revelada pela memória coletiva e uma História rica em Património, muito dele por desbravar e salvaguardar como herança preciosa de um passado que temos de legar às gerações vindouras.
Um grande abraço.