sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A minha terra é formosa…



A terra de cada um não tem de ser, obrigatoriamente, aquela onde se nasce. Essa foi, é e será sempre aquela que nos mostrou os fios virginais com que se tecem o brilho dos dias e os primeiros passos de uma jornada.
A terra de cada um pode ser, também, aquela que nos acolhe ou aquela que nos deseja. A terra de cada um pode ser, também, aquela que nos mata a sede ou aquela que nos empresta os seus frutos. Quer isto dizer que qualquer um de nós pode usufruir de um punhado de terras, o que nos torna maiores e senhores de vários reinos.
Desde o primeiro dia em que abri os olhos para o mundo, e já lá vão cinquenta anos, numa pequena aldeia transmontana, plantada entre eternos olivais e perfumados campos de amendoeiras, que o destino, sempre comandado por Deus, nunca se desviou um milímetro que fosse das suas obrigações. Fui menino e às vezes a minha mãe teve de me chamar à razão. Caí de uma cerejeira só porque queria saber quantos ovos tinha o ninho de pintassilgo. Nunca me esqueci da alegria que senti quando reparei que a minha irmã parecia uma bonequinha, quando a parteira ma mostrou pela primeira vez. Fartei-me de nadar nas águas amenas do rio Sabor e apanhei muitos peixes com as mãos. As primeiras letras foram-me ensinadas pela Dona Estela, mas foi o Cónego Baltazar que me ensinou o Pai Nosso em francês.
Sem qualquer impostura, quero deixar bem claro que cresci dentro dos parâmetros normais que regem todas as famílias humildes e, quando reparo no que fui, não sinto mágoas nem vontade de apagar datas ou ocasiões. Valeu a pena chegar aos dias de hoje, ter percorrido quase mil terras numa demanda natural, e poder dizer aos meus filhos que a vida é bela e que a esperança é da cor dos nossos olhos.
Amanhã, quando o meu coração deixar de bater, as flores continuarão a desabrochar na primavera.
Quando nos anos oitenta do século passado bati às portas de Fafe, com o argumento de que queria assentar residência bem dentro da sua abrangência, esta nobre urbe abriu-me as portas de par em par. Eu sei que os argumentos por mim utilizados para que tamanha honra me fosse concedida foram muito fortes, (queria aqui trabalhar e amava verdadeiramente uma filha da terra). Mas o fundamento mais preponderante para um sim tão inequívoco teve a ver de certeza com o espírito hospitaleiro que define as raízes e os contornos desta terra de muitos séculos, a quem chamam, e muito bem, a Sala de Visitas do Minho e que Camilo Castelo Branco conheceu em 1860.
O povo diz e com razão que não se sente não é filho de boa gente. Não admira por isso que me sinta eternamente grato a uma cidade que não se importou de me ofertar um pedaço da sua real existência. Assim sendo, e sempre que me é possível, gosto de lhe agradecer, adjectivando-a, alindando-a com versos sentidos e realçando-lhe a sua história e gentes.
Muitas são as porções da riqueza histórica de Fafe em que podemos pegar e mostrar a quem as queira viver em pleno. «Fafe dos Brasileiros», e tudo o que este epiteto abarca, e sem querer menosprezar outras vivências epocais, é um motivo mais que válido para agraciar Fafe. Claro que este propósito não foi ideia minha. Deus não me concedeu tamanha capacidade. Miguel Monteiro já há muito que começou a preparar o campo para tão especial sementeira. Artur Coimbra, Luís Gonzaga, Daniel Bastos e outros investigadores fafenses com memória têm vindo, também, a trabalhar no sentido de o tempo não apagar as nascentes de todo um povo.
A caminhada em busca do que lhe quisermos chamar já começou há muito. Mas hoje, no ano da graça de 2012, e porque a conjuntura está de feição e as aves ainda sabem escolher o melhor poiso para construírem o ninho, chegou o momento de dar continuidade à safra. Eu estou disposto a tal. E pelo que sei e tenho escutado, há muitas almas com a mesma vontade.
Ora se «Óbidos Medieval» ou «Guimarães Afonsina», entre muitos outros exemplos que pululam por este país fora, são caminhos a seguir, «Fafe dos Brasileiros» pode ser uma mais que justificável efeméride. Acredito que uma das melhores formas de construir um futuro é pegar no passado, semeá-lo no presente e esperar por um desabrochar esplendoroso. Claro que todos os cuidados são poucos. Mas Deus é grande e o casario que derivou das riquezas vindas do Brasil ainda é quase o mesmo!
«Fafe dos Brasileiros» tem o rosto nas fachadas que decoram as ruas do centro histórico de Fafe e o seu sangue ainda corre à farta nos muitos escritos que se definiram em seu redor. Vamos então construir um grande evento cultural e dar-lhe consistência. E para que a seara nasça farta e bem verde há que lhe juntar as vertentes turística e económica. Para que isto aconteça é preciso que muitas mãos se unam e empurrem com vigor o que importa. Para o grande rio chegar à foz é preciso que o incauto ribeiro lhe dê de beber.
Nos tempos que correm, uma nobre terra que tem nas suas raízes uma ligação tão forte ao Brasil deve ter orgulho nesse passado que tanto a engrandeceu e que continua, ainda hoje, a abrilhantar as suas memórias. Não devemos em nenhum momento esconder os focos de luz que insistem em iluminar os bons propósitos. Bem pelo contrário. Há que os limpar de algumas impurezas e acreditar.
Para os que me conhecem, provavelmente, não se admirarão com este meu texto quase da cor das miragens. Digo isto, porque de há uns anos para cá que, às vezes, desvio-me do óbvio e tropeço intencionalmente em ideias que podem não mostrar os fios todos. Parece faltar-lhes alguma clareza e um ou outro verbo no indicativo. Desta vez o raciocínio é diferente e a primavera já anda no ar: o terreno está a preceito; uma fome esquisita percorre os desígnios; a friagem não esconde a clareza dos gestos; a passarada está pelos ajustes e o determinado lavrador está atento.
Caros leitores, ontem tivemos um passado de partidas e regressos. Hoje temos uma marca, uma cronologia e um anseio. Amanhã teremos, se a nossa força continuar presa ao leme, uma farta seara e um momento a comemorar.
Fafe dos Brasileiros é um sonho a concretizar.


Carlos Afonso

1 comentário:

  1. Carlos,
    parabéns pelos textos, mas sobretudo pela emoção e pela paixão que deles irradiam. Certamente que a semente assim lançada irá frutificar, o eco espalhar-se-á, levando não só os sons, mas também o perfume e o gosto desta terra que é tão nossa.
    Um abraço caloroso! A.Teixeira

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