Quase sem querer, o velho poeta, numa
manhã de Setembro, e já quando as folhas haviam perdido o seu fulgor e
substância, sempre arranjou forças e, numa atitude quase de desespero, ergueu
os olhos ao céu e implorou a Deus que libertasse o seu país da escuridão e sofrimento
em que vivia.
Comovido pela sinceridade de tal
pedido, nessa mesma noite, Deus atendeu aos desejos do velho poeta e, sem
demoras, colheu as estrelas mais belas do céu, descolou, do seu livro sagrado,
as palavras mais perfumadas e escolheu, nos cânticos dos anjos, as melodias
mais suaves. Depois, e com todo o poder que O define, transformou tudo em
orvalho fino, para, logo de seguida, o espalhar pela terra.
Na manhã seguinte, e quando abriu a
janela do seu quarto, o velho poeta reparou que o prado que se estendia à sua
frente mostrava uma rara e perfeita beleza de tempos idos, iluminado por um sol
ameno e luminoso, mas não havia flores. Reparou, também, que na mesa da sala,
num lugar bem visível, se encontrava uma folha amarelada com uma pequena frase
e que dizia o seguinte:
- Velho poeta, mete os pés ao caminho
e procura a fonte dos sentimentos e dos sonhos obterás o desejo que anseias. Se
a conseguires encontrar, o teu país voltará a ter sorrisos e flores.
Apressado, e sem saber ao certo onde poderia
encontrar a dita fonte dos sentimentos e dos sonhos, saiu de casa, pegou num
gasto cajado e deu início a uma longa caminhada.
Passado muito tempo, ao passar por
debaixo de uma figueira, encontrou uma cigana de rosto seco e com umas mãos tão
esguias como o vento. Com algum receio, perguntou-lhe se sabia onde ficava a
fonte que procurava. Sem que muitos segundos tivessem passado, a cigana, não
lhe dirigiu qualquer palavra, indicou-lhe apenas uma direção perdida na
distância. Algo frustrado, fingiu entender o gesto e continuou a sua demanda. E
andou… andou…
Quando cruzava um povoado abandonado,
reparou numa criança que, solitariamente, brincava com uma bola descolorida que,
repetidamente, atirava contra uma parede, uma vez que ela retornava sempre.
Também à criança perguntou se sabia onde ficava a fonte dos sentimentos e dos
sonhos, mas também ela lhe apontou a distância.
Numa permanente procura que o levou,
dias e dias, a percorrer montes e vales, caminhos e outeiros, virando à
esquerda e à direita, subindo e descendo, verificava que apenas encontrava
figuras solitárias, alheias nos seus afazeres e que lhe respondiam da mesma
forma que o fizeram a cigana e da criança. Quanto à tal fonte, nem um mínimo
vestígio.
A dada altura, e para seu espanto, constatou
que voltara ao ponto de partida, isto é, à sua casa. Cansado e cabisbaixo,
entrou, sentou-se na cadeira de muitos anos e por ali se deixou ficar. Lá fora,
o sol ainda continuava a brilhar, mas, no que diz respeito às flores, nem uma
para a amostra. Bem dentro do velho poeta, continuava a habitar o silêncio e a desilusão.
Mas, e como que enviada por uma força superior, uma borboleta de mil cores
entrou pela janela e foi pousar numa das mãos do velho poeta. Este reagiu
instintivamente, levantando-se de imediato e sacudindo o pobre bicho. Meio
embrulhado naquela reação do velho, a borboleta lá se conseguiu erguer no ar e
esvoaçar durante algum tempo pela sala, para finalmente pousar em cima de um
caderno usado, que jazia caído no chão, para, logo de seguida, voltar a
levantar voo e sair pela janela fora.
Como que tomado por um sinal que lhe
fora enviado, o velho poeta dirigiu-se para perto do caderno usado, caderno
esse que era, nem mais nem menos, o sítio onde costumava escrever os seus
poemas, na altura em que tinha vontade de o fazer, tomou-o nas mãos, abriu-o e
teve o desejo de voltar a ser um verdadeiro poeta.
Já sentado na cadeira de muitos anos,
e numa ânsia já quase esquecida, o velho poeta não cobriu os seus olhos negros
e gastos com aquelas mãos repletas de desânimo, que ultimamente o guiavam. Não,
bem pelo contrário. Ele, agora, como que sentia correr dentro de si uma fonte
farta de sentimentos e de sonhos que o impeliam a gravar nas folhas do caderno
um poema que parecia não ter fim. Quando o acabou, continuou com o caderno
aberto, ergueu-se satisfeito, aproximou-se da janela, olhou o céu, sorriu e no
seu amado país voltaram a nascer flores e esperança.
Afinal, o velho poeta sempre
encontrou a fonte, que durante tanto tempo procurara, e que nunca havia deixado
de correu bem dentro de si. O problema é que os seus olhos de homem e a
negritude, que atrofia os corações dos que não amam, lhe haviam escondido a
verdade dos sentimentos e a força dos sonhos.
Carlos
Afonso
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