Na aldeia
onde morava, Alcina era a menina mais sorridente e a mais atenciosa para com
todas as pessoas. Com apenas sete anos, esta simpática criança de cabelos pretos,
e de olhos quase da mesma cor, tinha por costume oferecer gestos meigos e de
ajudar a velha Luísa do Largo a dar de comer às suas pombas, que habitavam às
dezenas no pombal do Cabeço. As pernas da senhora de setenta anos já não eram o
que em tempos foram e a ajuda de Alcina vinha mesmo a calhar. Claro que a velha
Luísa não gostava de ficar a dever favores a ninguém, e muito menos à pequena
Alcina que, infelizmente, tinha o seu pai desempregado e o dinheiro lá em casa
não abundava. Retribuía-lhe a ajuda com bolachas, roupa, alguns trocos que sobravam
da reforma, para além de outras pertenças sempre de grande utilidade.
Com a mãe a
trabalhar na vila e o pai à procura de emprego longe da aldeia, quando acabava
a escola, Alcina corria para casa, lanchava, dizia olá à vizinha que morava na casa
ao lado da sua e depois corria para ajudar a velha Luísa. Os deveres que trazia
da escola ficavam para a noite, à espera da ajuda preciosa do pai. E eram assim
quase todos os seus dias.
Com a chegada
das férias de Natal, o tempo de Alcina ficou mais sobrado e as suas brincadeiras
de criança espalhavam-se por toda a aldeia. Era um regalo ver a felicidade
estampado no rosto que Deus lhe deu.
Chegada a noite de vinte e três de
dezembro, um pedido de ajuda da catequista Rosa fez com que Alcina ficasse mais
feliz. Na verdade, a catequista pediu à criança que, nessa noite, a fosse
ajudar a fazer o presépio.
Claro que ela foi, e com muito gosto!
Ainda o relógio da torre não tinha
dados as dez horas e todo o presépio já estava prontinho. Diga-se de passagem
que nunca o presépio da aldeia tinha ficado tão original e bonito. De certeza
que todo aquele bom gosto tinha partido de Alcina. Para além de todas as
imagens que enfeitavam a gruta do menino Jesus e encostas em redor,
destacava-se, bem lá no alto, um castiçal dourado com uma vela já meia usada.
Como não havia estrela, foi o que se conseguiu arranjar.
Será que daria um belo efeito? Só experimentando.
E foi o que a despachada Alcina fez.
Com a catequista e as outras
ajudantas sentadas no banco em frente ao presépio, coube à pequena o gesto
inaugural. Mas, e porque uma vontade, vinda lá do fundo do coração, se espalhou
bem à sua frente, a simpática criança, antes de acender a vela, virou-se para a
catequista e perguntou:
- Antes de acender a vela, será que
posso pedir um desejo ao menino Jesus?
- Claro que podes, Alcina:
E ela… ajoelhou-se, benzeu-se e pediu:
- Menino Jesus, por favor, pede ao
teu pai que arranje um emprego ao meu. De certeza que ele, como está no céu,
conhece muitos patrões. Obrigado e desculpa!
Depois de se voltar a benzer,
levantou-se, acendeu a vela e sentou-se no banco, ao lado das outras, para ver
o efeito da vela.
Que maravilha! Como a luz da vela
brilhou! Nunca o rosto de Jesus, Maria e José ficaram tão iluminados…
Na manhã seguinte, o telefone tocou,
o pai atendeu e...
- Alcina, Alcina, acorda. Tenho de
sair já. Por favor, ajuda-me. Tenho de estar daqui a uma hora no emprego, pois
amanhã é Natal e eles, hoje, fecham à uma da tarde. Uma empresa de construção
civil aceitou-me como carpinteiro. Ai! Quando a mãe souber…
Alcina, levantou-se, abriu a janela e
olhou o céu. Depois, baixinho disse:
- Obrigado, Jesus. Agora tenho de ir…
Carlos Afonso
Sem comentários:
Enviar um comentário