(Dedico
esta história ao José, um rapaz de Fafe que encontrei lá para os lados de
Ribeira de Pena)
Costuma
dizer-se, neste mundo de Deus, que os gostos não são todos iguais e que cada um
é cada qual. Pois bem, e uma vez que o que acabei de dizer deve estar certo ou,
pelo menos, não suscita muitas dúvidas, amigo leitor, hoje, neste última noite
julho, quero contar-lhe uma pequena história que tem na sua raiz um ocasional encontro,
numa caminhada organizada pelos Restauradores da Granja em terras de Ribeira de
Pena.
Tudo aconteceu num domingo, dia 28 de
Julho, e que apesar da chuva, que de vez em quando se fazia sentir, dezenas de
caminheiros, vindos de muitos lados do país, e, claro está, também de Fafe, arribaram
a Ribeira de Pena para percorrer os Caminhos do escritor Camilo Castelo Branco
e participar numa excelente recriação histórica, concretamente no que dizia
respeito ao seu primeiro casamento e outras peripécias a ele ligadas.
A louvável
iniciativa foi preparada pelo caminheiro Jorge Ribeiro do Porto, e contou com a
organização experiente dos Restauradores da Granja e com o apoio da Câmara
Municipal de Ribeira de Pena. Desta forma, todos os participantes tiveram o
privilégio de percorrer os caminhos de Camilo e interligar-se com uma fase do
grande escritor romântico, a paisagem e a literatura.
Depois de se
assistir à recriação do casamento de Camilo Castelo Branco com a sua primeira
mulher, Joaquina de França, na Igreja de São Salvador em Ribeira de Pena, onde
a chuva e as pétalas de rosa se abraçaram, colorindo e refrescando tão
importante momento, os caminheiros lançaram-se pelo percurso definido e foram
até Friúme, aldeia onde moravam os pais da esposa de Camilo, e assistir ao vivo
ao primeiro beijo de Camilo e outros pormenores bem curiosos. Várias recriações
se seguiram, respeitando-se, quase na íntegra toda uma fase do escritor. Ainda
em Friúme, houve a possibilidade de conhecer o boticário Afonso, que tive a honra
de encarnar, homem bem curioso e que ensinou muito ao jovem Camilo.
Continuando
a percorrer percurso literário, repleto de farta paisagem e encantos, os
caminheiros eram abordados, constantemente, por fragmentos da vida e da ficção
de Camilo. Em cada encruzilhada da antiga estrada Real que ligava
Trás-os-Montes ao Minho, algumas personagens das Novelas do Minho ganharam
vida e o rio Tâmega apontou, a quem para ele olhou, o sítio exato onde a
personagem Maria Moisés, a personagem principal de uma das suas novelas, foi retirada
das águas.
Sempre a
caminhar e à espera do que podia acontecer, a Igreja da Granja velha abriu-se
da par em par para que todos vissem com os olhos que a terra há de comer a
figura imponente do padre Manuel da Lixa, a quem o sogro de Camilo pediu que
ensinasse o jovem recém-casado a aprofundar o seu latim.
Ora bem, caro leitor, foi já depois da Granja Velha e meia
dúzia de quilómetros, e depois de uma carrega de água bem forte, que encharcou
tudo e todos, que me deparo com uma jovem mãe e o seu filho José, também eles
caminheiros de tão singular percurso. Conversa puxa conversa, vim a saber que tínhamos
amigos comuns, que o filho José conhecia o meu filho mais novo, que o pai do
rapaz já trabalhara em Alfândega da Fé, e que a avó do José gostava de ler as
histórias que costumo escrever.
Feitos os conhecimentos possíveis, e depois de
mais algumas perguntas e outras tantas respostas, apercebi-me de que o jovem
José não ia muito satisfeito. A sua cara mostrava cansaço e o seu sorriso não
era visível. A mãe, uma simpática e esbelta mulher de Fafe, confidenciou-me que
o rapaz não estava a achar piada nenhuma ao seu domingo. Na verdade, ele estava
farto de tanta chuva, e que já havia dito mais que uma vez de que era bem
melhor ter ficado em casa.
É evidente
que esta reação do moço era mais natural, tendo em conta circunstâncias tão
adversas. Se, ao menos, estivesse sol, a situação, se calhar, era capaz de ser
outra. Mas, o mais curioso foi o que a mãe me foi acrescentando. Ela deixou bem
claro que o facto de o filho estar na caminhada era um ato mais que correto,
pois um passeio pelas belas terras de Ribeira de Pena e um contacto mais de
perto com a realidade literária de Camilo Castelo Branco só faziam bem. E, mais
a mais, se ficasse em casa, com toda a certeza, passaria o dia a jogar no
computador ou a ver televisão.
Claro que eu concordei com tão sábia mãe. Se
calhar, se todas as mães tivessem a visão e a determinação desta, os filhos percorreriam
caminhos bem mais direitos e puros!
Tentei, também, animar o rapaz,
confidenciando-lhe que aquela era uma caminhada que lhe iria ficar na memória e
que, no futuro, ainda lhe poderia ser útil, pois, quem sabe, quando
frequentasse os estudos secundários, ainda poderia estudar Camilo Castelo
Branco.
Pelo que me pareceu, e após uma boa quantidade
de palavras a rimarem com otimismo e esperança, o rapaz ficou bem mais animado,
e com outro ar!
Chegados ao ponto de partida, a
Igreja de São Salvador de Ribeira de Pena, a chuva fez uma pausa e foi nos dado
a conhecer ou a relembrar o porquê da fuga de Camilo daquelas terras, para
nunca mais ali voltar, deixando para trás a sua esposa Joaquina que,
entretanto, engravidara. Para quem o não sabe, foi por causa de um poema
encomendado, que o jovem Camilo escreveu sem medir as consequências, a dizer
mal de um mancebo da terra, e que foi afixado na porta da Igreja, que o pobre
Camilo teve de fugir para não ser severamente punido.
Quanto ao José, ele, mal chegou à
vila transmontana, regressou logo a Fafe, pois a chuva deixara toda a família
encharcada.
Espero, um dia, voltar a encontrar o
meu jovem amigo José, para falarmos mais de camilo Castelo Branco, sem nos
importarmos com os impedimentos da chuva, ou outros que nos queiram atrapalhar.
Pode ser que ele venha a ser meu aluno na Escola Secundária de Fafe, quem sabe?
Um grande abraço, José, e nunca te
esqueças que a vida nem sempre nos empresta a sua melhor cara. Às vezes, temos
de experimentar momentos, aparentemente, mais enfadonhos, para, depois,
sentirmos a verdadeira luz com outros olhos!
Carlos Afonso
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