UM ENCONTRO NA BRASILEIRA
Para quem consegue ler os pequenos
indícios que os dias oferecem aos incautos humanos, por vezes, colhe surpresas
que nem o destino conseguiria melhor. Não admira, por isso, que uma noite amena
de Novembro consiga ser mais intensa do que as imensidades de Junho, ou uma
mera flor outonal esparja mais aroma do que as rosas de Maio. É por estas e por
outras que certos minutos têm imensuráveis encantos, e o velho Estêvão tenha
razão, quando afirma: “O mais belo numa seara farta não é o trigo que nela se
venha a colher, mas, sim, no cereal que gostaríamos que ela nos desse.”
Naquela noite, as ruas de Fafe não me
foram indiferentes, bem pelo contrário. O sossego da hora e o recato adormecido
dos poucos transeuntes convidaram-me a calcorrear a grandeza arquitetónica que
define o centro da cidade. Reminiscências, vozes surdas, esculpidas nas
vidraças, e uma humidade agarradiça, própria da época, conduziram-me a vontade.
Como a iluminação pública não me mostrava a verdade toda, a dada altura, dei
por mim a entrar na Brasileira.
Este simpático café, localizado bem no
centro da cidade, não tinha mais de uma dúzia de pessoas. Para além do
proprietário, um amigo que muito considero, pude enxergar que as demais iam
dando duas de conversa, interrompida, de vez em quando, pelas chamadas de um
televisor, que se encontrava encostado ao sítio do costume.
Depois de tomar o que a ocasião me pediu,
deixei-me estar por ali. E porque me apeteceu, comecei a reparar no que os meus
olhos me ofereciam. A cavaqueira amena dos companheiros de espaço continuava. A
televisão pouco me dizia. Alguns bolos e outras guloseimas, próprias destes
ambientes, pareciam dormitar nas suas calorias. Só a abrangência do momento e a
minha apatia espontânea me atraíam. Quase sem querer, inquietei-me. De seguida,
pareceu-me ver uma luz diferente, vinda do exterior, que parecia querer
confundir-me o raciocínio. Ainda resisti, mas foi por pouco tempo.
Senti passos (e agora não sei se foi sonho
se realidade). Uma voz algo ausente, mas minha conhecida, abordou-me. O
detentor da mesma pediu licença para se sentar. Numa atitude cordial, como
tento sempre ser nestas ocasiões, disse que sim, ao mesmo tempo que reparava na
sua fisionomia. Que emoção!
Do que aconteceu logo a seguir, meus
amigos, só vos conto alguns excertos, porque os demais pormenores ainda não os
consegui entender. O que vos asseguro é que, a dada altura, dei por mim a
escrevinhar, num papel que retirei do bolso, uma frase demasiado importante
para o dono da voz que a inspirou «Fafe dos Brasileiros». Também vos assevero
que aquele homem de meã de figura, plenamente convencido do que dizia e dono de
um olhar oceânico, me fartou, naqueles inesquecíveis instantes, de histórias e
nomes de fafenses que escolheram o Brasil para emigrar. Claro que também me
falou dos seus regressos, das riquezas que trouxeram, dos palacetes que
construíram e das suas bem feitorias. Não se esqueceu, igualmente, de me
esclarecer algumas dúvidas e de me acrescentar algumas curiosidades que só um
homem sábio pode clarificar. Depois, retocou de leve os óculos, e enquanto se
despedia, apontou para o que eu escrevera e pareceu estremecer. Depois, sorriu
e recolheu-se à eternidade.
É evidente que eu entendi a mensagem.
E porque tinha de ser, acordei para a
realidade, compus os óculos, pois pareceram-me desacertados, e respirei fundo…
Ora bem, do que temos estado a conversar,
alguma coisa não bate certo ou, se calhar, tem todo o sentido.
Na Brasileira prosseguia a conversa. A
televisão insistia no que estava programado. No meu relógio eram quase as onze.
Levantei-me, peguei no papel com os tais
dizeres e apertei-o com convicção. Despedi-me e saí.
A noite continuava quase igual…
Carlos Afonso (2011)