Seguindo o
meu propósito de partilhar com o leitor amigo histórias e momentos que as
Jornadas literárias me proporcionaram, quero desta vez contar-vos o verdadeiro
motivo de aparecer no programa das Jornadas o ponto «Apresentação da Confraria
da Vitela assada à moda de Fafe», para que os homens de hoje não se esqueçam do sentido da palavra «fundadores».
Eu sei que,
às vezes, os pequenos instantes podem degenerar em factos de maior monta,
consoante o entender de cada um ou conforme o que queremos ver. Ora bem, num
final de manhã de domingo frio de novembro, passeava-me sem pressas pela Praça
25 de Abril, em busca dum pouco de bem-estar, pois este espaço maior de Fafe é
de um encanto sem par, faça frio ou não, quando algo de curioso aconteceu. Bem
ao meu lado, um Citroen de cor acinzentada estacionou, ocorrência que me chamou
a atenção, porque um leve toque de buzina foi-me intencionalmente dirigido. O
passeio que trilhava, mesmo em frente à Escola Profissional, estava meio húmido
e não se importou que eu parasse e esperasse o resultado daquele chamado.
De dentro do
carro acinzentado saiu um casal dos seus trinta anos, jovens na forma de vestir
e de sorrir, primeiro ele e depois ela, que, por acaso, se chamava Luísa, pois
o marido teve necessidade de pronunciar o seu nome. Digo marido porque ele,
quando se me dirigiu, disse o seguinte:
- Bom dia,
eu e a minha esposa precisávamos de uma informação.
A roupa que
Luísa trajava estava adequada à época do ano. Um farto casaco amarelo-torrado
condizia na perfeição com a cor dourada dos seus cabelos e o seu rosto ameno. As
calças castanhas com um cinto bem visível deixavam transparecer o desenho
agradável do seu corpo de mulher jovem. Quanto à forma de vestir do marido,
nada a assinalar, pois não reparei devidamente nesse pormenor. O que me
despertou a curiosidade foi o que ele me disse de uma forma bem visível, pois
até um uma mulher que por ali passava, naquele mesmo momento, parou também para
ouvir.
- Nós
moramos em Aveiro e andamos a dar uma volta pelo norte. Estamos hospedados em
Guimarães, e hoje resolvemos vir a Fafe. Sabe, o meu avô falava muito da vitela
à moda de Fafe. Ele trabalhava nos caminhos-de-ferro e disse-me, algumas vezes,
que em Fafe se comia a melhor vitela do Minho. Sabe-me dizer onde posso ir
almoçar para provar a tal vitela?
Meio
espantado, não soube dar, de imediato, uma resposta ao meu interlocutor, e
quando me preparava para tentar dizer alguma coisa, a mulher que havia parado perto
de mim acrescentou logo:
- O seu avô,
de certeza que comeu essa vitela na pensão «Zé da Menina», mas esse lugar já
fechou há muito.
-Oh que
chatice – acrescentou logo o forasteiro, ao mesmo tempo em que a sua esposa
dava um pequeno jeito no seu airoso cabelo - e agora?
-Mas, cá em
Fafe há um outro sítio onde se come boa vitela, mas não sei se está aberto. É
na Adega Popular. Quanto a outros sítios… não estou a ver bem…
Para azar
dos visitantes de Aveiro, que haviam feito longos quilómetros para comprovarem
e saborearem as verdades de um avô que tinha boas recordações de Fafe, a opção apresentada
estava mesmo fechada. Era domingo e a Adega fecha aos domingos. Ainda os
conduzimos a um outro restaurante que existia por ali, mas lá só havia bifes vitela
com molho de cogumelos. E porque não quiseram saber de mais nada, e talvez
desiludidos com a ocorrência, esqueceram a ideia da vitela e decidiram rumar a
Cabeceiras de basto, pois alguém lhes tinha falado de um bom cozido que se
comia por lá.
Perante
situação tão estranha, comecei a pensar que as certezas do avô do forasteiro
não podiam ficar naquela situação tão empalidecida. Por isso, quando cheguei a
casa, e porque estava, na altura, a trabalhar no programa as Jornadas
Literárias, resolvi colocar no mesmo o seguinte acrescento «Confraria da Vitela
assada à moda de Fafe», sem saber se existiriam pernas para caminhar. Pensei
eu, na altura, que se calhar seria boa ideia, pois seria importante trazer de
volta a todos os restaurantes de Fafe a obrigação de preservarem tão importante
repasto. E porque as Jornadas Literárias têm na sua real conceção preservar o
que de bom existe na tradição de um povo, e porque a cultura também se
evidencia na gastronomia, tudo começou a acontecer.
Felizmente,
a Naturfafe, a entidade por excelência que tinha e tem todas as condições para
pegar em tão importante tarefa, juntou-se às Jornadas Literárias e teve a
simpatia de confecionar a ideia e trabalhou sabiamente nesse sentido. Pelo que sei
e pelo que vi, a «Confraria da vitela assada à moda de Fafe» já está no bom
caminho e, muito em breve, tudo será uma realidade feliz.
Lamento
apenas que o nosso forasteiro e esposa não tenham tido a oportunidade e a sorte
de saborear a Vitela à moda de Fafe, mas, se calhar, um dia isso pode
acontecer.
Carlos Afonso
Adega Popular já foi sim, um ícone, na vitela assada Moda de Fafe.
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