sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O velho poeta


 
 

 
            Conta-se que um velho poeta perdera a inspiração e arte de escrever devido à canseira e insatisfação colhidas na realidade materialista e escura em que o seu país vivia. Muitas eram as vezes em que, e numa forma de esconder a sua existência quase vazia, se sentava numa cadeira de muitos anos e ali passava horas e horas, com as mãos a taparem os seus olhos negros e gastos, numa apatia sem precedentes. Até parecia que já não havia nada a fazer!

Quase sem querer, o velho poeta, numa manhã de Setembro, e já quando as folhas haviam perdido o seu fulgor e substância, sempre arranjou forças e, numa atitude quase de desespero, ergueu os olhos ao céu e implorou a Deus que libertasse o seu país da escuridão e sofrimento em que vivia.

Comovido pela sinceridade de tal pedido, nessa mesma noite, Deus atendeu aos desejos do velho poeta e, sem demoras, colheu as estrelas mais belas do céu, descolou, do seu livro sagrado, as palavras mais perfumadas e escolheu, nos cânticos dos anjos, as melodias mais suaves. Depois, e com todo o poder que O define, transformou tudo em orvalho fino, para, logo de seguida, o espalhar pela terra.

Na manhã seguinte, e quando abriu a janela do seu quarto, o velho poeta reparou que o prado que se estendia à sua frente mostrava uma rara e perfeita beleza de tempos idos, iluminado por um sol ameno e luminoso, mas não havia flores. Reparou, também, que na mesa da sala, num lugar bem visível, se encontrava uma folha amarelada com uma pequena frase e que dizia o seguinte:     

- Velho poeta, mete os pés ao caminho e procura a fonte dos sentimentos e dos sonhos obterás o desejo que anseias. Se a conseguires encontrar, o teu país voltará a ter sorrisos e flores.

Apressado, e sem saber ao certo onde poderia encontrar a dita fonte dos sentimentos e dos sonhos, saiu de casa, pegou num gasto cajado e deu início a uma longa caminhada.

Passado muito tempo, ao passar por debaixo de uma figueira, encontrou uma cigana de rosto seco e com umas mãos tão esguias como o vento. Com algum receio, perguntou-lhe se sabia onde ficava a fonte que procurava. Sem que muitos segundos tivessem passado, a cigana, não lhe dirigiu qualquer palavra, indicou-lhe apenas uma direção perdida na distância. Algo frustrado, fingiu entender o gesto e continuou a sua demanda. E andou… andou…

Quando cruzava um povoado abandonado, reparou numa criança que, solitariamente, brincava com uma bola descolorida que, repetidamente, atirava contra uma parede, uma vez que ela retornava sempre. Também à criança perguntou se sabia onde ficava a fonte dos sentimentos e dos sonhos, mas também ela lhe apontou a distância.

Numa permanente procura que o levou, dias e dias, a percorrer montes e vales, caminhos e outeiros, virando à esquerda e à direita, subindo e descendo, verificava que apenas encontrava figuras solitárias, alheias nos seus afazeres e que lhe respondiam da mesma forma que o fizeram a cigana e da criança. Quanto à tal fonte, nem um mínimo vestígio.

A dada altura, e para seu espanto, constatou que voltara ao ponto de partida, isto é, à sua casa. Cansado e cabisbaixo, entrou, sentou-se na cadeira de muitos anos e por ali se deixou ficar. Lá fora, o sol ainda continuava a brilhar, mas, no que diz respeito às flores, nem uma para a amostra. Bem dentro do velho poeta, continuava a habitar o silêncio e a desilusão. Mas, e como que enviada por uma força superior, uma borboleta de mil cores entrou pela janela e foi pousar numa das mãos do velho poeta. Este reagiu instintivamente, levantando-se de imediato e sacudindo o pobre bicho. Meio embrulhado naquela reação do velho, a borboleta lá se conseguiu erguer no ar e esvoaçar durante algum tempo pela sala, para finalmente pousar em cima de um caderno usado, que jazia caído no chão, para, logo de seguida, voltar a levantar voo e sair pela janela fora.

Como que tomado por um sinal que lhe fora enviado, o velho poeta dirigiu-se para perto do caderno usado, caderno esse que era, nem mais nem menos, o sítio onde costumava escrever os seus poemas, na altura em que tinha vontade de o fazer, tomou-o nas mãos, abriu-o e teve o desejo de voltar a ser um verdadeiro poeta.

Já sentado na cadeira de muitos anos, e numa ânsia já quase esquecida, o velho poeta não cobriu os seus olhos negros e gastos com aquelas mãos repletas de desânimo, que ultimamente o guiavam. Não, bem pelo contrário. Ele, agora, como que sentia correr dentro de si uma fonte farta de sentimentos e de sonhos que o impeliam a gravar nas folhas do caderno um poema que parecia não ter fim. Quando o acabou, continuou com o caderno aberto, ergueu-se satisfeito, aproximou-se da janela, olhou o céu, sorriu e no seu amado país voltaram a nascer flores e esperança.

Afinal, o velho poeta sempre encontrou a fonte, que durante tanto tempo procurara, e que nunca havia deixado de correu bem dentro de si. O problema é que os seus olhos de homem e a negritude, que atrofia os corações dos que não amam, lhe haviam escondido a verdade dos sentimentos e a força dos sonhos.

                                        Carlos Afonso

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