A história que vos vou contar tem
como personagem principal uma menina de cabelos pretos que um dia escreveu numa
folha a fingir de carta de que era a menina mais triste do mundo.
Era o primeiro dia de outubro de 2012
e tinha acabado de lecionar a minha última aula. Sem pressas, coloquei a pasta
às costas, despedi-me de dois colegas que, entretanto, encontrara, saí da
escola e caminhei na direcção a Fábrica do Ferro. A dada altura, e já depois de
ter passado pela Padaria Silva, encontrei uma velha senhora que trazia nas suas
mãos uma pequena pasta amarela. Porque a conhecia, parei e ofereci-lhe um beijo
amigo. Sorridente, a velha senhora retribuiu-me na mesma moeda e ainda me acrescentou
um breve elogio:
- Ó professor, gostei de o ver na
televisão e falou muito bem! Sabe, achei tão interessante o que estão a fazer
em Aboim, que já disse à minha neta que num dos próximos sábados a havia de
levar lá.
Depois de termos trocado mais algumas
palavras, veio à conversa o facto de ela trazer nas mãos a pequena pasta
amarela. Um pouco atarantada, e só depois de olhar para os lados para ver se
não passava ninguém que pudesse escutar o que ia dizer, a minha amiga de
encontro sempre adiantou:
- Eu nem sei que lhe diga. Acontece
cada coisa às vezes que o mundo até parece que vai virar às avessas. Não quer
você saber que hoje a minha neta pregou-me um susto dos grandes. O que me
assossega, é que o meu homem já a encontrou e já a levou para casa da minha
filha. Ai, meu Deus! Que aflição!
Perante este intróito tão inquieto, a
minha atenção curvou-se totalmente perante as suas palavras, pois eu queria
perceber o que se tinha passado. Sem pressas, escutei… escutei… e tudo ficou
mais claro para mim.
De repente um barulho mais forte que
se despegou de uma motorizada que por ali passava, fez-nos aquietar a voz.
Enquanto o sossego não voltava, olhei sem querer para o relógio e vi que já não
era cedo. Conformados com o adiantado da hora, demos a conversa por acabada, espedimo-nos
e cada um seguiu o seu caminho. Eu fui para casa e a velha avó foi levar a
pasta da neta ao apartamento onde ela morava com os pais. Ao longe, o barulho
da motorizada ainda era audível.
Mas afinal o que se tinha passado com
a neta da minha amiga?
Caros leitores, às vezes as coisas
mais simples são as que traduzem a maior verdade, e só tenho pena que a neta da
velha senhora minha amiga não tenha conseguido os seus propósitos. Pois, se isso
tivesse acontecido, se calhar, as coisas em Portugal poderiam levar outro rumo
e talvez, quem sabe, os nossos políticos aprendessem uma grande lição.
Ora bem, mas afinal o que aconteceu?
O que aconteceu foi o seguinte. A
pobre criança estava em casa da avó, como costuma estar todos os finais de
tarde, depois de vir da escola, e escutou na televisão que Portugal vivia uma
crise muita profunda e que muitos pais já não podiam dar aos seus filhos certos
confortos, por mais simples que eles fossem. E o que a preocupou ainda mais foi
o facto de haver pais que já nem dinheiro tinham para comprar livros para os filhos.
Perante verdades tão assustadoras que
escutou na televisão, a menina, que andava apenas no segundo ano da Escola
Primária, não quis saber de mais nada, pegou numa folha e tratou logo de escrever
uma pequena carta dirigida a quem de direito. No seu interior, apenas se lia o
seguinte “Sr. do governo, não quero que
os meus pais fiquem sem dinheiro. Eu preciso muito de que a minha mãe me compre
aquele livro que tem na capa um ursinho a brincar com uma bola. Está a ver qual
é?”. E, no final da folha, e da forma mais singela que se pode imaginar,
assinava apenas assim “A menina mais
triste do mundo”. Depois, e sem que a avó pudesse fazer alguma coisa, meteu
a carta sem envelope debaixo do braço, desceu as escadas, abriu a porta e
desatou a correr na direção dos correios.
Agora imaginem os leitores se o avô,
alertado pela esposa da fuga da neta, a não tivesse encontrado já bem perto dos
correios e a não tivesse impedido de enviar a tal carta dirigida ao “Sr. do
governo”?
Carlos Afonso
As cartas assim deviam chegar aos milhares e
ResponderEliminar"autistas" como são ouviriam???!!!
"afinal somos o melhor povo do Mundo" diz o Gaspar...
Esta história fez-me lembrar os ESTEIROS...